Xisto era pescador e tinha cinco
filhos, Luísa, Maria, Leonor, Margarida e Guilherme. Apesar de pobres, tendo
que sustentar tanta gente, ele e Ana, sua esposa, viviam felizes. O produto da
pesca dava o suficiente para viverem com economia, nada devendo a pessoa
alguma.
Mas o peixe ia rareando cada vez
mais e a miséria batia à porta, tendo já forçados a vender os móveis, da sua
choupanazinha, para não morrerem de fome.
Uma tarde, à hora do crepúsculo,
depois de haver lançado as redes ao mar, repetidas vezes, durante o dia
inteiro, desde a madrugada, voltava para casa, desanimado e triste, pensando na
fome de seus filhos, sem ter apanhado um único peixe. Remava melancolicamente
na sua canoinha, quando viu um grande peixe, nadando a tona d'água, e ouviu-o
dizer:
— Posso fazer com que tenhas peixe
suficiente para encher toda essa canoa, se prometeres que me entregarás a
primeira coisa ou pessoa que chegar à casa. Prometes?...
— Prometo! — replicou Xisto,
lembrando-se que era sempre Mimosa, uma cachorrinha felpuda, que lhe aparecia,
quando chegava, fazendo-lhe festas e ganindo de contentamento.
— Pois, então, lança outra vez a rede.
O peixe mergulhou, e Xisto
obedeceu. A rede veio cheia de tainhas, robalos, badejotes, cavalas e outros
peixes que lhe encheram a embarcação.
Remou satisfeitíssimo, foi vender o
peixe, e voltou endinheirado. Mas a alegria transformou-se em tristeza, quando
ao se aproximar de casa, em vez de Mimosa, viu Luísa a sua filha mais velha,
que o esperava.
O pescador desesperou, e contou à
família o que havia sucedido. Luísa, porém, consolou-o, dizendo que iria para a
casa do peixe, embora soubesse que morreria.
***
No dia seguinte, o mar encheu, e
chegou até à porta da cabana. O Rei dos Peixes vinha buscar Luísa, numa grande
concha de madrepérola, puxada por golfinhos.
A moça despediu-se da família, que
chorava tristemente, e embarcou na concha. O mar foi recuando, ao passo que o
cortejo se afastava, e voltou ao primeiro limite.
Desde aquele nefasto dia, Xisto,
não quis mais ser pescador, tendo comprado uma espingarda, foi caçar
passarinhos na floresta.
Durante seis meses caçou com grande
felicidade.
Mas chegando o inverno, despidas as
árvores das folhas, nem uma só ave existia no mato. Outra vez sentia fome, e
raro era o pássaro que conseguia matar.
Veio finalmente a miséria, e Xisto
saiu outra vez para o bosque, levando a espingarda. De vez em quando via um
pássaro, fazia fogo, mas errava a pontaria. Terminado o chumbo e a pólvora, sem
ter morto um único passarinho, tomou o caminho de casa. No meio da mata
avistou, numa árvore desgalhada, uma grande e bela ave, de espécie desconhecida
para ele. Ficou desesperado, por não ter munições, quando o pássaro falou:
— Não te desoles. Posso fazer com
que tenhas todos os pássaros que quiseres, com a condição de me entregares a
primeira coisa ou pessoa que te aparecer, quando chegares à casa.
Xisto, que estava um pouco
esquecido da primeira promessa feita ao Rei dos Peixes; que tinha fome naquela
ocasião; e lembrando-se que a cadelinha Mimosa era sempre quem lhe aparecia
falou:
— Prometo!
— Então, atira!
— Mas... não tenho chumbo, nem vejo
passarinhos...
— Não faz mal: atira assim mesmo.
O caçador levou a arma à cara,
puxou o gatilho. Ouviu-se um tiro, e ele viu no chão aves de todos os tamanhos
e espécies.
Levou-as para casa, entrando pela
porta dos fundos. Foi a sua desgraça, porque avistou Maria, sua segunda filha,
recolhendo a roupa. Ficou desolado com aquilo, mas não teve remédio senão
entregá-la ao Rei das Aves que veio buscá-la, numa rede de penas, que
passarinhos seguravam pelo bico.
Tempos depois, tendo deixado de
passarinhar, para ser caçador de pacas, tatus, cotias, lagartos, sucedeu-lhe
com o Rei dos Animais a mesma aventura que lhe havia acontecido com os
soberanos dos Peixes e das Aves. A sacrificada dessa vez, foi Leonor, que os
animais conduziram.
Ficaram apenas Margarida e
Guilherme. E Xisto, não querendo mais pescar, nem caçar, foi ser lavrador,
cultivando um pequeno sítio, plantando café, cana, feijão, mandioca, milho e
batatas que davam para a família viver.
***
Havia no país em que Xisto vivia,
um gigante que era o terror de todos, pela sua ferocidade, alimentando-se de
carne humana.
Um dia achava-se Margarida sozinha
em casa, quando o gigante Ferraguz entrou, e raptou-a, apesar das suas súplicas
e gritos.
Guilherme, que já tinha dezesseis
anos, protestou vingar o rapto da irmã, saiu de casa em procura de um meio
qualquer para conseguir o seu fim.
No meio de uma estrala deserta
encontrou um velho mendigo, de longas barbas brancas e cabeça calva, que jazia
no chão, morto de fome. Guilherme, como tinha bom coração, levantou-o, repartiu
com ele a comida, e só se despediu quando o viu de todo restabelecido.
O velhinho, querendo mostrar-lhe
gratidão, ofereceu-lhe um chapéu e uma capa. O chapéu, tinha a virtude de
tornar invisível toda a pessoa que o pusesse na cabeça: e a capa, a de
transportar para qualquer ponto da terra quem com ela se enrolasse.
Guilherme agradeceu-lhe; e,
satisfeito com o presente, envolveu-se no manto, ordenando:
— Transporta-me ao palácio do
gigante que roubou Margarida.
E apareceu no quarto onde se achava
sua irmã.
A menina contou-lhe que Ferraguz a
perseguia, querendo casar-se com ela, e chorou. Mas o rapaz consolou-a, e
disse-lhe que fingisse extremosa, perguntando-lhe onde é que estava a vida dele.
Quando o gigante chegou, Guilherme
pôs o chapéu na cabeça, e ficou invisível.
Margarida recebeu o antropófago amavelmente,
e ele entusiasmou-se, julgando tê-la conquistado. Deitou-se no colo da
rapariga, para que lhe coçasse a cabeça. Margarida, vendo-o em tão boas
disposições de espírito, perguntou-lhe, entre outras coisas:
— Diga-me, Ferraguz, por que é que
o senhor não morre!... Onde está a sua vida?!...
Ferraguz, pôs-se a rir, e disse:
— Ah! a minha vida está bem segura.
Imagine você que existe uma caixa de ferro no fundo do mar; dentro dessa caixa
existe um porco; dentro do porco há uma pomba; dentro da pomba há um ovo, e
dentro do ovo uma velinha acesa. Quem quiser matar-me, é preciso ir arrombar a
caixa; matar o porco; matar a pomba, quebrar o ovo e apagar a vela. Já vê você
que nunca morrerei...
Conversaram algum tempo ainda, e o
gigante adormeceu finalmente.
Então, Guilherme apareceu,
despediu-se da irmã e, embrulhando-se no manto, ordenou que o transportasse ao
Reino dos Peixes, e lá chegou.
Quando o Rei dos Peies soube o que
o cunhado queria, ordenou que lhe trouxessem a caixa de ferro. Todos os
habitantes do mar foram procurá-la. Duas horas depois Guilherme achava-se em
casa. Aí arrombou a caixa de ferro, tendo contado aos pais as suas aventuras. Mas,
apenas arrancou a tampa, saiu do interior um grande porco, que o lançou ao
chão, sem que o esperasse, embrenhando-se pela floresta.
No outro dia o rapaz, novamente
envolvendo-se na capa, apareceu em casa do Rei dos Animais, casado com Leonor.
Expôs-lhe o que pretendia, e todos os bichos foram encarregados de procurar o
porco. O macaco achou-o, e levou-o amarrado.
Guilherme, assim que o teve em seu
poder, matou-o e abriu-lhe a barriga. Por mais precauções que tivesse, o moço
não pode evitar que a pombinha fugisse, batendo as asas.
O mancebo sabia, porém, como havia
de apanhá-la Para esse fim dirigiu-se a Maria, esposa do Rei das Aves. A águia
depois de procurar muito tempo encontrou finalmente a pombinha, que Guilherme
matou, tirando o ovo de dentro.
Desde o instante em que Guilherme
começou a arrombar o caixão de ferro, o gigante Ferraguz adoeceu gravemente.
Quando matou o porco, a doença
aumentou consideravelmente, até que não houve mais esperanças, depois da morte
da pombinha.
De posse do ovo, Guilherme
dirigiu-se para o palácio do antropófago, e sem usar do chapéu apresentou-se a ele.
Ferraguz ao vê-lo com o ovo, compreendeu tudo, e quis avançar para o moço, que,
quebrando a casca, tirou a velinha de dentro, e apagou-a Ferraguz expirou.
No mesmo instante os Reis das Aves,
dos Peixes e dos Animais, que eram três príncipes, encantados, pelas bruxarias
do gigante, e cujo encanto só devia terminar com a sua morte, voltaram à forma
primitiva, e bem assim os seus palácios e vassalos.
Luísa, Maria, Leonor e Margarida
viveram felizes, cada qual estimando mais Guilherme, a quem fizeram riquíssimo,
bem como a seus velhos pais.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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