João fazia o desespero de seus
pais, principalmente de sua velha e boa mãe, que de forma alguma podia
contê-lo.
Desde pequenino, mostrou grande
prazer em se achar no meio de tudo quanto era nojento e sórdido, brincando de
preferência nos montes de lixo depositados na rua, trepando nas carroças de
cisco da limpeza pública, patinhando na lama, revolvendo-se no chão.
Ao passo que seus irmãozinhos e
primos e os meninos da vizinhança andavam sempre limpos e asseados, com toda
cautela no vestuário e no corpo, João vivia na cozinha emporcalhando-se de
carvão e cinza.
No colégio derramava tinta nas
calças, sujava os dedos, andava coberto de giz, e limpava a pena, quando
acabava de escrever, na cabeça ou na aba do paletozinho.
Morrendo o pai, ficou entregue a si
mesmo, com dez anos de idade apenas, porque a mãe não tinha força moral sobre ele,
que zombava das ameaças e escarnecia dos bons conselhos e admoestações.
O menino nunca mais foi à escola, e
desaprendeu o pouquinho que sabia, sem se envergonhar dos progressos feitos
pelos outros, e dos bonitos prêmios que os maninhos traziam todos os trimestres
para casa livros com estampas, ganhos nas aulas de aplicação e comportamento.
A família residia num arrabalde,
retirado, perto do mato, porque era paupérrima.
Dois anos depois da morte do velho,
ninguém o conhecia.
Não tirou mais a roupa do corpo: a
camisa e as calças tão rasgadas estavam, que pareciam andrajos de pobre.
O imundo rapaz não tomava banho,
nem mesmo lavava o rosto, as mãos e os pés. Os cabelos cresceram-lhe, ásperos,
duros, esgrouvinhados, caindo sobre os ombros e empastados de terra.
Em torno dos ouvidos tinha manchas
pretas, e no pescoço colares de pó.
Os dentes, cobertos de limo, eram
verdes e pretos, ou então completamente cariados.
Não cortava as unhas, que haviam
crescido curvas, em forma de garras de gavião.
Os rapazinhos da vizinhança,
evitaram-no, receosos da sua figura de animal feroz, e enjoados de tanta
imundície.
Parecia um macaco, ou um urso, com
grande cabeleira, e unhas de duas polegadas de comprimento.
Começaram a chamá-lo João Felpudo, e a alcunha, correndo de
boca em boca, popularizou-se.
João Felpudo não se importava com
aquilo, e também não procurava a companhia das crianças de sua idade. Não
estudando, e não tomando banho, sem cuidar do espírito nem do corpo, bestificara-se,
tornando-se um verdadeiro monstro, fugindo ao convívio humano.
Sua mãe, se conseguia falar-lhe,
suplicava, pedia, chorava, para que consentisse em cortar as unhas e os
cabelos, para que tomasse um banho e mudasse de roupa.
João Felpudo ria-se alvarmente, e ia
brincar no chiqueiro dos porcos.
Uma tarde o desgraçado menino saiu
de casa; embrenhou-se pelo mato adentro, e perdeu-se.
Quase ao anoitecer, vendo que não
acertava com o caminho começou a chorar. Mas o infeliz nem mesmo chorar sabia!
Os seus soluços era numa espécie de guinchos de sagui, misturados com urros de
tigre.
Avistando um homem, o instinto
fê-lo correr para essa figura humana, como que pedindo proteção.
O caçador, vendo aquele animal
avançar em sua direção, pensou ser um gorila, levou a espingarda à cara, e
atirou.
Assim morreu João Felpudo o menino sórdido.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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