Pedro Bravo foi recrutado para
servir no exército, e, durante o tempo que durou a guerra, mostrou-se de uma
valentia sem igual. Quando se celebrou a paz, deram-lhe baixa e despediram-no.
Pedro voltou para a aldeia, mas
toda a sua família tinha morrido, não encontrando pessoas conhecidas, não tendo
quem o socorresse. Como não tinha ofício algum, nem sabia trabalhar, estava
reduzido a morrer de fome e caminhou ao acaso, deixando a sua sorte ao Deus
dará.
Sentindo-se fatigado, sentou-se à
sombra de uma árvore, refletindo na sua desgraçada condição, quando escutou um
ruído de passos, e voltando-se viu um homem elegante e ricamente vestido, com
um terno de veludo verde bordado a ouro, mas com um pé de pato.
— Sei que precisas de dinheiro, e
estou pronto a dar-te quanto queiras, mas quero saber primeiro se não és
covarde.
— Ah! isso é fácil experimentar — disse
Pedro.
— Pois, então, olha! — retorquiu o
desconhecido.
O ex-soldado viu um urso enorme que
rugia ameaçadoramente. Mais que depressa levou a espingarda à cara, desfechou
um tiro e prostrou-o morto.
— Bem, já vejo que tens coragem.
Agora, para seres rico, precisas aceitar as seguintes condições: não poderás
tomar banho, cortar os cabelos, a barba e as unhas, nem te penteares, nem mudares
de roupa, durante sete anos, em que viverá com a pele deste urso. Se até
completar esse tempo morreres, a tua alma pertencer-me-á; se conseguires viver,
serás rico.
Pedro, que estava reduzido à mais
extrema penúria, e que não sabia como ganhar dinheiro, aceitou.
O diabo, então, esfolou o urso,
deu-lhe a pele, e falou:
— Todas as vezes que precisares de
dinheiro, põe a mão no bolso, que acharás a quantia necessária.
E desapareceu.
Durante os dois primeiros anos,
tudo lhe correu admiravelmente, porque tinha dinheiro, gastando à larga e
vivendo como um príncipe. Tinha o que queria, pagando a peso de ouro.
Mas, ao começar o terceiro, a sua
figura era repugnante e horrorosa. Todo o mundo fugia dele com medo daquele
bicho cabeludo e barbudo, imundo e nojento. Era um verdadeiro animal feroz.
Sofria, porém, resignado, fazendo os benefícios que podia, dando esmolas aos
necessitados.
No fim do quinto ano, andava
viajando e chegou a uma hospedaria. O estalajadeiro não quis recebê-lo, mas
tendo ele mostrado uma bolsa cheia de moedas de ouro, consentiu em dar-lhes
hospedagem, com a condição de se não mostrar a pessoa alguma.
Pedro Bravo dirigiu-se para o
quarto que lhe destinaram. Achava-se deitado, quando no aposento vizinho ouviu
soluços, e uma pessoa exclamando aflitivamente:
— Socorrei-me, meu Deus! Livrai minhas
filhas da miséria que as espera!...
Pele de Urso abriu a porta da alcova
e viu um pobre homem ajoelhado, chorando amargamente.
O homem, assim que o avistou quis
fugir, mas Pedro sossegou-o e fê-lo contar a sua história.
Era um honrado negociante, que
havia falido. Cheio de dívidas, devia ser preso no dia seguinte, deixando três
filhas abandonadas, sujeitas a pedir esmola.
Pele de Urso deu-lhe o dinheiro
preciso para pagamento aos credores, e o velho caindo-lhe aos pés murmurou:
— Já que o senhor foi o meu
salvador, desejo que conheça minha família. Tenho três filhas, e ofereço-lhe
uma delas em casamento.
***
No dia seguinte o comerciante
saldou as suas dívidas, e ao cair da noite partiu em companhia do antigo
soldado.
Chegando a casa, contou às filhas,
Adelaide, Elisa e Cândida, o que tinha sucedido.
As moças, quando viram Pele de
Urso, ficaram horrorizadas. Apenas Cândida, sabendo o que havia feito pelo pai,
disfarçou a sua repugnância, conversou amavelmente, e aceitou-o por noivo.
No outro dia, Pedro Bravo
despediu-se, e disse-lhe:
— Se eu não morrer, voltarei daqui
a dois anos, para efetuarmos o nosso casamento...
Quebrou uma aliança de ouro em duas
partes, deu uma delas a Cândida e ficou com a outra.
Pele de Urso, durante o resto do
tempo que faltava para terminar o pacto feito com o diabo, viveu retirado da
sociedade, para não causar repugnância a quem o visse.
No dia em que se completaram os
sete anos, Satanás apareceu-lhe e disse-lhe:
— Ganhaste a partida, meu velho.
Agora podes lavar-te; de hoje em diante serás rico.
Quis partir.
— Espera! Agora tens que me fazer a
barba, me cortar os cabelos e as unhas, me dar um banho, e me arranjar roupa.
O Diabo foi obrigado a fazer tudo
aquilo, e no fim de uma hora Pedro Bravo era um homem bonito, elegante, admiravelmente
vestido.
***
Saindo dali, o ex-soldado
dirigiu-se à cidade em que morava sua noiva, comprou um palácio, mobiliou-o
convenientemente, e tomando um carro, encaminhou-se para a casa do negociante a
quem havia salvo.
Encontrou as moças sozinhas.
Adelaide e Elisa, assim que viram aquele homem tão bem trajado, numa carruagem
deslumbrante, correram para o quarto e foram se vestir.
Cândida trajava rigoroso luto, e
Pedro Bravo, sem se dar a conhecer, perguntou-lhe porque estava triste.
A rapariga narrou-lhe o que tinha
sucedido dois anos antes com o pai, e disse pensar que o noivo já houvesse
morrido, pois nunca dera notícias de si.
Então o moço apresentou-lhe a outra
parte da aliança, contando-Ire a sua história. As duas irmãs vieram para a
sala, meia hora depois, e desapontaram ao saberem quem era o visitante.
Pedro Bravo e Cândida casaram-se um
mês mais tarde, associando-se o genro com o sogro, e tornando-se negociantes
riquíssimos.
***
Na manhã seguinte ao casamento, o
noivo foi procurado por um cavalheiro. Era Satanás, que lhe disse:
— Perdi a tua alma, Pedro, é
verdade; mas ganhei duas outras as de tuas cunhadas Adelaide e Elisa.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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