5/05/2025

A vida do gigante (Conto), de Figueiredo Pimentel


A VIDA DO GIGANTE

Xisto era pescador e tinha cinco filhos, Luísa, Maria, Leonor, Margarida e Guilherme. Apesar de pobres, tendo que sustentar tanta gente, ele e Ana, sua esposa, viviam felizes. O produto da pesca dava o suficiente para viverem com economia, nada devendo a pessoa alguma.

Mas o peixe ia rareando cada vez mais e a miséria batia à porta, tendo já forçados a vender os móveis, da sua choupanazinha, para não morrerem de fome.

Uma tarde, à hora do crepúsculo, depois de haver lançado as redes ao mar, repetidas vezes, durante o dia inteiro, desde a madrugada, voltava para casa, desanimado e triste, pensando na fome de seus filhos, sem ter apanhado um único peixe. Remava melancolicamente na sua canoinha, quando viu um grande peixe, nadando a tona d'água, e ouviu-o dizer:

— Posso fazer com que tenhas peixe suficiente para encher toda essa canoa, se prometeres que me entregarás a primeira coisa ou pessoa que chegar à casa. Prometes?...

— Prometo! — replicou Xisto, lembrando-se que era sempre Mimosa, uma cachorrinha felpuda, que lhe aparecia, quando chegava, fazendo-lhe festas e ganindo de contentamento.

— Pois, então, lança outra vez a rede.

O peixe mergulhou, e Xisto obedeceu. A rede veio cheia de tainhas, robalos, badejotes, cavalas e outros peixes que lhe encheram a embarcação.

Remou satisfeitíssimo, foi vender o peixe, e voltou endinheirado. Mas a alegria transformou-se em tristeza, quando ao se aproximar de casa, em vez de Mimosa, viu Luísa a sua filha mais velha, que o esperava.

O pescador desesperou, e contou à família o que havia sucedido. Luísa, porém, consolou-o, dizendo que iria para a casa do peixe, embora soubesse que morreria.

***

No dia seguinte, o mar encheu, e chegou até à porta da cabana. O Rei dos Peixes vinha buscar Luísa, numa grande concha de madrepérola, puxada por golfinhos.

A moça despediu-se da família, que chorava tristemente, e embarcou na concha. O mar foi recuando, ao passo que o cortejo se afastava, e voltou ao primeiro limite.

Desde aquele nefasto dia, Xisto, não quis mais ser pescador, tendo comprado uma espingarda, foi caçar passarinhos na floresta.

Durante seis meses caçou com grande felicidade.

Mas chegando o inverno, despidas as árvores das folhas, nem uma só ave existia no mato. Outra vez sentia fome, e raro era o pássaro que conseguia matar.

Veio finalmente a miséria, e Xisto saiu outra vez para o bosque, levando a espingarda. De vez em quando via um pássaro, fazia fogo, mas errava a pontaria. Terminado o chumbo e a pólvora, sem ter morto um único passarinho, tomou o caminho de casa. No meio da mata avistou, numa árvore desgalhada, uma grande e bela ave, de espécie desconhecida para ele. Ficou desesperado, por não ter munições, quando o pássaro falou:

— Não te desoles. Posso fazer com que tenhas todos os pássaros que quiseres, com a condição de me entregares a primeira coisa ou pessoa que te aparecer, quando chegares à casa.

Xisto, que estava um pouco esquecido da primeira promessa feita ao Rei dos Peixes; que tinha fome naquela ocasião; e lembrando-se que a cadelinha Mimosa era sempre quem lhe aparecia falou:

— Prometo!

— Então, atira!

— Mas... não tenho chumbo, nem vejo passarinhos...

— Não faz mal: atira assim mesmo.

O caçador levou a arma à cara, puxou o gatilho. Ouviu-se um tiro, e ele viu no chão aves de todos os tamanhos e espécies.

Levou-as para casa, entrando pela porta dos fundos. Foi a sua desgraça, porque avistou Maria, sua segunda filha, recolhendo a roupa. Ficou desolado com aquilo, mas não teve remédio senão entregá-la ao Rei das Aves que veio buscá-la, numa rede de penas, que passarinhos seguravam pelo bico.

Tempos depois, tendo deixado de passarinhar, para ser caçador de pacas, tatus, cotias, lagartos, sucedeu-lhe com o Rei dos Animais a mesma aventura que lhe havia acontecido com os soberanos dos Peixes e das Aves. A sacrificada dessa vez, foi Leonor, que os animais conduziram.

Ficaram apenas Margarida e Guilherme. E Xisto, não querendo mais pescar, nem caçar, foi ser lavrador, cultivando um pequeno sítio, plantando café, cana, feijão, mandioca, milho e batatas que davam para a família viver.

***

Havia no país em que Xisto vivia, um gigante que era o terror de todos, pela sua ferocidade, alimentando-se de carne humana.

Um dia achava-se Margarida sozinha em casa, quando o gigante Ferraguz entrou, e raptou-a, apesar das suas súplicas e gritos.

Guilherme, que já tinha dezesseis anos, protestou vingar o rapto da irmã, saiu de casa em procura de um meio qualquer para conseguir o seu fim.

No meio de uma estrala deserta encontrou um velho mendigo, de longas barbas brancas e cabeça calva, que jazia no chão, morto de fome. Guilherme, como tinha bom coração, levantou-o, repartiu com ele a comida, e só se despediu quando o viu de todo restabelecido.

O velhinho, querendo mostrar-lhe gratidão, ofereceu-lhe um chapéu e uma capa. O chapéu, tinha a virtude de tornar invisível toda a pessoa que o pusesse na cabeça: e a capa, a de transportar para qualquer ponto da terra quem com ela se enrolasse.

Guilherme agradeceu-lhe; e, satisfeito com o presente, envolveu-se no manto, ordenando:

— Transporta-me ao palácio do gigante que roubou Margarida.

E apareceu no quarto onde se achava sua irmã.

A menina contou-lhe que Ferraguz a perseguia, querendo casar-se com ela, e chorou. Mas o rapaz consolou-a, e disse-lhe que fingisse extremosa, perguntando-lhe onde é que estava a vida dele.

Quando o gigante chegou, Guilherme pôs o chapéu na cabeça, e ficou invisível.

Margarida recebeu o antropófago amavelmente, e ele entusiasmou-se, julgando tê-la conquistado. Deitou-se no colo da rapariga, para que lhe coçasse a cabeça. Margarida, vendo-o em tão boas disposições de espírito, perguntou-lhe, entre outras coisas:

— Diga-me, Ferraguz, por que é que o senhor não morre!... Onde está a sua vida?!...

Ferraguz, pôs-se a rir, e disse:

— Ah! a minha vida está bem segura. Imagine você que existe uma caixa de ferro no fundo do mar; dentro dessa caixa existe um porco; dentro do porco há uma pomba; dentro da pomba há um ovo, e dentro do ovo uma velinha acesa. Quem quiser matar-me, é preciso ir arrombar a caixa; matar o porco; matar a pomba, quebrar o ovo e apagar a vela. Já vê você que nunca morrerei...

Conversaram algum tempo ainda, e o gigante adormeceu finalmente.

Então, Guilherme apareceu, despediu-se da irmã e, embrulhando-se no manto, ordenou que o transportasse ao Reino dos Peixes, e lá chegou.

Quando o Rei dos Peies soube o que o cunhado queria, ordenou que lhe trouxessem a caixa de ferro. Todos os habitantes do mar foram procurá-la. Duas horas depois Guilherme achava-se em casa. Aí arrombou a caixa de ferro, tendo contado aos pais as suas aventuras. Mas, apenas arrancou a tampa, saiu do interior um grande porco, que o lançou ao chão, sem que o esperasse, embrenhando-se pela floresta.

No outro dia o rapaz, novamente envolvendo-se na capa, apareceu em casa do Rei dos Animais, casado com Leonor. Expôs-lhe o que pretendia, e todos os bichos foram encarregados de procurar o porco. O macaco achou-o, e levou-o amarrado.

Guilherme, assim que o teve em seu poder, matou-o e abriu-lhe a barriga. Por mais precauções que tivesse, o moço não pode evitar que a pombinha fugisse, batendo as asas.

O mancebo sabia, porém, como havia de apanhá-la Para esse fim dirigiu-se a Maria, esposa do Rei das Aves. A águia depois de procurar muito tempo encontrou finalmente a pombinha, que Guilherme matou, tirando o ovo de dentro.

Desde o instante em que Guilherme começou a arrombar o caixão de ferro, o gigante Ferraguz adoeceu gravemente.

Quando matou o porco, a doença aumentou consideravelmente, até que não houve mais esperanças, depois da morte da pombinha.

De posse do ovo, Guilherme dirigiu-se para o palácio do antropófago, e sem usar do chapéu apresentou-se a ele. Ferraguz ao vê-lo com o ovo, compreendeu tudo, e quis avançar para o moço, que, quebrando a casca, tirou a velinha de dentro, e apagou-a Ferraguz expirou.

No mesmo instante os Reis das Aves, dos Peixes e dos Animais, que eram três príncipes, encantados, pelas bruxarias do gigante, e cujo encanto só devia terminar com a sua morte, voltaram à forma primitiva, e bem assim os seus palácios e vassalos.

Luísa, Maria, Leonor e Margarida viveram felizes, cada qual estimando mais Guilherme, a quem fizeram riquíssimo, bem como a seus velhos pais.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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