A VELHINHA DA FLORESTA
Jorge, Isidoro e Félix eram filhos
de um honrado e nobre alfaiate.
Todos três aprenderam diferentes
ofícios, e um a um deixaram a casa paterna, para ir, conforme se dizia,
naqueles tempos, terminar a aprendizagem trabalhando em várias oficinas.
Jorge foi quem partiu primeiro. Era
hábil moleiro. Mas em vão pediu trabalho por toda a parte. Em lugar algum achou
emprego e sua pequenina bolsa estava quase vazia.
Um dia caminhava tristemente,
desanimado, quando, no meio da floresta, viu diante de si uma velhinha
simpática que lhe disse:
— Onde vais, meu menino? Parece que
tens alguma coisa que te incomoda. Conta-me a causa dos teus pesares...
— Ah! minha boa velhinha há muito
tempo que já estou correndo mundo à procura de trabalho, sem nada achar. Não
sei que fazer. Eis aí porque estou triste.
— Qual é o teu ofício?
— Sou moleiro.
— Olé — exclamou alegremente a
velha — também me ocupo disto. Vem comigo, que te darei serviço. Moro aqui
mesmo, no interior da floresta. Ficará contente.
Jorge aceitou apressadamente o
convite.
Depois de haver dado meia dúzia de
passos, chegou em frente a uma bela casa, rodeada de árvores.
A velha conduziu-o para um quarto confortável,
bem mobiliado e quente. Ai serviu ao pequeno moleiro uma excelente refeição e
conversou amistosamente com ele durante parte da noite.
No dia seguinte, Jorge principiou o
serviço. Era ativo e hábil, e amava a sua profissão. Além disso desejava agradar
à velhinha, que tanta bondade lhe testemunhava, e portar-se convenientemente, a
fim de não ser censurado.
Ao cabo de alguns meses, a velha
falou-lhe:
— Meu rapaz, já não tenho mais
necessidade dos teus serviços. Não posso pagar-te com dinheiro, mas faço-te um
presente que vale muitíssimo. Toma esta mesinha e carrega-a para onde fores.
Quando tiveres fome, dize-lhe: “Pequena mesinha, cobre-te...” e no mesmo
instante vê-la-ás servida de tudo quanto for necessário. E agora, adeus. Não te
esqueças da velhinha da floresta.
Jorge deixou pesaroso a casa onde
tão belos dias havia passado.
Entretanto, alegrava-se imensamente
em possuir a mesa mágica, e pôs-se a caminho para regressar ao seu país.
Todas às vezes que tinha fome,
pronunciava as palavras que a velha lhe havia ensinado. A mesa cobria-se de uma
toalha branca, e sobre ela apareciam pratos garfos, facas, colheres, pão, vinho
e comidas excelentemente feitas.
Quando parava nas estalagens, pedia
apenas um quarto para dormir, e só pagava a cama.
Uma noite, na última hospedaria em
que devia pernoitar, estava no quarto, falando à mesa.
O dono do hotel espreitava-o pelo
buraco da fechadura, e vendo o milagre operado pelo jovem moleiro, resolveu
roubar-lhe o precioso móvel.
No dia seguinte, pela manhã,
substituiu-o por outro igual.
Jorge partiu, sem desconfiar
daquela traição, e assim que chegou à casa paterna, exclamou:
— Ah! de hoje em diante vosmecês não precisam mais trabalhar e não têm que recear a fome. Eis aqui um móvel que há de prover a todas as nossas necessidades. Olhem, meus pais. E dirigindo-se à mesinha, falou: “Pequena mesinha, cobre-te...”
Mas, em vão repetiu a ordem, duas e
três vezes. A mesa nada produzia.
— Ai meu pobre Jorge! — disse seu
pai, — se foi só isso tudo quanto ganhaste durante todo o tempo em que estiveste
fora de nós, lastimo-te sinceramente; e, para reparar o tempo perdido, farás
bem em trabalhar aqui, com toda a atividade.
Jorge baixou a cabeça, confuso.
Contudo recordava-se perfeitamente
das boas refeições que a mesa lhe proporcionara, e não podia compreender como
ela se tornara estéril do dia para a noite.
***
Entretanto, seu irmão Isidoro, que
era sapateiro, quis também viajar.
Passou pela mesma floresta,
encontrou-se com a mesma velhinha, que lhe deu trabalho, e conservou-o em casa
durante muitos meses.
Depois disse-lhe:
— Durante todo esse tempo
trabalhaste bem e te portaste excelentemente. Vou, porém, despedir-te, pois os
teus serviços não me são mais precisos. Não tenho dinheiro para te pagar, mas
far-te-ei um presente que valerá mais do que muitos sacos de dinheiro. Dou-te este
burro... Todas as vezes que lhe disseres: “Meu burrinho, sacode-te...” verás
cair as moedas que te forem necessárias.
Isidoro bem depressa certificou-se
de que era exato o que a velha dizia.
Pronunciou as palavras ensinadas, e
viu o burrinho... deitar moedas de ouro, belas e novas.
— Que alegria! — exclamou ele,
eis-me mais rico, possuindo este animal, do que o fidalgo lá da aldeia com
todos os seus castelos e terras!
Infelizmente, ao regressar para o
seu país, teve de pernoitar, na mesma hospedaria em que seu irmão havia passado
a noite.
Ai fez-se servir de uma boa ceia, e
quando o hospedeiro lhe apresentou a nota da despesa, disse-lhe:
— Faça o favor de esperar, que vou
buscar o dinheiro.
Apanhou um guardanapo, dirigiu-se à
estrebaria, estendeu-o no chão, e falou ao burro:
— Meu burrinho, sacode-te!...
O pérfido estalajadeiro espiava-o
por uma fresta, e no dia seguinte, quando o sapateirozinho partiu, levava em
verdade um animal, mas não era o que lhe havia dado a velhinha da floresta.
Aquele, trocara-o ele; e Isidoro,
que não tinha a ideia do embuste, chegou alegremente à casa de seus pais.
Ai, disse-lhe:
— Agora, vosmecês não têm mais
necessidades de trabalhar. Estamos fabulosamente ricos!
E dirigindo-se ao animal:
— Meu burrinho, sacode-te!...
Mas foi em vão repetiu a ordem uma
porção de vezes. O animal nem uma só moeda... deitou.
Então o pai exclamou:
— Ah! meu filho, se só possuis este
animalzinho, não tens remédio senão trabalhar muito para ganhar a vida.
Isidoro seguiu obedientemente aquele
conselho.
***
No ano seguinte, Felix, que havia
aprendido o ofício de carpinteiro, quis também viajar.
Seguiu pelo mesmo caminho que os
seus dois irmãos haviam trilhado, entrou na mesma floresta, e encontrou a mesma
velha que os contratou.
O jovem operário trabalhou aí
durante muitos meses.
Depois a velha disse-lhe um dia!
— És trabalhador, honesto e
diligente. Entretanto, força é que nos separemos, porque não tenho mais
necessidade de teus serviços. Queria também dar-te um bom presente, mas de que
te servirá ele, se és capaz de fazer o mesmo que os teus irmãos não sabendo
guardar o que lhes dei! Toma, pois, este saco. Dentro dele está um cacete. Quando
tiveres necessidade, basta gritar: “cacete, à obra!...” Ele defender-te-á, até
que lhe digas: “Entra no saco!”
O carpinteiro agradeceu
delicadamente, e voltou para a casa paterna.
Durante a viagem reconheceu de
quanto lhe valiam os serviços do caeté, todas as vezes que encontrava cães que
o perseguiam, ou pessoas que o queriam assaltar.
Uma tarde chegou à mesma hospedagem
onde os seus irmãos tinham sido indignamente traídos e roubados.
Depois da ceia disse ao dono da
hospedaria:
— Confio-vos este saco, e peço que
o guardeis em lugar seguro até amanhã. Recomendo-vos, porém, que não ponhais a
mão nele, pois que se lhe disserdes: “Cacete, à obra!” vê-lo-eis executar
coisas extraordinárias.
O ladrão do estalajadeiro, que
roubara a mesa do moleiro e o burro do sapateiro, pensou que se tratava ainda
de algum tesouro maravilhoso, e quis apoderar-se dele.
Achando-se sozinho, exclamou:
— Cacete, à obra!
O pau, forte e rijo, saiu logo do
saco, e começou a lhe mandar as costas, a cabeça, os ombros, as pernas, todo o
corpo, em suma.
O estalajadeiro quis falar, mas o
pau acompanhava-o sempre, sem que pudesse evitá-lo.
— Socorro!... socorro!... — gritava
o desgraçado, ensanguentado e ferido, não podendo mais suportar aquele
suplício.
O jovem carpinteiro aproximou-se
dele:
— Foi bem feito, e tu mereces esta
sova. Roubaste a mesa de um dos meus irmãos, e o burro do outro. Agora queres
roubar a minha arma.
— Piedade!... Piedade!... — berrava
o estalajadeiro apanhando sempre. — Restituir-te-ei tudo quanto roubei a teus
irmãos, mas livra-me desta tortura!...
Félix fez com que o pau entrasse
novamente no saco, retomou a mesa e o animal, e voltou para casa.
Ai receberam-no com imensa alegria,
e viveram felizes, e ricos, sempre muito estimados, devido aos três presentes
da velhinha da floresta, que era uma boa fada.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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