3/09/2025

Rapunzel (dos Irmãos Grimm), por Monteiro Lobato

 


RAPUNZEL

Os tempos de dantes havia um homem e uma mulher cujo maior desejo era terem um filho; mas apesar de estarem casados de muitos anos, não conseguiram ver a casa alegrada com um chorinho de criança.

A casa deles tinha uma janela nos fundos que dava para a horta duma vizinha que era bruxa. Um dia em que a mulher estava nessa janela espiando a horta da bruxa, viu um canteiro de rabanetes tão apetitosos que foi tomada de um desejo louco de comê-los. Mas como? Eram rabanetes da bruxa e a bruxa não os dava a ninguém, nem vendia por dinheiro nenhum. E a mulher começou a pensar naquilo dia e noite, e quanto mais pensava mais apertava o seu desejo. E foi indo até ficar doente.

O marido assustou-se com a tristeza da esposa e perguntou:

— Mas afinal de contas, que é que tem você, mulher?

— Ai! gemeu ela. Se não como pelo menos um rabanete da horta da vizinha, tenho a certeza de morrer. O marido, que gostava muito dela, resolveu satisfazer-lhe o desejo, conseguindo um daqueles rabanetes, custasse o que custasse.

Pensou, pensou sobre o meio e à noite saltou o muro da vizinha e colheu um rabanete. Fez uma saladinha e levou-a à mulher. Foi um regalo. Nunca na vida um rabanete foi mais apreciado; mas no dia seguinte o desejo voltou e a mulher pediu ao marido que pulasse de novo o muro e trouxesse dois.

O marido assim fez. Pulou o muro; mas quando estava arrancando os dois rabanetes, a bruxa surgiu, de mãos na cintura e cara muito feia.

— Como se atreve a pular o muro para vir furtar meus rabanetes? esbravejou com voz colérica.

— Perdoe-me, senhora, suplicou o coitado. Se cometi essa feia ação foi apenas para salvar a vida de minha querida mulher. A pobre viu êsses rabanetes lá da janela e tomou-se de tal desejo que até caiu de cama. Se não comesse pelo menos um, morreria.

Esta explicação acalmou a cólera da bruxa, que disse:

— Se é verdade o que está contando, dou licença de levar não um, nem dois, mas quantos rabanetes quiser. Isso, porém, com uma condição: darem-me a criança que sua mulher vai ter. Eu sou rica e hei de tratá-la como se fosse minha filha.

Na sua aflição, e para ver-se livre dos apuros, o homem aceitou a proposta.

Meses mais tarde a mulher teve uma filhinha; no mesmo dia a bruxa apareceu e levou-a, dando-lhe o nome de Rapunzel.

Essa Rapunzel cresceu, tornando-se a mais linda menina do mundo; mas quando fez doze anos foi encerrada pela bruxa numa torre altíssima, lá no meio da floresta uma torre sem escada para subir, nem porta. Só havia uma janelinha na parte mais alta. Quando a bruxa queria entrar, chegava embaixo da janelinha e gritava:

Rapunzel! Rapunzel!

Lança-me as tuas tranças!

Isso porque Rapunzel tinha uma cabeleira magnífica, de fios longuíssimos e mais louros que o ouro. Assim que a menina ouvia aquela voz desfazia as tranças e soltava pela janelinha a cabeleira dourada para que a bruxa subisse por ela.

Certo dia em que um príncipe veio caçar naquela floresta, aconteceu-lhe avistar de longe a torre. Tomado de curiosidade, aproximou-se. Um canto maviosíssimo partia lá de dentro. O príncipe deteve seu corcel e ficou absorvido, a ouvir. Quem cantava era Rapunzel e cantava para disfarçar o aborrecimento de viver ali tão sozinha.

O príncipe quis entrar na torre; mas por mais voltas que desse não viu nem sinal de porta e voltou para o seu palácio. Aquela voz de anjo, entretanto, não lhe saía dos ouvidos e o moço começou a ir todas as tardes rondar a torre furtivamente. Numa dessas vezes, em que estava oculto atrás dum tronco de árvore, viu a bruxa aparecer, parar debaixo da janela e gritar: 

Rapunzel! Rapunzel!

Lança-me as tuas tranças!

Logo a seguir viu a menina aparecer à janela, a desfazer as tranças e pela cabeleira solta subir a bruха.

— Hum! exclamou o príncipe para consigo mesmo.

Já sei agora qual é a escada dessa torre.

No dia seguinte o príncipe voltou para ali e parando diante da janelinha repetiu as palavras da bruxa:

Rapunzel! Rapunzel!

Lança-me as tuas tranças!

Não demorou muito e a cabeleira loura escorreu pela torre abaixo. O príncipe agarrou-a e por ela foi subindo e subiu e pulou para dentro.

Quando a menina, em vez da bruxa, viu tão lindo rapaz, mostrou-se assustadíssima, porque era a primeira vez na vida que punha os olhos num homem. Mas o susto foi passando aos poucos, à medida que o príncipe lhe dirigia as mais doces palavras de amor. E quando finalmente o moço indagou se ela queria casar-se com êle, Rapunzel compreendeu que o casamento era o único meio de livrar-se daquela prisão. E aceitou a proposta.

Sim, disse ela, estendendo a mão ao príncipe. Estou pronta para casar consigo; só não sei como descer desta maldita torre. O melhor será o seguinte. Cada vez que vier visitar-me, deverá trazer uma meada de seda, com a qual irei tecendo uma escada. Quando essa escada estiver do comprimento necessário, então descerei e fugirei na garupa do seu corcel.

— E também combinaram que ele só subiria à torre de noite, visto como a bruxa passava ali o dia. E assim começaram a fazer sem que a feiticeira nada percebesse.

Certa vez, porém, Rapunzel lhe disse com toda a inocência:

—  Mãe, como é que a senhora custa tanto a subir pelo meu cabelo e o príncipe sobe em três tempos?

— Oh, desgraçada! exclamou a bruxa furiosa. Eu fiz tudo para separá-la do mundo e não é que você me anda com príncipes por aqui?

E agarrando-a pelos cabelos arrastou-a pela sala e deu-lhe uma grande surra; por fim cortou-lhe o cabelo com uma tesoura. Não contente com isso levou-a para um deserto, onde a abandonou sozinha na mais triste miséria. Voltou então à torre e amarrou a cabeleira cortada à janela.

Quando foi de noite o príncipe veio e gritou como de costume:

Rapunzel! Rapunzel

Lança-me as tuas tranças!

A bruxa então jogou para fora as tranças e deixou que o príncipe subisse por elas. Coitado! ao chegar lá em cima, em vez da linda namorada o que viu foi a horrenda cara da bruxa.

— Ah! ah! ah! gargalhou ela diabolicamente. Veio buscar a namorada, não é? Pois o rouxinol já não está neste ninho. Uma gata o levou para bem longe e vai agora arrancar-lhe os dois olhos. Não pense mais em Rapunzel. Rapunzel morreu.

O príncipe ficou desvairado de dor ao ouvir tais palavras e no seu desespero atirou-se da torre abaixo. Não morreu da queda, visto ter caído sobre uma touceira de espinhos mas teve os dois olhos furados, sem poder regressar para o seu reino. Ficou vivendo na floresta, alimentando-se de raízes e frutas silvestres, sempre a chorar a perda da noiva adorada.

Mas um dia o destino o conduziu para o deserto onde se achava a moça, a qual o reconheceu imediatamente. Abraçaram-se entre lágrimas de amor e as lágrimas de Rapunzel haviam ficado tão milagrosas com os anos de martírio, que uma que molhou os olhos do príncipe fez que ele recuperasse a vista num instante.

Voltaram então para o reino, onde foram recebidos com grandes festas.

A bruxa ninguém soube que fim levou. Com certeza engasgou-se com os seus rabanetes e morreu asfixiada. Se foi assim, bem feito!


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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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