5/03/2025

A briga difícil (Conto), de Figueiredo Pimentel


A BRIGA DIFÍCIL

Um bom santo monge, tendo por nome Antônio, vivia numa cela, em companhia de outro religioso, de gênio menos pacífico, chamado Frederico.

Certa manhã Frederico lhe disse:

— Na verdade passamos aqui tristíssima existência!

— Como triste?! — respondeu o bom Antônio. — Não devemos dar graças aos Céus pela calma e tranquilidade que gozamos? As nossas orações, pela manhã, ao meio-dia, e à noite; nosso pequenino campo para cultivar, livros instrutivos nos quais estudamos; algumas pobres pessoas que nos trazem as suas ofertas, e que voltam consoladas; o pensamento de que também prestamos alguns benefícios e que fazemos o bem; e a esperança de cuidarmos assim da nossa salvação; que podemos desejar de melhor?

— Sim, tudo isso é bom e bonito — retorquiu Frederico, — mas é sempre a mesma coisa —  a mesma regra monótona, e o dia tão longo! Para nos distrairmos um pouco, deveríamos disputar um com outro, algumas vezes.

— Disputar, Santo Deus! E por quê? que razões de briga poderiam existir entre nós?  

— Inventa-se um pretexto qualquer, que nada tenha de sério, e que quebre por instantes a monotonia e a uniformidade dos nossos hábitos. Por exemplo: eu apanho este livro e digo: Este livro é meu; você responde que ele não é meu. Insisto na opinião; você insiste na sua, e isso diverte-nos.

— Pois seja — disse Antônio, — se isso lhe agrada, consinto.

— Olhe para este livro — exclamou, então Frederico, — este livro é meu.

— Não, ele não é seu.

— Ele é meu, estou certo!

— Pois se você está certo — replicou serenamente  o pacífico Antônio, — não devo contestar. Pode levá-lo.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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