5/03/2025

A velhinha da floresta (Conto), de Figueiredo Pimentel


A VELHINHA DA FLORESTA

Jorge, Isidoro e Félix eram filhos de um honrado e nobre alfaiate.

Todos três aprenderam diferentes ofícios, e um a um deixaram a casa paterna, para ir, conforme se dizia, naqueles tempos, terminar a aprendizagem trabalhando em várias oficinas.

Jorge foi quem partiu primeiro. Era hábil moleiro. Mas em vão pediu trabalho por toda a parte. Em lugar algum achou emprego e sua pequenina bolsa estava quase vazia.

Um dia caminhava tristemente, desanimado, quando, no meio da floresta, viu diante de si uma velhinha simpática que lhe disse:

— Onde vais, meu menino? Parece que tens alguma coisa que te incomoda. Conta-me a causa dos teus pesares...

— Ah! minha boa velhinha há muito tempo que já estou correndo mundo à procura de trabalho, sem nada achar. Não sei que fazer. Eis aí porque estou triste.

— Qual é o teu ofício?  

— Sou moleiro.

— Olé — exclamou alegremente a velha — também me ocupo disto. Vem comigo, que te darei serviço. Moro aqui mesmo, no interior da floresta. Ficará contente.

Jorge aceitou apressadamente o convite.

Depois de haver dado meia dúzia de passos, chegou em frente a uma bela casa, rodeada de árvores.

A velha conduziu-o para um quarto confortável, bem mobiliado e quente. Ai serviu ao pequeno moleiro uma excelente refeição e conversou amistosamente com ele durante parte da noite.

No dia seguinte, Jorge principiou o serviço. Era ativo e hábil, e amava a sua profissão. Além disso desejava agradar à velhinha, que tanta bondade lhe testemunhava, e portar-se convenientemente, a fim de não ser censurado.

Ao cabo de alguns meses, a velha falou-lhe:

— Meu rapaz, já não tenho mais necessidade dos teus serviços. Não posso pagar-te com dinheiro, mas faço-te um presente que vale muitíssimo. Toma esta mesinha e carrega-a para onde fores. Quando tiveres fome, dize-lhe: “Pequena mesinha, cobre-te...” e no mesmo instante vê-la-ás servida de tudo quanto for necessário. E agora, adeus. Não te esqueças da velhinha da floresta.

Jorge deixou pesaroso a casa onde tão belos dias havia passado.

Entretanto, alegrava-se imensamente em possuir a mesa mágica, e pôs-se a caminho para regressar ao seu país.

Todas às vezes que tinha fome, pronunciava as palavras que a velha lhe havia ensinado. A mesa cobria-se de uma toalha branca, e sobre ela apareciam pratos garfos, facas, colheres, pão, vinho e comidas excelentemente feitas.

Quando parava nas estalagens, pedia apenas um quarto para dormir, e só pagava a cama.

Uma noite, na última hospedaria em que devia pernoitar, estava no quarto, falando à mesa.

O dono do hotel espreitava-o pelo buraco da fechadura, e vendo o milagre operado pelo jovem moleiro, resolveu roubar-lhe o precioso móvel.

No dia seguinte, pela manhã, substituiu-o por outro igual.

Jorge partiu, sem desconfiar daquela traição, e assim que chegou à casa paterna, exclamou:

— Ah! de hoje em diante vosmecês não precisam mais trabalhar e não têm que recear a fome. Eis aqui um móvel que há de prover a todas as nossas necessidades. Olhem, meus pais. E dirigindo-se à mesinha, falou: “Pequena mesinha, cobre-te...”

Mas, em vão repetiu a ordem, duas e três vezes. A mesa nada produzia.

— Ai meu pobre Jorge! — disse seu pai, — se foi só isso tudo quanto ganhaste durante todo o tempo em que estiveste fora de nós, lastimo-te sinceramente; e, para reparar o tempo perdido, farás bem em trabalhar aqui, com toda a atividade.

Jorge baixou a cabeça, confuso.

Contudo recordava-se perfeitamente das boas refeições que a mesa lhe proporcionara, e não podia compreender como ela se tornara estéril do dia para a noite.

***

Entretanto, seu irmão Isidoro, que era sapateiro, quis também viajar.

Passou pela mesma floresta, encontrou-se com a mesma velhinha, que lhe deu trabalho, e conservou-o em casa durante muitos meses.

Depois disse-lhe:

— Durante todo esse tempo trabalhaste bem e te portaste excelentemente. Vou, porém, despedir-te, pois os teus serviços não me são mais precisos. Não tenho dinheiro para te pagar, mas far-te-ei um presente que valerá mais do que muitos sacos de dinheiro. Dou-te este burro... Todas as vezes que lhe disseres: “Meu burrinho, sacode-te...” verás cair as moedas que te forem necessárias.

Isidoro bem depressa certificou-se de que era exato o que a velha dizia.

Pronunciou as palavras ensinadas, e viu o burrinho... deitar moedas de ouro, belas e novas.

— Que alegria! — exclamou ele, eis-me mais rico, possuindo este animal, do que o fidalgo lá da aldeia com todos os seus castelos e terras!

Infelizmente, ao regressar para o seu país, teve de pernoitar, na mesma hospedaria em que seu irmão havia passado a noite.

Ai fez-se servir de uma boa ceia, e quando o hospedeiro lhe apresentou a nota da despesa, disse-lhe:

— Faça o favor de esperar, que vou buscar o dinheiro.

Apanhou um guardanapo, dirigiu-se à estrebaria, estendeu-o no chão, e falou ao burro:

— Meu burrinho, sacode-te!...

O pérfido estalajadeiro espiava-o por uma fresta, e no dia seguinte, quando o sapateirozinho partiu, levava em verdade um animal, mas não era o que lhe havia dado a velhinha da floresta.

Aquele, trocara-o ele; e Isidoro, que não tinha a ideia do embuste, chegou alegremente à casa de seus pais.

Ai, disse-lhe:

— Agora, vosmecês não têm mais necessidades de trabalhar. Estamos fabulosamente ricos!

E dirigindo-se ao animal:

— Meu burrinho, sacode-te!...

Mas foi em vão repetiu a ordem uma porção de vezes. O animal nem uma só moeda... deitou.

Então o pai exclamou:

— Ah! meu filho, se só possuis este animalzinho, não tens remédio senão trabalhar muito para ganhar a vida.

Isidoro seguiu obedientemente aquele conselho.

***

No ano seguinte, Felix, que havia aprendido o ofício de carpinteiro, quis também viajar.

Seguiu pelo mesmo caminho que os seus dois irmãos haviam trilhado, entrou na mesma floresta, e encontrou a mesma velha que os contratou.

O jovem operário trabalhou aí durante muitos meses.

Depois a velha disse-lhe um dia!

— És trabalhador, honesto e diligente. Entretanto, força é que nos separemos, porque não tenho mais necessidade de teus serviços. Queria também dar-te um bom presente, mas de que te servirá ele, se és capaz de fazer o mesmo que os teus irmãos não sabendo guardar o que lhes dei! Toma, pois, este saco. Dentro dele está um cacete. Quando tiveres necessidade, basta gritar: “cacete, à obra!...” Ele defender-te-á, até que lhe digas: “Entra no saco!”

O carpinteiro agradeceu delicadamente, e voltou para a casa paterna.

Durante a viagem reconheceu de quanto lhe valiam os serviços do caeté, todas as vezes que encontrava cães que o perseguiam, ou pessoas que o queriam assaltar.

Uma tarde chegou à mesma hospedagem onde os seus irmãos tinham sido indignamente traídos e roubados.

Depois da ceia disse ao dono da hospedaria:

— Confio-vos este saco, e peço que o guardeis em lugar seguro até amanhã. Recomendo-vos, porém, que não ponhais a mão nele, pois que se lhe disserdes: “Cacete, à obra!” vê-lo-eis executar coisas extraordinárias.

O ladrão do estalajadeiro, que roubara a mesa do moleiro e o burro do sapateiro, pensou que se tratava ainda de algum tesouro maravilhoso, e quis apoderar-se dele.

Achando-se sozinho, exclamou:

— Cacete, à obra!

O pau, forte e rijo, saiu logo do saco, e começou a lhe mandar as costas, a cabeça, os ombros, as pernas, todo o corpo, em suma.

O estalajadeiro quis falar, mas o pau acompanhava-o sempre, sem que pudesse evitá-lo.

— Socorro!... socorro!... — gritava o desgraçado, ensanguentado e ferido, não podendo mais suportar aquele suplício.

O jovem carpinteiro aproximou-se dele:

— Foi bem feito, e tu mereces esta sova. Roubaste a mesa de um dos meus irmãos, e o burro do outro. Agora queres roubar a minha arma.

— Piedade!... Piedade!... — berrava o estalajadeiro apanhando sempre. — Restituir-te-ei tudo quanto roubei a teus irmãos, mas livra-me desta tortura!...

Félix fez com que o pau entrasse novamente no saco, retomou a mesa e o animal, e voltou para casa.

Ai receberam-no com imensa alegria, e viveram felizes, e ricos, sempre muito estimados, devido aos três presentes da velhinha da floresta, que era uma boa fada.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

 

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