5/05/2025

Pele de Urso (Conto), de Figueiredo Pimentel


PELE DE URSO

Pedro Bravo foi recrutado para servir no exército, e, durante o tempo que durou a guerra, mostrou-se de uma valentia sem igual. Quando se celebrou a paz, deram-lhe baixa e despediram-no.

Pedro voltou para a aldeia, mas toda a sua família tinha morrido, não encontrando pessoas conhecidas, não tendo quem o socorresse. Como não tinha ofício algum, nem sabia trabalhar, estava reduzido a morrer de fome e caminhou ao acaso, deixando a sua sorte ao Deus dará.

Sentindo-se fatigado, sentou-se à sombra de uma árvore, refletindo na sua desgraçada condição, quando escutou um ruído de passos, e voltando-se viu um homem elegante e ricamente vestido, com um terno de veludo verde bordado a ouro, mas com um pé de pato.

— Sei que precisas de dinheiro, e estou pronto a dar-te quanto queiras, mas quero saber primeiro se não és covarde.

— Ah! isso é fácil experimentar — disse Pedro.

— Pois, então, olha! — retorquiu o desconhecido.

O ex-soldado viu um urso enorme que rugia ameaçadoramente. Mais que depressa levou a espingarda à cara, desfechou um tiro e prostrou-o morto.

— Bem, já vejo que tens coragem. Agora, para seres rico, precisas aceitar as seguintes condições: não poderás tomar banho, cortar os cabelos, a barba e as unhas, nem te penteares, nem mudares de roupa, durante sete anos, em que viverá com a pele deste urso. Se até completar esse tempo morreres, a tua alma pertencer-me-á; se conseguires viver, serás rico.

Pedro, que estava reduzido à mais extrema penúria, e que não sabia como ganhar dinheiro, aceitou.

O diabo, então, esfolou o urso, deu-lhe a pele, e falou:

— Todas as vezes que precisares de dinheiro, põe a mão no bolso, que acharás a quantia necessária.

E desapareceu.

Durante os dois primeiros anos, tudo lhe correu admiravelmente, porque tinha dinheiro, gastando à larga e vivendo como um príncipe. Tinha o que queria, pagando a peso de ouro.

Mas, ao começar o terceiro, a sua figura era repugnante e horrorosa. Todo o mundo fugia dele com medo daquele bicho cabeludo e barbudo, imundo e nojento. Era um verdadeiro animal feroz. Sofria, porém, resignado, fazendo os benefícios que podia, dando esmolas aos necessitados.

No fim do quinto ano, andava viajando e chegou a uma hospedaria. O estalajadeiro não quis recebê-lo, mas tendo ele mostrado uma bolsa cheia de moedas de ouro, consentiu em dar-lhes hospedagem, com a condição de se não mostrar a pessoa alguma.

Pedro Bravo dirigiu-se para o quarto que lhe destinaram. Achava-se deitado, quando no aposento vizinho ouviu soluços, e uma pessoa exclamando aflitivamente:

— Socorrei-me, meu Deus! Livrai minhas filhas da miséria que as espera!...

Pele de Urso abriu a porta da alcova e viu um pobre homem ajoelhado, chorando amargamente.

O homem, assim que o avistou quis fugir, mas Pedro sossegou-o e fê-lo contar a sua história.

Era um honrado negociante, que havia falido. Cheio de dívidas, devia ser preso no dia seguinte, deixando três filhas abandonadas, sujeitas a pedir esmola.

Pele de Urso deu-lhe o dinheiro preciso para pagamento aos credores, e o velho caindo-lhe aos pés murmurou:

— Já que o senhor foi o meu salvador, desejo que conheça minha família. Tenho três filhas, e ofereço-lhe uma delas em casamento.

***

No dia seguinte o comerciante saldou as suas dívidas, e ao cair da noite partiu em companhia do antigo soldado.

Chegando a casa, contou às filhas, Adelaide, Elisa e Cândida, o que tinha sucedido.

As moças, quando viram Pele de Urso, ficaram horrorizadas. Apenas Cândida, sabendo o que havia feito pelo pai, disfarçou a sua repugnância, conversou amavelmente, e aceitou-o por noivo.

No outro dia, Pedro Bravo despediu-se, e disse-lhe:

— Se eu não morrer, voltarei daqui a dois anos, para efetuarmos o nosso casamento...

Quebrou uma aliança de ouro em duas partes, deu uma delas a Cândida e ficou com a outra.

Pele de Urso, durante o resto do tempo que faltava para terminar o pacto feito com o diabo, viveu retirado da sociedade, para não causar repugnância a quem o visse.

No dia em que se completaram os sete anos, Satanás apareceu-lhe e disse-lhe:

— Ganhaste a partida, meu velho. Agora podes lavar-te; de hoje em diante serás rico.

Quis partir.

— Espera! Agora tens que me fazer a barba, me cortar os cabelos e as unhas, me dar um banho, e me arranjar roupa.

O Diabo foi obrigado a fazer tudo aquilo, e no fim de uma hora Pedro Bravo era um homem bonito, elegante, admiravelmente vestido.

***

Saindo dali, o ex-soldado dirigiu-se à cidade em que morava sua noiva, comprou um palácio, mobiliou-o convenientemente, e tomando um carro, encaminhou-se para a casa do negociante a quem havia salvo.

Encontrou as moças sozinhas. Adelaide e Elisa, assim que viram aquele homem tão bem trajado, numa carruagem deslumbrante, correram para o quarto e foram se vestir.

Cândida trajava rigoroso luto, e Pedro Bravo, sem se dar a conhecer, perguntou-lhe porque estava triste.

A rapariga narrou-lhe o que tinha sucedido dois anos antes com o pai, e disse pensar que o noivo já houvesse morrido, pois nunca dera notícias de si.

Então o moço apresentou-lhe a outra parte da aliança, contando-Ire a sua história. As duas irmãs vieram para a sala, meia hora depois, e desapontaram ao saberem quem era o visitante.

Pedro Bravo e Cândida casaram-se um mês mais tarde, associando-se o genro com o sogro, e tornando-se negociantes riquíssimos.

***

Na manhã seguinte ao casamento, o noivo foi procurado por um cavalheiro. Era Satanás, que lhe disse:

— Perdi a tua alma, Pedro, é verdade; mas ganhei duas outras as de tuas cunhadas Adelaide e Elisa.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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