3/08/2025

Rumpelstiltskin (de Irmãos Grimm), por Monteiro Lobato



RUMPELSTILTSKIN

Era uma vez um moleiro muito prosa, que tinha uma filha linda. Foi o moleiro falar com o rei e, para mostrar importância, gabou-se de que a filha era danada, pois sabia transformar palha em fios de ouro. O rei arregalou os olhos pensando lá consigo: "Está aí um excelente negócio para mim!" Esse rei era um verdadeiro poço de ambição. Nada lhe chegava. Foi assim que se voltou para o moleiro e disse:

— Muito bem, se sua filha é tão engenhosa como diz, traga-a ao palácio amanhã. Quero submetê-la a uma prova.

No dia seguinte veio a moça, e o rei a conduziu a uma sala cheia até o forro de palha de trigo, com uma roca de fiar num canto.

— Aqui tem esta roca de fiar, disse o rei. Já que a senhora sabe transformar palha em fios de ouro, faça isso de toda esta palha. Do contrário, já sabe o que acontece: será condenada à morte.

Trancou a sala e foi-se. A pobre moça, ao ver-se sozinha, rompeu em choro, porque era mentira pura a tal história do moleiro. Estava a coitadinha na maior aflição, sem saber o que fazer, quando a porta ringiu e um anãozinho apresentou-se muito lampeiro.

— Boa noite, linda donzela! disse ele. Que é que a faz chorar desse modo tão triste?

— Ai de mim! suspirou a jovem. O rei mandou-me transformar toda esta palha em fios de ouro e não sei como me arranjar.

— Hum! exclamou o anãozinho, piscando um dos olhos cavorteiramente. Que me dá, moça, se eu fizer esse lindo serviço?

— O que dou? Dou este colar, respondeu ela apontando para o colar que trazia ao pescoço.

O anãozinho tomou o colar, examinou-o e guardou-o no bolsinho; em seguida sentou-se à roca e girou três vezes a roda. Imediatamente uma, bobina apareceu cheia e cheia de fios de ouro! Pôs outro carretel na roca e fez o mesmo — e assim trabalhou a noite inteira, até que pela madrugada só havia ali bobinas cheias de fios de ouro — e palha nenhuma.

Quando ao nascer do sol, o rei veio ver se suas ordens haviam sido executadas, abriu a boca de espanto ao dar com toda a palha transformada em fios de ouro: Em vez de contentar-se com isso, porém, quis mais, e levando a moça para outra sala, ainda maior e também cheia até em cima de palha, intimou-a a fazer ali o mesmo.

— Se não estiver amanhã cedo tudo isto transformado em fios de ouro, a senhora já sabe o que acontece.

A pobre moça esfriou. Da primeira vez o anão tinha ajudado. Mas agora? Voltaria? E ficou muito triste, a pensar no caso. Súbito a porta tingiu e o anão apareceu.

— Oh, mais palha! disse ele piscando o olhinho. Que me dá agora se eu fizer o mesmo serviço de ontem?

 — Dou este anel, disse a moça tirando um anel do dedo.

O anão aceitou o anel, depois de bem examiná-lo, e imediatamente começou a fiar, e fiou toda a palha, e antes de vir a manhã o serviço estava pronto.

O rei veio muito cedo e mais uma vez rejubilou-se com a ourama que havia conseguido. Sua ambição, porém, cresceu ainda mais. Levou a moça para a sala maior de todas e tão socada de palha que só ficara o lugarzinho para a roca de fiar.

— E agora, minha cara, é fiar todo este palhame, se não... Mas mudou de idéia. Viu que a filha do moleiro era uma verdadeira preciosidade e propôs: Se fiar toda esta palha, casará comigo e ficará sendo a rainha.

A moça ficou à espera do anão, que sem demora apareceu.

— Hum! Temos serviço hoje! Vamos ver: que me dá se eu fiar toda essa palha?

A moça ficou atrapalhada.

— Nada mais possuo, murmurou ela. Já dei tudo quanto tinha comigo.

— Nesse caso, prometa-me dar o primeiro filho que tiver depois que se casar com o rei, propôs o anão.

A moça não estava acreditando muito naquele casamento, e para sair-se dos apuros prometeu dar ao anão o seu primeiro filhinho. No mesmo instante ele se pôs a fiar e deu conta do recado em poucas horas. Fiou toda a palha da sala, sem deixar um fiapo.

Quando pela manhã o rei veio ver o serviço, ficou radiante. Só havia ali bobinas e mais bobinas de lindos fios de ouro — e palha nenhuma. Resolveu então cumprir a promessa — e casou-se com a filha do moleiro.

Um ano mais tarde a jovem rainha teve uma criança loura que era um anjo de beleza. Mas a mãe não pode regalar-se com aquela felicidade, porque a porta ringiu e o anãozinho apareceu. Vinha reclamar a criança prometida. A rainha, que nem mais se lembrava do pacto, ficou assustadíssima, e ofereceu-lhe em troca todos os tesouros do reino. Que levasse tudo, menos aquele amor de criança. O anão respondeu:

— Nunca! Prefiro ter comigo uma criaturinha humana a ter todos os tesouros da terra.

A rainha pôs-se a chorar, a torcer as mãos — e tanto se lamentou que o anão teve dó dela.

— Pois bem, disse ele. Dou-lhe três dias de prazo. Se durante esse tempo puder adivinhar o meu nome, desistirei de levar a criança.

A rainha pulou de contente e passou a noite inteira decorando quanto nome existe nos dicionários, e além disso mandou que um mensageiro corresse todo o reino catando mais nomes. Na manhã seguinte o anão apareceu e ela experimentou todos os nomes que sabia. experimentou Gaspar, João, Sinforoso, Epaminondas, Pulquério, Teodureto, Aristogiton, Eustáquio etc. A cada um, entretanto, o anão exclamava:

— Errou. Não é esse o meu nome.

No segundo dia a rainha estudou mais nomes, e escolheu os mais esquisitos, como Costela-de-Carneiro, Unha-de-Vaca, Coração-de-Leão, Barbatana-de-Baleia etc. Mas a resposta do anão era sempre a mesma:

— Errou. Não é esse o meu nome.

No terceiro dia chegou o mensageiro e correu ao palácio.

— Andei por todo o reino, disse ele, e não descobri nome nenhum fora os já conhecidos. E levei um susto. Imagine a senhora que ao passar pela beira duma floresta vi lá no fundo uma casinha muito pequenininha, com uma fogueira na frente. Fui espiar — e dei com um anãozinho muito feio, a dançar em roda do fogo com uma perna só. Dançava e cantava.

— Que cantava ele?

— Cantava uma trapalhada assim:

Rum — rom, rim, rem ram,
Pels — pils, pois, puis, pais,
Til — tol, tul, tal, tel,
Ts — ts, ta, ts, ts,
Kin — kon, kun, kan, ken.

A rainha decorou a trapalhada e pôs-se a pensar no que poderia significar. E tanto pensou que apanhou o segredo. Nisto a porta ringiu e o anãozinho foi aparecendo, lampeiro como sempre.

— Vamos lá ver isso, majestade, disse ele. Como me chamo, diga?

— Conrado? experimentou a rainha, para disfarçar.

— Não.

— Henrique?

— Não.

— Anastácio?

— Não.

Nesse caso, disse a rainha, o seu nome só pode ser Rumpelstiltskin!

Ao ouvir aquilo o anão ficou assombradíssimo. Depois teve um acesso de cólera e berrou:

— Foi alguma bruxa quem contou o meu nome! Foi alguma bruxa malvada! e sapateou no chão com tamanha fúria que o seu pé direito rompeu o assoalho e lá ficou entalado entre as tábuas. Ele, então, desesperado, agarrou com ambas as mãos a perna esquerda e deu tal tranco que despregou uma tábua com todos os pregos — e fugiu na disparada, grunhindo que nem um porquinho.

Foi a última vez que a rainha se avistou com o tal Rumpelstiltskin.


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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)

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