5/03/2025

A Gata Borralheira (Conto), de Figueiredo Pimentel


A GATA BORRALHEIRA

Um homem, chamado Lucas, tendo enviuvado, julgou que devia casar-se outra vez.

Do seu segundo casamento tivera duas filhas, que não eram nem bonitas, nem espirituosas, mas cheias de orgulho e inveja.

Do primeiro possuía uma, que era a mais graciosa, a mais encantadora criatura deste mundo. As irmãs, invejosas dela, tratavam-na cruelmente, do mesmo modo que a madrasta, não ousando seu pai defendê-la.

Ela fazia em casa os serviços de criada, levantando-se cedo, deitando-se tarde e, durante todo o dia, continuando nas mais rudes obrigações, enquanto as outras se enfeitavam e iam passear.

Quando acabava o serviço, sentava-se em silêncio sobre as cinzas do fogão. As irmãs, por zombaria, chamavam-na Gata Borralheira.

Um dia, o pai indo à cidade, perguntou às filhas o que queriam que lhes trouxesse. Uma pediu ricos vestidos, outras pérolas e diamantes. Quando chegou a sua vez, Gata Borralheira pediu uma roseira.

À volta do pai, foi plantar a roseira no túmulo de sua mãe. Todos os dias regava com lágrimas.

A roseira cresceu rapidamente, tornou-se um arbusto frondoso. Um passarinho branco vinha pousar em um dos galhos, e contemplava-a com piedade.

Sucedeu que o rei deu uma grande festa, para a qual fez convidar as moças do país, a fim de que seu filho escolhesse uma noiva.

Desde que tiveram notícia da festa, as irmãs da Gata Borralheira começaram a se preparar e a cuidar dos vestidos.

A pobre menina foi quem as auxiliou nos preparativos; e com as suas mãos delicadas lhes penteou os cabelos.

Tinha também grande vontade de ir ao baile, mas ninguém se lembrou de levá-la. Quando se aventurou a falar nisso, maltrataram-na impiedosamente, perguntando-lhe como se apresentaria no palácio real, só possuindo um vestido velho e não tendo sapatos.

A madrasta, então apanhou uma terrina cheia de lentilhas, e atirando-as nas cinzas, disse-lhe:

— Se conseguires catar todas essas lentilhas dentro de duas horas, levar-te-emos ao baile.

Gata Borralheira, dirigiu-se ao jardim, pediu o auxílio do seu amigo o passarinho branco da roseira, que reunindo-se a todos os outros pássaros da vizinhança, se pôs imediatamente à obra, conseguindo reuni-la em curto espaço de tempo.

Mas a malvada madrasta não quis cumprir a promessa, ficando furiosa por ver que ela as colhera.

Novamente lançou duas terrinas de milho e ordenou-lhe que o apanhasse dentro de duas horas.

Outra vez vieram os passarinhos, e antes daquele tempo, o serviço estava feito.

Ainda a megera não quis ceder:

— Como queres que te leve à festa, se não tens roupa, e possuis uma aparência tão desgraciosa?  

Em seguida tomou o carro e partiu com as filhas, que iam cobertas de sedas, rendas e joias.

Gata Borralheira foi sentar-se no seu lugar predileto, muito triste, quando ouviu o seu fiel passarinho cantar:

Ai minha menina, dize
Que desejas para teu bem.

A mocinha respondeu:

Se não fosse querer muito,
Queria ir ao baile também.

Dos galhos da roseira viu cair um rico vestido, meias finas e sapatinhos de ouro.

Vestiu-se alegremente e foi para a festa em uma esplendida carruagem que a esperava à porta.

Estava tão linda, que maravilhou todo o mundo. A madrasta e as irmãs não a reconheceram. O príncipe só dançou com ela; e, quando ela se retirou, quis segui-la. A menina, porém, fugiu rapidamente, chegando à casa foi depor nos galhos da roseira as roupas, que desapareceram. Depois recuperou o seu lugar do costume nas cinzas do fogão.

Alguns dias depois houve novo baile no régio paço.

Compareceu, cada vez mais formosa, a pobre Gata Borralheira, e o príncipe só dela se ocupou.

Realizou-se terceiro baile. Mas, desta vez, quando ela se despediu, perdeu um dos sapatinhos. O príncipe apanhou-o; fez anunciar por toda a cidade que se casaria com a moça que pudesse calçar aquele sapatinho; e mandou um mensageiro, de casa em casa, experimentá-lo nos pés das moças.

Sua Alteza, em pessoa, procurou durante muito tempo, sem poder encontrar o que desejava. Todas as moças às quais se apresentava, inutilmente se esforçavam para calçar o sapatinho de ouro.

As duas irmãs da Gata Borralheira fizeram também os mesmos esforços.

O príncipe disse-lhes:

— As senhoras não têm uma irmã?  

— Sim — respondeu a mais velha, — ela porém está mal vestida, que não ousamos apresentá-la.

— Não faz mal, chamem-na assim mesmo.

Era preciso obedecer. Chamaram Gata Borralheira, que apareceu, vestida como tinha ido ao baile, mas com um pé descanso.

O príncipe reconheceu-a, e levou-a para o palácio, onde se casaram.

As festas foram celebradas com toda a pompa, e Gata Borralheira foi para a igreja com uma coroa de ouro na cabeça.

As irmãs acompanharam-na, com pensamentos monstruosos de inveja e ódio.

Mas quando saltaram da carruagem, o passarinho branco apareceu e, com o bico, furou-lhe os olhos, castigando-a, assim, pela sua maldade.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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