5/03/2025

João Felpudo (Conto), de Figueiredo Pimentel


JOÃO FELPUDO

João fazia o desespero de seus pais, principalmente de sua velha e boa mãe, que de forma alguma podia contê-lo.

Desde pequenino, mostrou grande prazer em se achar no meio de tudo quanto era nojento e sórdido, brincando de preferência nos montes de lixo depositados na rua, trepando nas carroças de cisco da limpeza pública, patinhando na lama, revolvendo-se no chão.

Ao passo que seus irmãozinhos e primos e os meninos da vizinhança andavam sempre limpos e asseados, com toda cautela no vestuário e no corpo, João vivia na cozinha emporcalhando-se de carvão e cinza.

No colégio derramava tinta nas calças, sujava os dedos, andava coberto de giz, e limpava a pena, quando acabava de escrever, na cabeça ou na aba do paletozinho.

Morrendo o pai, ficou entregue a si mesmo, com dez anos de idade apenas, porque a mãe não tinha força moral sobre ele, que zombava das ameaças e escarnecia dos bons conselhos e admoestações.

O menino nunca mais foi à escola, e desaprendeu o pouquinho que sabia, sem se envergonhar dos progressos feitos pelos outros, e dos bonitos prêmios que os maninhos traziam todos os trimestres para casa livros com estampas, ganhos nas aulas de aplicação e comportamento.

A família residia num arrabalde, retirado, perto do mato, porque era paupérrima.

Dois anos depois da morte do velho, ninguém o conhecia.

Não tirou mais a roupa do corpo: a camisa e as calças tão rasgadas estavam, que pareciam andrajos de pobre.

O imundo rapaz não tomava banho, nem mesmo lavava o rosto, as mãos e os pés. Os cabelos cresceram-lhe, ásperos, duros, esgrouvinhados, caindo sobre os ombros e empastados de terra.

Em torno dos ouvidos tinha manchas pretas, e no pescoço colares de pó.

Os dentes, cobertos de limo, eram verdes e pretos, ou então completamente cariados.

Não cortava as unhas, que haviam crescido curvas, em forma de garras de gavião.

Os rapazinhos da vizinhança, evitaram-no, receosos da sua figura de animal feroz, e enjoados de tanta imundície.

Parecia um macaco, ou um urso, com grande cabeleira, e unhas de duas polegadas de comprimento.

Começaram a chamá-lo João Felpudo, e a alcunha, correndo de boca em boca, popularizou-se.

João Felpudo não se importava com aquilo, e também não procurava a companhia das crianças de sua idade. Não estudando, e não tomando banho, sem cuidar do espírito nem do corpo, bestificara-se, tornando-se um verdadeiro monstro, fugindo ao convívio humano.

Sua mãe, se conseguia falar-lhe, suplicava, pedia, chorava, para que consentisse em cortar as unhas e os cabelos, para que tomasse um banho e mudasse de roupa.

João Felpudo ria-se alvarmente, e ia brincar no chiqueiro dos porcos.

Uma tarde o desgraçado menino saiu de casa; embrenhou-se pelo mato adentro, e perdeu-se.

Quase ao anoitecer, vendo que não acertava com o caminho começou a chorar. Mas o infeliz nem mesmo chorar sabia! Os seus soluços era numa espécie de guinchos de sagui, misturados com urros de tigre.

Avistando um homem, o instinto fê-lo correr para essa figura humana, como que pedindo proteção.

O caçador, vendo aquele animal avançar em sua direção, pensou ser um gorila, levou a espingarda à cara, e atirou.

Assim morreu João Felpudo o menino sórdido.



---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...