No antigo reino da Pérsia, há
muitos séculos, houve três irmãos — dois rapazes e uma formosa jovem — que se
amavam extremosamente.
Eram ricos, viviam na abastança, e
nada lhes faltava para passarem a vida calma e folgadamente, habitando uma
deslumbrante casa de campo, algumas léguas retiradas da capital.
Uma tarde, achava-se Nadir sentada
num dos bancos do jardim, esperando o regresso de Carlos e Olímpio, que estavam
caçando, quando bateu à porta uma velha mendiga. Dotada de excelente coração,
caritativa, a mocinha fê-la entrar, deu-lhe comida e algum dinheiro.
A pobre, depois de satisfeita,
pediu-lhe permissão para percorrer a casa. Nadir acompanhou-a, mostrando-lhe
todos os aposentos luxuosamente mobiliados; o pomar cheio de árvores
frutíferas; o viveiro de pássaros raros; o aquário com peixes vindos da várias
partes; o lago, onde patos, gansos, marrecos e outras aves se banhavam; o
jardim, plantado das mais lindas flores; todas as dependências da chácara, em
suma.
A mendiga elogiou a elegante e confortável
vivenda e, ao despedir-se, disse:
— Já que a senhora se mostrou tão
boa para mim, devo dizer uma coisa. Sei que é feliz e nada mais deseja. Mas,
para ser completa a sua felicidade a de seus irmãos, esta casa precisa ter as
três maravilhas do mundo, que são: o pássaro que fala; a árvore que canta e a
água de ouro. Esses três prodígios existem nos confins do reino, longe, muito
longe.
A velha despediu-se. Nadir ficou
cismando na revelação que acabava de saber, entristecida, recordando-se que
ainda podia ser mais venturosa, do que era. Deixou-se ficar no mesmo lugar, até
a hora em que os irmãos voltaram.
Carlos e Olímpio, apeando dos
cavalos, ao abraçarem-na, repararam na sua tristeza desacostumada e indagaram o
motivo. Nadir contou-lhes a visita e a conversa que tivera com a mendiga.
Os dois rapazes amavam tanto a
irmãzinha, que resolveram partir à conquista das três maravilhas.
Carlos, o mais velho, preparou-se
para a arriscada expedição, e, para sossegar quanto ao seu destino, durante o
tempo que devia durar a viagem, entregou à irmã um punhal, dizendo-lhe:
— A lâmina dessa arma é brilhante e
polida e assim se conservará enquanto eu tiver vida e saúde. Quando aparecer
manchada de sangue, então rezem por mim, porque infalivelmente deverei estar
morto.
Abraçou Nadir e Olímpio, e partiu
cavalgando o seu melhor cavalo.
Carlos seguiu, pela larga estrada
que cortava o reino da Pérsia, de norte a sul.
Ao cabo do vigésimo dia de jornada,
encontrou um velho sentado à beira do caminho. Era a primeira pessoa que via.
Vendo que não devia estar longe do termo da expedição, inquiriu do roteiro que
devia seguir até chegar o pássaro que fala a árvore que canta e a água de ouro.
— O caminho é fácil; não tem mais
do que seguir sempre em frente, até o sopé daquele elevado monte, que daqui se
descortina. Aí chegando, apeie-se, e continue a marchar a pé, subindo a ladeira
até o cume da montanha, onde encontrará os extraordinários objetos que busca.
Devo, porém, advertir-lhe que encontrará a ladeira semeada de pedras pretas.
Quando o senhor começar a subir, ouvirá palavras obscenas, injúrias, insultos,
gritos... Livre-se de olhar para trás, pois, se assim o fizer, imediatamente
será transformado numa pedra preta semelhante às outras — que são outros tantos
moços, aventurosos como o senhor.
Carlos agradeceu ao velhinho, e
esporeando o animal, caminhou novamente. Poucas horas depois atingiu a raiz da
serra, e tendo amarrado o cavalo, principiou a galgar o morro.
Mal havia dado os primeiros passos,
escutou grande algazarra vinda de todos os lados vozes confusas que gritavam
estentoricamente:
— Onde vai este louco?... Onde
vai?... Que quer ele?... Não o deixem passar!...
— Agarrem-no! prendam-no! matem-no!
— Ladrão! assassino!
O rapaz, acreditando que eram na
verdade pessoas que falavam, e vinham no seu encalço, esqueceu as recomendações
do mendigo, voltou-se para vê-las, e no mesmo instante foi transformado em
pedra.
***
Depois da partida de seu irmão, não
se passava dia sem que Nadir deixasse de ir ver o punhal.
Sentia-se contente por saber que
Carlos estava bom, naturalmente prosseguindo na execução da sua empresa, com
excelente êxito.
Na manhã do vigésimo dia, viu a
lâmina tinta de sangue. Não duvidou da morte do moço, e cobriu-se de luto.
Olímpio, depois de chorar com ela a
morte do irmão, resolveu ir m busca do pássaro que fala, da árvore que canta e
da água de ouro.
Nadir objetou-lhe que, se morresse,
ela ficaria sozinha no mundo desamparada apesar de ser rica e animosa.
Olímpio, entretanto, não acedeu aos
seus pedidos, e montou a cavalo.
Para que a menina soubesse notícias
suas, entregou-lhe uma roseira, que tinha a virtude de florescer, enquanto ele
estivesse com vida, e murchar no mesmo momento em que morresse.
Sucedeu ao segundo irmão, tudo
quanto aconteceu a Carlos. Encontrou o mesmo velho que lhe fez as mesmas
objeções que fazia a todos e aconselhou-o da mesma forma que aconselhava
sempre.
Olímpio, não se deixou persuadir, e
encaminhou-se para a montanha, cuja ladeira galgou com passo firme, sem recear
o ruído de vozes que distinguia, sabendo que eram invisíveis, ocultas,
sobrenaturais, e que não lhe podiam fazer mal algum.
Já estava em meio, longe da última
pedra negra, sempre acompanhado pela grande algazarra de insultos, quando ouviu
distintamente atrás de si uma pessoa gritar-lhe perto do ouvido:
— Estás com medo?! Vai fugindo,
cão?!...
Animoso, nunca tendo ouvido injúrias
repelindo sempre qualquer desaforo o moço perdeu a cabeça, puxando da espada,
voltou-se para ver quem o injuriava. Imediatamente foi transformado em pedra.
***
Nadir, na sua elegante chácara, não
receava pela sorte de Olímpio, porque a roseira plantada num dos canteiros do
jardim floria viçosamente, verdejante, cheia de flores.
Mas, no dia seguinte àquele em que
o seu segundo irmão foi vítima do encanto da montanha, ao despertar, pela
madrugada, viu o pobre arbusto murcho, fenecido, seco. Olímpio também morrera.
Foi grande a desolação da menina,
que se via sozinha no mundo, sem seus extremosos irmãos. Por isso resolveu ir
procurá-los, recolher-lhes os corpos e conquistar o pássaro que fala, a árvore
que canta e a água de ouro.
Depois de providenciar sobre a sua
casa e bens, vestiu-se de homem, e cavalgando uma formosa égua de raça seguiu
viagem, acompanhando as pegadas dos seus irmãos, segundo as notícias e
informações que ia colhendo.
Chegou finalmente ao sítio onde
vivia o velhinho e soube por ele de tudo quanto queria. Tornou a montar a
cavalo e chegou à fralda do monte que devia subir.
Astuciosa, porém, e não confiando
muito na sua presença de espírito, antes de principiar a ascensão, tapou os
ouvidos com algodão. Depois subiu, lentamente, para não cansar, escutando um
rumor indistinto de vozes, mas sem perceber o que diziam.
Chegou assim livremente à
esplanada, no alto do outeiro, e viu o pássaro que buscava, encerrado dentro de
uma gaiola de ouro.
Vendo-se presa a avezinha falou:
— Confesso-me teu escravo, corajosa
moça, e estou pronta a servir-te em tudo...
— Vim — retorquiu Nadir, — em tua
procura, e também na da árvore que canta, e da água de ouro. Quero que me
ensines os lugares onde estão, e depois direi o que pretendo mais.
— A árvore está próxima daqui e
basta que arranques um galhinho. Chegando a casa plantá-lo-ás, e no mesmo
instante crescerá. A água está numa fonte perto, e lançando-se algumas gotas em
qualquer lugar, correrá regato.
O passarinho voou aos sítios em que
se achavam as duas maravilhas, e Nadir, seguiu-lhe os conselhos.
— Agora, quero me indiques o meio
para fazer com que meus irmãos, transformados em pedra, volvam à sua forma
primitiva.
A ave disse que era bastante lançar
sobre as pedras um pouco de uma outra água, que ali havia, e a moça começou a
descer a montanha, lançando água sobre todas as pedras negras que encontrava,
não sabendo quais eram os seus irmãos.
Ao chegar à raiz da serra, numeroso
cortejo de reis, príncipes e fidalgos acompanhavam-na mais de quinhentas pessoas,
que desde muitos anos se aventuravam a procurar as três maravilhas do universo.
***
Chegando à casa, acompanhada por
Carlos e Olímpio, a mocinha plantou o galhinho, e na manhã seguinte estava uma
árvore frondosa. O pássaro, pousado sobre ela, atraía todas as aves do reino, e
o concerto delicioso que havia na chácara, era melhor que todas as orquestras
do mundo.
A água foi lançada num chafariz de
mármore, e um repuxo elevava-se até grande altura, jorrando ouro líquido.
A notícia das três maravilhas que
possuía a chácara de Nadir espalhou-se bem depressa por toda a Pérsia, e dos
mais afastados lugares vinham romeiros ver aqueles primores.
O sultão, ouvindo também falar nas
três raridades, quis vê-las, e dirigiu-se à casa, onde foi recebido pelos três
irmãos. Com ele vinham as duas sultanas e o príncipe, seus filhos.
Foi tão gentil o modo por que
Carlos, Olímpio e Nadir receberam o ilustre visitante, que as duas princesas se
apaixonaram pelos dois moços, e o príncipe por Nadir, efetuando-se o casamento
pouco tempo depois.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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