5/05/2025

As três maravilhas (Conto), de Figueiredo Pimentel


AS TRÊS MARAVILHAS

No antigo reino da Pérsia, há muitos séculos, houve três irmãos — dois rapazes e uma formosa jovem — que se amavam extremosamente.

Eram ricos, viviam na abastança, e nada lhes faltava para passarem a vida calma e folgadamente, habitando uma deslumbrante casa de campo, algumas léguas retiradas da capital.

Uma tarde, achava-se Nadir sentada num dos bancos do jardim, esperando o regresso de Carlos e Olímpio, que estavam caçando, quando bateu à porta uma velha mendiga. Dotada de excelente coração, caritativa, a mocinha fê-la entrar, deu-lhe comida e algum dinheiro.

A pobre, depois de satisfeita, pediu-lhe permissão para percorrer a casa. Nadir acompanhou-a, mostrando-lhe todos os aposentos luxuosamente mobiliados; o pomar cheio de árvores frutíferas; o viveiro de pássaros raros; o aquário com peixes vindos da várias partes; o lago, onde patos, gansos, marrecos e outras aves se banhavam; o jardim, plantado das mais lindas flores; todas as dependências da chácara, em suma.

A mendiga elogiou a elegante e confortável vivenda e, ao despedir-se, disse:

— Já que a senhora se mostrou tão boa para mim, devo dizer uma coisa. Sei que é feliz e nada mais deseja. Mas, para ser completa a sua felicidade a de seus irmãos, esta casa precisa ter as três maravilhas do mundo, que são: o pássaro que fala; a árvore que canta e a água de ouro. Esses três prodígios existem nos confins do reino, longe, muito longe.

A velha despediu-se. Nadir ficou cismando na revelação que acabava de saber, entristecida, recordando-se que ainda podia ser mais venturosa, do que era. Deixou-se ficar no mesmo lugar, até a hora em que os irmãos voltaram.

Carlos e Olímpio, apeando dos cavalos, ao abraçarem-na, repararam na sua tristeza desacostumada e indagaram o motivo. Nadir contou-lhes a visita e a conversa que tivera com a mendiga.

Os dois rapazes amavam tanto a irmãzinha, que resolveram partir à conquista das três maravilhas.

Carlos, o mais velho, preparou-se para a arriscada expedição, e, para sossegar quanto ao seu destino, durante o tempo que devia durar a viagem, entregou à irmã um punhal, dizendo-lhe:

— A lâmina dessa arma é brilhante e polida e assim se conservará enquanto eu tiver vida e saúde. Quando aparecer manchada de sangue, então rezem por mim, porque infalivelmente deverei estar morto.

Abraçou Nadir e Olímpio, e partiu cavalgando o seu melhor cavalo.

Carlos seguiu, pela larga estrada que cortava o reino da Pérsia, de norte a sul.

Ao cabo do vigésimo dia de jornada, encontrou um velho sentado à beira do caminho. Era a primeira pessoa que via. Vendo que não devia estar longe do termo da expedição, inquiriu do roteiro que devia seguir até chegar o pássaro que fala a árvore que canta e a água de ouro.

— O caminho é fácil; não tem mais do que seguir sempre em frente, até o sopé daquele elevado monte, que daqui se descortina. Aí chegando, apeie-se, e continue a marchar a pé, subindo a ladeira até o cume da montanha, onde encontrará os extraordinários objetos que busca. Devo, porém, advertir-lhe que encontrará a ladeira semeada de pedras pretas. Quando o senhor começar a subir, ouvirá palavras obscenas, injúrias, insultos, gritos... Livre-se de olhar para trás, pois, se assim o fizer, imediatamente será transformado numa pedra preta semelhante às outras — que são outros tantos moços, aventurosos como o senhor.

Carlos agradeceu ao velhinho, e esporeando o animal, caminhou novamente. Poucas horas depois atingiu a raiz da serra, e tendo amarrado o cavalo, principiou a galgar o morro.

Mal havia dado os primeiros passos, escutou grande algazarra vinda de todos os lados vozes confusas que gritavam estentoricamente:

— Onde vai este louco?... Onde vai?... Que quer ele?... Não o deixem passar!...

— Agarrem-no! prendam-no! matem-no!

— Ladrão! assassino!

O rapaz, acreditando que eram na verdade pessoas que falavam, e vinham no seu encalço, esqueceu as recomendações do mendigo, voltou-se para vê-las, e no mesmo instante foi transformado em pedra.

***

Depois da partida de seu irmão, não se passava dia sem que Nadir deixasse de ir ver o punhal.

Sentia-se contente por saber que Carlos estava bom, naturalmente prosseguindo na execução da sua empresa, com excelente êxito.

Na manhã do vigésimo dia, viu a lâmina tinta de sangue. Não duvidou da morte do moço, e cobriu-se de luto.

Olímpio, depois de chorar com ela a morte do irmão, resolveu ir m busca do pássaro que fala, da árvore que canta e da água de ouro.

Nadir objetou-lhe que, se morresse, ela ficaria sozinha no mundo desamparada apesar de ser rica e animosa.

Olímpio, entretanto, não acedeu aos seus pedidos, e montou a cavalo.

Para que a menina soubesse notícias suas, entregou-lhe uma roseira, que tinha a virtude de florescer, enquanto ele estivesse com vida, e murchar no mesmo momento em que morresse.

Sucedeu ao segundo irmão, tudo quanto aconteceu a Carlos. Encontrou o mesmo velho que lhe fez as mesmas objeções que fazia a todos e aconselhou-o da mesma forma que aconselhava sempre.

Olímpio, não se deixou persuadir, e encaminhou-se para a montanha, cuja ladeira galgou com passo firme, sem recear o ruído de vozes que distinguia, sabendo que eram invisíveis, ocultas, sobrenaturais, e que não lhe podiam fazer mal algum.

Já estava em meio, longe da última pedra negra, sempre acompanhado pela grande algazarra de insultos, quando ouviu distintamente atrás de si uma pessoa gritar-lhe perto do ouvido:

— Estás com medo?! Vai fugindo, cão?!...

Animoso, nunca tendo ouvido injúrias repelindo sempre qualquer desaforo o moço perdeu a cabeça, puxando da espada, voltou-se para ver quem o injuriava. Imediatamente foi transformado em pedra.

***

Nadir, na sua elegante chácara, não receava pela sorte de Olímpio, porque a roseira plantada num dos canteiros do jardim floria viçosamente, verdejante, cheia de flores.

Mas, no dia seguinte àquele em que o seu segundo irmão foi vítima do encanto da montanha, ao despertar, pela madrugada, viu o pobre arbusto murcho, fenecido, seco. Olímpio também morrera.

Foi grande a desolação da menina, que se via sozinha no mundo, sem seus extremosos irmãos. Por isso resolveu ir procurá-los, recolher-lhes os corpos e conquistar o pássaro que fala, a árvore que canta e a água de ouro.

Depois de providenciar sobre a sua casa e bens, vestiu-se de homem, e cavalgando uma formosa égua de raça seguiu viagem, acompanhando as pegadas dos seus irmãos, segundo as notícias e informações que ia colhendo.

Chegou finalmente ao sítio onde vivia o velhinho e soube por ele de tudo quanto queria. Tornou a montar a cavalo e chegou à fralda do monte que devia subir.

Astuciosa, porém, e não confiando muito na sua presença de espírito, antes de principiar a ascensão, tapou os ouvidos com algodão. Depois subiu, lentamente, para não cansar, escutando um rumor indistinto de vozes, mas sem perceber o que diziam.

Chegou assim livremente à esplanada, no alto do outeiro, e viu o pássaro que buscava, encerrado dentro de uma gaiola de ouro.

Vendo-se presa a avezinha falou:

— Confesso-me teu escravo, corajosa moça, e estou pronta a servir-te em tudo...

— Vim — retorquiu Nadir, — em tua procura, e também na da árvore que canta, e da água de ouro. Quero que me ensines os lugares onde estão, e depois direi o que pretendo mais.

— A árvore está próxima daqui e basta que arranques um galhinho. Chegando a casa plantá-lo-ás, e no mesmo instante crescerá. A água está numa fonte perto, e lançando-se algumas gotas em qualquer lugar, correrá regato.

O passarinho voou aos sítios em que se achavam as duas maravilhas, e Nadir, seguiu-lhe os conselhos.

— Agora, quero me indiques o meio para fazer com que meus irmãos, transformados em pedra, volvam à sua forma primitiva.

A ave disse que era bastante lançar sobre as pedras um pouco de uma outra água, que ali havia, e a moça começou a descer a montanha, lançando água sobre todas as pedras negras que encontrava, não sabendo quais eram os seus irmãos.

Ao chegar à raiz da serra, numeroso cortejo de reis, príncipes e fidalgos acompanhavam-na mais de quinhentas pessoas, que desde muitos anos se aventuravam a procurar as três maravilhas do universo.

***

Chegando à casa, acompanhada por Carlos e Olímpio, a mocinha plantou o galhinho, e na manhã seguinte estava uma árvore frondosa. O pássaro, pousado sobre ela, atraía todas as aves do reino, e o concerto delicioso que havia na chácara, era melhor que todas as orquestras do mundo.

A água foi lançada num chafariz de mármore, e um repuxo elevava-se até grande altura, jorrando ouro líquido.

A notícia das três maravilhas que possuía a chácara de Nadir espalhou-se bem depressa por toda a Pérsia, e dos mais afastados lugares vinham romeiros ver aqueles primores.

O sultão, ouvindo também falar nas três raridades, quis vê-las, e dirigiu-se à casa, onde foi recebido pelos três irmãos. Com ele vinham as duas sultanas e o príncipe, seus filhos.

Foi tão gentil o modo por que Carlos, Olímpio e Nadir receberam o ilustre visitante, que as duas princesas se apaixonaram pelos dois moços, e o príncipe por Nadir, efetuando-se o casamento pouco tempo depois.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
 

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