5/05/2025

O castelo de Kinast (Conto), de Figueiredo Pimentel


O CASTELO DE KINAST

O vasto e soberbo castelo de Kinast, na Boêmia, atualmente em ruínas, vivia outrora Leona, uma jovem duquesa, de extraordinária formosura, única herdeira de nobre e rica família.

Era bela, mas tinha o coração empedernido e era orgulhosa em extremo.

Depois da morte do pai, os velhos e fiéis servidores do castelo pediram-lhe que escolhesse um esposo.

A moça levou-os à beira de um abismo, no cume de um rochedo escarpado, onde o homem mais valente não chegava senão tremendo, e disse-lhes:

— Se houver alguma pessoa que queira desposar-me, é preciso que suba a cavalo até este cimo pontiagudo. Juro, por tudo quanto há de mais santo, que somente aquele que o conseguir terá direito de me chamar sua esposa.

Muitos cavalheiros aventuraram-se àquela empresa, mas todos sucumbiram. Uns, corriam, seduzidos pela beleza de Leona, outros levados pela ambição, outros arrastados por um sentimento de louco orgulho. E a impiedosa castelã, com a mesma indiferença, viu perecer os que a amavam, sinceramente, os que só aspiravam a compartilhar de sua fortuna.

Um dia três novos cavalheiros quiseram fazer a mesma tentativa. Eram três filhos de uma família poderosa — jovens, belos, valentes.. Atraíam todos os olhares, e as preces da multidão os seguiram.

Um, após outro, tentaram subir o fatal rochedo. O primeiro não chegara a meio do caminho, quando o animal deu um passo em falso, e precipitou-se no abismo; o segundo também; o terceiro adiantou-se com mais precauções; e já havia transposto os principais obstáculos e aproximava-se do cimo, quando, de repente, uma planta úmida fê-lo resvalar, e rolou de penhasco em penhasco até o fundo do medonho sorvedouro.

Perante aquele horrível espetáculo a multidão soltou um grito de dor. A própria Leona sentiu-se comovida, mas bem depressa retomou a sua soberba indiferença, e olhou sem um único estremecimento de coração, os corpos esfacelados daqueles que o aspecto da montanha sanguinolenta não havia amedrontado.

Uma manhã o som do trompa anunciou a chegada de um estrangeiro. Um cavalheiro entrou no castelo. Trazia uma armadura refulgente, uma pena de águia flutuante no capacete e longos cabelos caiam-lhe sobre os ombros.

Belo, mais belo que todos quantos o haviam precedido, o olhar era orgulhoso a atitude imponente. A duquesinha, ao vê-lo, sentiu uma sensação estranha que jamais havia experimentado. Quando lhe anunciaram que estava disposto a escalar a montanha, estremeceu, quis demovê-lo daquele propósito, e jurou-lhe fidelidade eterna.

O cavalheiro quis, porém, inabalavelmente, tentar a ascensão. Pôs-se a caminho, transpôs os afrontosos trilhos e os rochedos a pique. Leona seguia-o ansiosa com olhar, e contando cada um dos passos do animal, e cada um dos perigos que passavam.

Quando o viu transpor com facilidade os obstáculos, conservar-se de pé no declive mais escarpado, seu coração bateu precipite, e ergueu os olhos para o Céu. Rezou, esperou, mas logo voltaram novamente as angústias.

Entretanto, o cavalheiro prosseguia a ascensão, subindo de rocha em rocha. De repente, parou. Tinha chegado ao cume da montanha, e o seu penacho flutuava acima do abismo.

Perante esse espetáculo, a duquesinha caiu de joelhos e a multidão, delirante de alegria, rompeu em aplausos estrepitosos.

Depois a moça levantou-se, e veio radiante ao encontro do estrangeiro.

Ele, porém, repeliu-a desdenhosamente, dizendo:

— Vai-te para longe de mim, mulher miserável, que tantas lágrimas fizeste derramar! Lembras-te dos nobres cavalheiros a quem causaste a morte? Lembras-te desses três irmãos, que sem piedade viste perecer, um, após outro? Vim para vingá-los. Queres desposar-me, e eu te maldigo.

A essas palavras, afastou-se, e a desgraçada Leona ficou entregue aos seus pesares, e torturada pelos remorsos.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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