5/04/2025

O pé de feijão (Conto), de Figueiredo Pimentel


O PÉ DE FEIJÃO

Havia nos arredores de Londres, há muitos séculos passados, uma pobre viúva que tinha um único filho, chamado Oscar.

Estimava-o tanto, que lhe fazia todas as vontades, nada lhe podendo recusar. Ele tornou-se por isso, indolente, estroina, e mesmo extravagante.

Um dia pela primeira vez a velha censurou-o:

—  Tu me reduziste à mais extrema pobreza. Não tenho um vintém para comprar pão, e só possuo uma vaca, que me vejo forçada a vender com grande pesar meu.

Oscar sentiu profundo remorso, porque no fundo não tinha mau coração.

Pouco depois pediu-lhe insistentemente que lhe confiasse a vaca, para ir vendê-la na aldeia vizinha.

A princípio a velha não quis confiar-lhe aquele negócio; mas tanto insistiu ele, que afinal cedeu, como aliás cedia sempre a todas as suas vontades.

Pôs-se a caminho e encontrou um lavrador que trazia alguns caroços de feijão de diferentes cores e tamanhos, e de forma esquisita.

O agricultor conhecia o espírito frívolo de Oscar. Mostrou-lhe os feijões como um dos legumes mais preciosos, e faz-lhe tal narração, que o inocente rapaz se ofereceu para lhe dar a vaca em troca.

O esperto roceiro, depois de se ter feito rogar, consentiu.

O mancebo voltou alegre para casa, anunciando a bela transação que tinha feito.

— Desgraçado! — exclamou a velha, quando ele lhe contou o negócio realizado, — como foi que te deixaste enganar tão totalmente por um embusteiro daquela ordem?  

Encolerizada, lançou os feijões pela janela, e pôs-se a chorar. O filho em vão tentou consolá-la, mas a pobre suspirava, dizendo que nada mais possuía.

Com efeito, nada lhe restava e, nessa noite tiveram que dormir sem ceia.

No dia seguinte pela manhã, Oscar ficou muito admirado por ver a janela do seu quarto tapada por um matagal espesso.

Desceu ao jardim, e viu que um dos caroços de feijão tinha germinado durante a noite e tomado extraordinário desenvolvimento. O tronco era grosso como uma árvore, e os ramos superiores tocavam as nuvens, além de que eram entrelaçados uns nos outros.

Era um rapaz corajoso e amante de aventuras, resolveu subir até à extremidade daquelas prodigiosas plantas, e comunicou tal desejo à sua mãe, que inutilmente tentou dissuadi-lo daquela ideia.

Apesar do terror e das súplicas da desgraçada viúva, começou a subir, e poucas horas depois chegou ao cimo da árvore.

Aí, sentiu-se transportado a um lugar muito longe. Olhando em torno, viu uma região estranha, imensa terra deserta, sem uma casa, um único vivente.

Sentou-se tristemente sobre uma pedra pensando em sua mãe, lastimando-se por tê-la desobedecido, e imaginando que estava destinado a morrer de fome nesse árido país.

Não obstante, começou a caminhar para tentar alguma boa descoberta e ver se encontrava qualquer coisa para comer e um pouco de água fresca.

A poucos passos viu uma formosíssima moça, elegantemente vestida, que passeava sozinha, trazendo na mão uma varinha.

Oscar, que não era tímido, dirigiu-se ao seu encontro, e contou-lhe a história dos feijões.

— Lembras-te de teu pai?  

— Não, minha senhora — replicou ele. — Mas estou certo que há na sua vida alguma coisa misteriosa, porque, todas as vezes que dele falo, mamãe começa a chorar, sem querer dizer-me a causa.

— Ela não pode dizê-lo, mas eu posso. Sou a fada que estava encarregada de velar por ele. As fadas, do mesmo modo que mortais, são submetidas a certas e determinadas leis. Por uma falta que cometi, fiquei privada do meu poder por muitos anos. Não pude socorrer teu pai, justamente quando ele mais necessidade tinha de mim, e ele morreu!

A fada tinha tão dolorosa expressão fisionômica, que o moço se comoveu. Olhou-o com sentimento de gratidão, e pediu-lhe para continuar.

— Fá-lo-ei — disse ela, — mas com a condição de que me obedecerás cegamente. Do contrário morrerás.

Oscar, vendo que dali podia tirar vantajoso partido, prometeu, empenhado a sua palavra de honra.

— Teu pai era um homem de bom coração, e vivia tendo grandes fortuna, excelente esposa e criados fiéis. Por sua desgraça, tinha um amigo pérfido, um gigante, a quem havia prestado relevantes serviços. Esse monstro despojou-o dos seus bens, matou-o, e fez tua mãe jurar nunca revelar essa terrível história, ameaçando de matá-la, se quebrasse o seu juramento. Depois expulsou-vos da casa em que nasceste. Eu não podia auxiliar-te, senão quando tivesses vendido a vaca. Fui eu quem te suscitou a ideia de trocá-la pelos caroços de feijão, e o desejo de subir, até aqui, onde reside o abominável gigante. És tu que deves vingar a morte de teu pai, e deves livrar o mundo de um celerado que só pratica o mal. Apossar-te-ás da casa do gigante e de quanto possui, porque tudo isso pertenceu a teu pai. Agora, adeus! Nada digas do que acabo de contar-te, senão arrepender-te-ás. Pode ir.

— Para onde — indagou.

— Sempre em frente, até encontrares a casa onde reside o gigante. Se te detiver alguma dificuldade, virei em teu auxílio. Adeus.

A fada desapareceu.

O aventuroso mancebo caminhou sem parar até o anoitecer, quando avistou diante de si uma grande casa. A porta encontrou uma mulher de agradável aparência. Dirigiu-se a ela, perguntando-lhe se podia dar-lhe um pedaço de pão.

— Como foi que o senhor veio parar aqui? Ninguém ousa aproximar-se desta habitação, porque sabem que nela existe enorme gigante, que só se alimenta de carne humana. Foi para procurá-la, que saiu de manhã.

Tais palavras não eram muito animadoras mas o moço esperava subtrair-se ao feroz apetite do gigante, e disse-lhe:

— Tenha compaixão de mim, conceda-me um asilo esta noite e esconda-me onde quiser.

A mulher do antropófago acedeu ao pedido do moço, porque era generosa e caritativa.

Fê-lo entrar em uma comprida galeria, separada por uma grade de ferro, onde estavam os desgraçados que o gigante destinava às suas horríveis refeições.

Ouvindo os gemidos e os gritos das pobres vítimas, Oscar empalideceu. Neste momento desejou achar-se ao lado de sua mãe. Receava que a mulher do gigante, com a sua aparência de bondade, lhe houvesse aberto a porta para prendê-lo também, na fatal masmorra.

A mulher, contudo, mando-o sentar-se, e deu-lhe de comer e de beber. O rapaz começava a se acalmar, quando bateram à porta, com tal força que toda a casa estremeceu.

— Ah!! — exclamou a desgraçada mulher, tremendo de medo. — É o gigante! Se o vê, matar-me-á.

— Esconda-me na chaminé.

Ela ocultou-o no fogão, que havia muito tempo se não acendia.

Pouco depois ouviu os passos pesados do gigante e a sua voz retumbante. Mais tarde, viu-o, por um buraquinho, sentar-se à mesa, e ficou admirado da fabulosa quantidade de alimentos e bebidas que devorava.

Após haver saciado o seu formidável apetite, bradou com voz de trovão, para a mulher:

— Traz-me a minha galinha.

Ela obedeceu prontamente, e trouxe-lhe uma galinha, grande e gorda, que o gigante colocou sobre a mesa, ordenando:

— Põe!

A galinha pôs um enorme ovo de ouro.

— Outro — disse ele, — outro ainda!

E todas as vezes que repetia aquela ordem, a ave deitava um ovo enorme.

O gigante esteve a se divertir durante algum tempo. Em seguida minutos depois roncava como um trovão.

Oscar, vendo-o engolfado em tão profundo sono, saiu do seu esconderijo, roubou-lhe a galinha e fugiu.

Encontrou facilmente o caminho por onde viera, desceu pelo pé de feijão, e chegou a casa.

Sua mãe abraçou-o, chorando de alegria.

Entretanto, não sabia o que fizera o filho durante a sua ausência, e receou que houvesse praticado alguma ação má.

— Sossega, mamãe, e olha, disse ele.

E colocou a galinha sobre a mesa, ordenando:

— Põe!

Tantas vezes repetiu esta palavra, quantas a galinha deitou um ovo de ouro.

Com a venda daqueles ovos, possuiu meios para viver feliz e tranquilamente com sua mãe.

***

Alguns meses mais tarde, teve novamente desejos de subir pelo pé de feijão, e arrebatar algum outro tesouro ao feroz gigante.

Quis regressar ao estranho país, onde tivera tão vivas emoções.

Disfarçou o rosto, vestiu uma roupa que nunca tinha usado, e persuadido de que ninguém seria capaz de reconhecê-lo, acordou muito cedo, desceu ao jardim, e subiu pelo pé de feijão.

Chegando ao termo da sua excursão, estava cansado e tinha fome. Sentou-se algum tempo sobre a pedra, e depois dirigiu-se para a residência do gigante.

Como da primeira vez, a mulher estava à porta. Ele invocou a sua comiseração, dizendo-lhe que estava a morrer de fome, e que se achava fatigadíssimo.

Ela contou-lhe o mesmo que da primeira vez — que seu marido era um gigante antropófago. Acrescentou que, uma noite, dera hospitalidade a um rapaz, e que o ingrato partira, levando um dos tesouros da casa. Desde esse dia, seu marido a maltratava barbaramente, censurando-a sempre por ter dado hospitalidade a um vagabundo.

Oscar associou-se aos seus pesares, e falou-lhe de tal arte, que ela se comoveu, acabando por lhe conceder pousada.

À hora do costume, o gigante entrou, e a mulher escondeu o rapaz.

O antropófago sentou-se, sempre fazendo grande barulho.

— Mulher estou sentindo cheiro de carne fresca!

— São os restos da carcaça que os corvos trouxeram para cima do telhado. Sossegue, que vou preparar a ceia.

Enquanto fazia aquele serviço, o gigante descompunha-a, e ameaçava-a com pancadas, dizendo que jamais se consolaria da perda da galinha.

Quando terminou a sua ceia colossal, ordenou-lhe:

— Traze-me alguma coisa para me divertir. A minha harpa... não os meus sacos de ouro, que são mais pesados...

Ela obedeceu, e aproximou-se, curvada ao peso de dois enormes sacos, cheios de moedas de ouro.

O gigante entornou-as sobre a mesa, e pôs-se a contá-las, e tilintá-las, dizendo:

— Vai-te embora.

Do lugar onde se achava, o moço viu-o deleitar-se, com alegria de avarento, e desejava retomar aquele dinheiro, sabendo-o parte da fortuna de seu pai.

Depois de ter contado e recontado, o gigante encheu os dois sacos, e colocou-os a seu lado, vigiados por um feroz cão de fila.

Em seguida adormeceu, e o seu ressonar parecia-se com o rugido do oceano revolto.

Oscar saiu, e o cachorro pôs-se a latir furiosamente. Por felicidade, não acordou o amo, e o moço atirou-lhe um pedaço de carne.

Então, apanhou os dois sacos, e carregou-os. Estavam tão pesados, eram tão grandes, que lhe foram precisos dois dias e duas noites, para chegar.

***

Passado algum tempo, desejou empreender mais uma das suas aventurosas expedições e começou a ascensão.

Avistou a mulher do gigante à porta da casa, e tão bem disfarçado estava que absolutamente não foi reconhecido.

Assim que, dirigindo-lhe a palavra, lhe pediu hospedagem, ela disse em tom resoluto que não podia concedê-la. Contou-lhe o que havia ocorrido nas duas vezes anteriores, e protestou que nenhum desconhecido entraria mais em sua casa.

Oscar suplicou tão humildemente, que ela acabou por ceder, e escondeu-o num caldeirão.

— Sinto cheiro de carne fresca, mulher! — berrou o gigante, entrando. E começou a procurar por toda a casa. Felizmente, não levantou a tampa do caldeirão, e, desanimado, foi sentar-se.

Acabando de cear, mandou buscar a sua harpa. Tendo-a colocado sobre a mesa, ordenou:

— Toca!

A harpa começou a vibrar sozinha uma música deliciosíssima.

O jovem, que era músico, ficou entusiasmado e desejou aquele divino instrumento.

Enquanto as cordas continuavam a vibrar, o gigante adormeceu. A mulher, segundo o seu costume, já se tinha recolhido.

Oscar saiu do caldeirão, e arrebatou a harpa. Mas, assim que lhe pôs a mão em cima, ela bradou como se fosse uma pessoa viva:

— Socorro! Socorro! Estão me levando!

A esse apelo, o gigante acordou, e viu Oscar que fugia à toda pressa, levando o instrumento mágico.

— Ah! ladrão! — exclamou o gigante furioso, — foste tu que me roubaste a minha galinha e os meus sacos de ouro! Espera, que te agarrarei, e te comerei vivo!!

Mas cambaleava, bêbado, ao passo que o mocinho tinha o pé ligeiro. Correu até o pé de feijão, e começou a descer velozmente, sempre agarrado com a harpa, que não cessava de tocar, até que ele disse:

— Basta!

Chegou ao jardim e viu sua mãe.

— Mamãe! mamãe! dê-me um machado, depressa! depressa!

Sabia que não tinha um minuto a perder, porque o gigante também descia.

Mas o moço começou a cortar vigorosamente com o machado o pé de feijão e derrubou-o.

O gigante caiu ao chão, para nunca mais se erguer.

Então, apareceu a boa fada, que explicou à mãe de Oscar as aventuras de seu filho, e o pé de feijão desapareceu.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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