Havia nos arredores de Londres, há
muitos séculos passados, uma pobre viúva que tinha um único filho, chamado
Oscar.
Estimava-o tanto, que lhe fazia
todas as vontades, nada lhe podendo recusar. Ele tornou-se por isso, indolente,
estroina, e mesmo extravagante.
Um dia pela primeira vez a velha
censurou-o:
—
Tu me reduziste à mais extrema pobreza. Não tenho um vintém para comprar
pão, e só possuo uma vaca, que me vejo forçada a vender com grande pesar meu.
Oscar sentiu profundo remorso,
porque no fundo não tinha mau coração.
Pouco depois pediu-lhe
insistentemente que lhe confiasse a vaca, para ir vendê-la na aldeia vizinha.
A princípio a velha não quis
confiar-lhe aquele negócio; mas tanto insistiu ele, que afinal cedeu, como
aliás cedia sempre a todas as suas vontades.
Pôs-se a caminho e encontrou um
lavrador que trazia alguns caroços de feijão de diferentes cores e tamanhos, e
de forma esquisita.
O agricultor conhecia o espírito
frívolo de Oscar. Mostrou-lhe os feijões como um dos legumes mais preciosos, e
faz-lhe tal narração, que o inocente rapaz se ofereceu para lhe dar a vaca em
troca.
O esperto roceiro, depois de se ter
feito rogar, consentiu.
O mancebo voltou alegre para casa,
anunciando a bela transação que tinha feito.
— Desgraçado! — exclamou a velha,
quando ele lhe contou o negócio realizado, — como foi que te deixaste enganar
tão totalmente por um embusteiro daquela ordem?
Encolerizada, lançou os feijões
pela janela, e pôs-se a chorar. O filho em vão tentou consolá-la, mas a pobre
suspirava, dizendo que nada mais possuía.
Com efeito, nada lhe restava e,
nessa noite tiveram que dormir sem ceia.
No dia seguinte pela manhã, Oscar
ficou muito admirado por ver a janela do seu quarto tapada por um matagal espesso.
Desceu ao jardim, e viu que um dos
caroços de feijão tinha germinado durante a noite e tomado extraordinário
desenvolvimento. O tronco era grosso como uma árvore, e os ramos superiores
tocavam as nuvens, além de que eram entrelaçados uns nos outros.
Era um rapaz corajoso e amante de
aventuras, resolveu subir até à extremidade daquelas prodigiosas plantas, e
comunicou tal desejo à sua mãe, que inutilmente tentou dissuadi-lo daquela ideia.
Apesar do terror e das súplicas da
desgraçada viúva, começou a subir, e poucas horas depois chegou ao cimo da
árvore.
Aí, sentiu-se transportado a um
lugar muito longe. Olhando em torno, viu uma região estranha, imensa terra
deserta, sem uma casa, um único vivente.
Sentou-se tristemente sobre uma
pedra pensando em sua mãe, lastimando-se por tê-la desobedecido, e imaginando
que estava destinado a morrer de fome nesse árido país.
Não obstante, começou a caminhar
para tentar alguma boa descoberta e ver se encontrava qualquer coisa para comer
e um pouco de água fresca.
A poucos passos viu uma
formosíssima moça, elegantemente vestida, que passeava sozinha, trazendo na mão
uma varinha.
Oscar, que não era tímido,
dirigiu-se ao seu encontro, e contou-lhe a história dos feijões.
— Lembras-te de teu pai?
— Não, minha senhora — replicou ele.
— Mas estou certo que há na sua vida alguma coisa misteriosa, porque, todas as
vezes que dele falo, mamãe começa a chorar, sem querer dizer-me a causa.
— Ela não pode dizê-lo, mas eu
posso. Sou a fada que estava encarregada de velar por ele. As fadas, do mesmo
modo que mortais, são submetidas a certas e determinadas leis. Por uma falta
que cometi, fiquei privada do meu poder por muitos anos. Não pude socorrer teu
pai, justamente quando ele mais necessidade tinha de mim, e ele morreu!
A fada tinha tão dolorosa expressão
fisionômica, que o moço se comoveu. Olhou-o com sentimento de gratidão, e
pediu-lhe para continuar.
— Fá-lo-ei — disse ela, — mas com a
condição de que me obedecerás cegamente. Do contrário morrerás.
Oscar, vendo que dali podia tirar
vantajoso partido, prometeu, empenhado a sua palavra de honra.
— Teu pai era um homem de bom
coração, e vivia tendo grandes fortuna, excelente esposa e criados fiéis. Por
sua desgraça, tinha um amigo pérfido, um gigante, a quem havia prestado
relevantes serviços. Esse monstro despojou-o dos seus bens, matou-o, e fez tua
mãe jurar nunca revelar essa terrível história, ameaçando de matá-la, se
quebrasse o seu juramento. Depois expulsou-vos da casa em que nasceste. Eu não
podia auxiliar-te, senão quando tivesses vendido a vaca. Fui eu quem te
suscitou a ideia de trocá-la pelos caroços de feijão, e o desejo de subir, até
aqui, onde reside o abominável gigante. És tu que deves vingar a morte de teu
pai, e deves livrar o mundo de um celerado que só pratica o mal. Apossar-te-ás
da casa do gigante e de quanto possui, porque tudo isso pertenceu a teu pai.
Agora, adeus! Nada digas do que acabo de contar-te, senão arrepender-te-ás.
Pode ir.
— Para onde — indagou.
— Sempre em frente, até encontrares
a casa onde reside o gigante. Se te detiver alguma dificuldade, virei em teu
auxílio. Adeus.
A fada desapareceu.
O aventuroso mancebo caminhou sem
parar até o anoitecer, quando avistou diante de si uma grande casa. A porta
encontrou uma mulher de agradável aparência. Dirigiu-se a ela, perguntando-lhe
se podia dar-lhe um pedaço de pão.
— Como foi que o senhor veio parar
aqui? Ninguém ousa aproximar-se desta habitação, porque sabem que nela existe
enorme gigante, que só se alimenta de carne humana. Foi para procurá-la, que
saiu de manhã.
Tais palavras não eram muito
animadoras mas o moço esperava subtrair-se ao feroz apetite do gigante, e
disse-lhe:
— Tenha compaixão de mim,
conceda-me um asilo esta noite e esconda-me onde quiser.
A mulher do antropófago acedeu ao
pedido do moço, porque era generosa e caritativa.
Fê-lo entrar em uma comprida
galeria, separada por uma grade de ferro, onde estavam os desgraçados que o
gigante destinava às suas horríveis refeições.
Ouvindo os gemidos e os gritos das
pobres vítimas, Oscar empalideceu. Neste momento desejou achar-se ao lado de
sua mãe. Receava que a mulher do gigante, com a sua aparência de bondade, lhe
houvesse aberto a porta para prendê-lo também, na fatal masmorra.
A mulher, contudo, mando-o sentar-se, e deu-lhe de comer e de beber. O rapaz
começava a se acalmar, quando bateram à porta, com tal força que toda a casa
estremeceu.
— Ah!! — exclamou a desgraçada
mulher, tremendo de medo. — É o gigante! Se o vê, matar-me-á.
— Esconda-me na chaminé.
Ela ocultou-o no fogão, que havia
muito tempo se não acendia.
Pouco depois ouviu os passos pesados
do gigante e a sua voz retumbante. Mais tarde, viu-o, por um buraquinho,
sentar-se à mesa, e ficou admirado da fabulosa quantidade de alimentos e
bebidas que devorava.
Após haver saciado o seu formidável
apetite, bradou com voz de trovão, para a mulher:
— Traz-me a minha galinha.
Ela obedeceu prontamente, e
trouxe-lhe uma galinha, grande e gorda, que o gigante colocou sobre a mesa,
ordenando:
— Põe!
A galinha pôs um enorme ovo de
ouro.
— Outro — disse ele, — outro ainda!
E todas as vezes que repetia aquela
ordem, a ave deitava um ovo enorme.
O gigante esteve a se divertir
durante algum tempo. Em seguida minutos depois roncava como um trovão.
Oscar, vendo-o engolfado em tão
profundo sono, saiu do seu esconderijo, roubou-lhe a galinha e fugiu.
Encontrou facilmente o caminho por
onde viera, desceu pelo pé de feijão, e chegou a casa.
Sua mãe abraçou-o, chorando de
alegria.
Entretanto, não sabia o que fizera
o filho durante a sua ausência, e receou que houvesse praticado alguma ação má.
— Sossega, mamãe, e olha, disse ele.
E colocou a galinha sobre a mesa,
ordenando:
— Põe!
Tantas vezes repetiu esta palavra,
quantas a galinha deitou um ovo de ouro.
Com a venda daqueles ovos, possuiu
meios para viver feliz e tranquilamente com sua mãe.
***
Alguns meses mais tarde, teve
novamente desejos de subir pelo pé de feijão, e arrebatar algum outro tesouro
ao feroz gigante.
Quis regressar ao estranho país,
onde tivera tão vivas emoções.
Disfarçou o rosto, vestiu uma roupa
que nunca tinha usado, e persuadido de que ninguém seria capaz de reconhecê-lo,
acordou muito cedo, desceu ao jardim, e subiu pelo pé de feijão.
Chegando ao termo da sua excursão,
estava cansado e tinha fome. Sentou-se algum tempo sobre a pedra, e depois
dirigiu-se para a residência do gigante.
Como da primeira vez, a mulher
estava à porta. Ele invocou a sua comiseração, dizendo-lhe que estava a morrer
de fome, e que se achava fatigadíssimo.
Ela contou-lhe o mesmo que da
primeira vez — que seu marido era um gigante antropófago. Acrescentou que, uma
noite, dera hospitalidade a um rapaz, e que o ingrato partira, levando um dos
tesouros da casa. Desde esse dia, seu marido a maltratava barbaramente,
censurando-a sempre por ter dado hospitalidade a um vagabundo.
Oscar associou-se aos seus pesares,
e falou-lhe de tal arte, que ela se comoveu, acabando por lhe conceder pousada.
À hora do costume, o gigante
entrou, e a mulher escondeu o rapaz.
O antropófago sentou-se, sempre
fazendo grande barulho.
— Mulher estou sentindo cheiro de
carne fresca!
— São os restos da carcaça que os
corvos trouxeram para cima do telhado. Sossegue, que vou preparar a ceia.
Enquanto fazia aquele serviço, o
gigante descompunha-a, e ameaçava-a com pancadas, dizendo que jamais se
consolaria da perda da galinha.
Quando terminou a sua ceia
colossal, ordenou-lhe:
— Traze-me alguma coisa para me
divertir. A minha harpa... não os meus sacos de ouro, que são mais pesados...
Ela obedeceu, e aproximou-se,
curvada ao peso de dois enormes sacos, cheios de moedas de ouro.
O gigante entornou-as sobre a mesa,
e pôs-se a contá-las, e tilintá-las, dizendo:
— Vai-te embora.
Do lugar onde se achava, o moço
viu-o deleitar-se, com alegria de avarento, e desejava retomar aquele dinheiro,
sabendo-o parte da fortuna de seu pai.
Depois de ter contado e recontado,
o gigante encheu os dois sacos, e colocou-os a seu lado, vigiados por um feroz
cão de fila.
Em seguida adormeceu, e o seu
ressonar parecia-se com o rugido do oceano revolto.
Oscar saiu, e o cachorro pôs-se a
latir furiosamente. Por felicidade, não acordou o amo, e o moço atirou-lhe um
pedaço de carne.
Então, apanhou os dois sacos, e
carregou-os. Estavam tão pesados, eram tão grandes, que lhe foram precisos dois
dias e duas noites, para chegar.
***
Passado algum tempo, desejou
empreender mais uma das suas aventurosas expedições e começou a ascensão.
Avistou a mulher do gigante à porta
da casa, e tão bem disfarçado estava que absolutamente não foi reconhecido.
Assim que, dirigindo-lhe a palavra,
lhe pediu hospedagem, ela disse em tom resoluto que não podia concedê-la.
Contou-lhe o que havia ocorrido nas duas vezes anteriores, e protestou que
nenhum desconhecido entraria mais em sua casa.
Oscar suplicou tão humildemente,
que ela acabou por ceder, e escondeu-o num caldeirão.
— Sinto cheiro de carne fresca,
mulher! — berrou o gigante, entrando. E começou a procurar por toda a casa.
Felizmente, não levantou a tampa do caldeirão, e, desanimado, foi sentar-se.
Acabando de cear, mandou buscar a
sua harpa. Tendo-a colocado sobre a mesa, ordenou:
— Toca!
A harpa começou a vibrar sozinha
uma música deliciosíssima.
O jovem, que era músico, ficou
entusiasmado e desejou aquele divino instrumento.
Enquanto as cordas continuavam a
vibrar, o gigante adormeceu. A mulher, segundo o seu costume, já se tinha recolhido.
Oscar saiu do caldeirão, e
arrebatou a harpa. Mas, assim que lhe pôs a mão em cima, ela bradou como se
fosse uma pessoa viva:
— Socorro! Socorro! Estão me
levando!
A esse apelo, o gigante acordou, e
viu Oscar que fugia à toda pressa, levando o instrumento mágico.
— Ah! ladrão! — exclamou o gigante
furioso, — foste tu que me roubaste a minha galinha e os meus sacos de ouro!
Espera, que te agarrarei, e te comerei vivo!!
Mas cambaleava, bêbado, ao passo
que o mocinho tinha o pé ligeiro. Correu até o pé de feijão, e começou a descer
velozmente, sempre agarrado com a harpa, que não cessava de tocar, até que ele
disse:
— Basta!
Chegou ao jardim e viu sua mãe.
— Mamãe! mamãe! dê-me um machado,
depressa! depressa!
Sabia que não tinha um minuto a
perder, porque o gigante também descia.
Mas o moço começou a cortar
vigorosamente com o machado o pé de feijão e derrubou-o.
O gigante caiu ao chão, para nunca
mais se erguer.
Então, apareceu a boa fada, que
explicou à mãe de Oscar as aventuras de seu filho, e o pé de feijão desapareceu.
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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