Um homem, chamado Lucas, tendo
enviuvado, julgou que devia casar-se outra vez.
Do seu segundo casamento tivera
duas filhas, que não eram nem bonitas, nem espirituosas, mas cheias de orgulho
e inveja.
Do primeiro possuía uma, que era a
mais graciosa, a mais encantadora criatura deste mundo. As irmãs, invejosas
dela, tratavam-na cruelmente, do mesmo modo que a madrasta, não ousando seu pai
defendê-la.
Ela fazia em casa os serviços de
criada, levantando-se cedo, deitando-se tarde e, durante todo o dia,
continuando nas mais rudes obrigações, enquanto as outras se enfeitavam e iam
passear.
Quando acabava o serviço,
sentava-se em silêncio sobre as cinzas do fogão. As irmãs, por zombaria,
chamavam-na Gata Borralheira.
Um dia, o pai indo à cidade,
perguntou às filhas o que queriam que lhes trouxesse. Uma pediu ricos vestidos,
outras pérolas e diamantes. Quando chegou a sua vez, Gata Borralheira pediu uma roseira.
À volta do pai, foi plantar a
roseira no túmulo de sua mãe. Todos os dias regava com lágrimas.
A roseira cresceu rapidamente,
tornou-se um arbusto frondoso. Um passarinho branco vinha pousar em um dos
galhos, e contemplava-a com piedade.
Sucedeu que o rei deu uma grande
festa, para a qual fez convidar as moças do país, a fim de que seu filho
escolhesse uma noiva.
Desde que tiveram notícia da festa,
as irmãs da Gata Borralheira
começaram a se preparar e a cuidar dos vestidos.
A pobre menina foi quem as auxiliou
nos preparativos; e com as suas mãos delicadas lhes penteou os cabelos.
Tinha também grande vontade de ir
ao baile, mas ninguém se lembrou de levá-la. Quando se aventurou a falar nisso,
maltrataram-na impiedosamente, perguntando-lhe como se apresentaria no palácio
real, só possuindo um vestido velho e não tendo sapatos.
A madrasta, então apanhou uma
terrina cheia de lentilhas, e atirando-as nas cinzas, disse-lhe:
— Se conseguires catar todas essas lentilhas
dentro de duas horas, levar-te-emos ao baile.
Gata Borralheira, dirigiu-se ao jardim, pediu o auxílio do seu amigo o
passarinho branco da roseira, que reunindo-se a todos os outros pássaros da
vizinhança, se pôs imediatamente à obra, conseguindo reuni-la em curto espaço
de tempo.
Mas a malvada madrasta não quis
cumprir a promessa, ficando furiosa por ver que ela as colhera.
Novamente lançou duas terrinas de
milho e ordenou-lhe que o apanhasse dentro de duas horas.
Outra vez vieram os passarinhos, e
antes daquele tempo, o serviço estava feito.
Ainda a megera não quis ceder:
— Como queres que te leve à festa,
se não tens roupa, e possuis uma aparência tão desgraciosa?
Em seguida tomou o carro e partiu
com as filhas, que iam cobertas de sedas, rendas e joias.
Gata Borralheira foi sentar-se no seu lugar predileto, muito triste,
quando ouviu o seu fiel passarinho cantar:
Ai minha menina, dize
Que desejas para teu bem.
A mocinha respondeu:
Se não fosse querer muito,
Queria ir ao baile também.
Dos galhos da roseira viu cair um
rico vestido, meias finas e sapatinhos de ouro.
Vestiu-se alegremente e foi para a
festa em uma esplendida carruagem que a esperava à porta.
Estava tão linda, que maravilhou
todo o mundo. A madrasta e as irmãs não a reconheceram. O príncipe só dançou
com ela; e, quando ela se retirou, quis segui-la. A menina, porém, fugiu rapidamente,
chegando à casa foi depor nos galhos da roseira as roupas, que desapareceram.
Depois recuperou o seu lugar do costume nas cinzas do fogão.
Alguns dias depois houve novo baile
no régio paço.
Compareceu, cada vez mais formosa,
a pobre Gata Borralheira, e o
príncipe só dela se ocupou.
Realizou-se terceiro baile. Mas,
desta vez, quando ela se despediu, perdeu um dos sapatinhos. O príncipe
apanhou-o; fez anunciar por toda a cidade que se casaria com a moça que pudesse
calçar aquele sapatinho; e mandou um mensageiro, de casa em casa,
experimentá-lo nos pés das moças.
Sua Alteza, em pessoa, procurou
durante muito tempo, sem poder encontrar o que desejava. Todas as moças às
quais se apresentava, inutilmente se esforçavam para calçar o sapatinho de
ouro.
As duas irmãs da Gata Borralheira fizeram também os
mesmos esforços.
O príncipe disse-lhes:
— As senhoras não têm uma irmã?
— Sim — respondeu a mais velha, — ela
porém está mal vestida, que não ousamos apresentá-la.
— Não faz mal, chamem-na assim
mesmo.
Era preciso obedecer. Chamaram Gata Borralheira, que apareceu, vestida
como tinha ido ao baile, mas com um pé descanso.
O príncipe reconheceu-a, e levou-a
para o palácio, onde se casaram.
As festas foram celebradas com toda
a pompa, e Gata Borralheira foi para
a igreja com uma coroa de ouro na cabeça.
As irmãs acompanharam-na, com
pensamentos monstruosos de inveja e ódio.
Mas quando saltaram da carruagem, o
passarinho branco apareceu e, com o bico, furou-lhe os olhos, castigando-a,
assim, pela sua maldade.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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