5/05/2025

O urso e a carriça (Conto), de Figueiredo Pimentel


O URSO E A CARRIÇA

O urso e o lobo passeavam de braço dado pelo bosque, quando ouviram o canto de uma ave.

— Compadre lobo — disse o urso, — quem é que canta assim tão bem?  

— É o rei das aves — respondeu o lobo. — É preciso ir cumprimentá-lo.

Era a carriça que estava cantando.

— Nesse caso, disse o urso, — Sua Majestade deve ter um lindo palácio. Ensina-me onde é.

— Esperemos pela rainha, que não tarda do passeio.

Pouco depois apareceram a rainha e o marido, que vinham com uns bichinhos no bico, para os filhos. O urso ia segui-los, quando o lobo lhe disse:

— Esperemos que saiam.

Repararam bem no lugar onde estava o ninho, e foram para diante. Mas o urso não descansou enquanto não voltou. Como o rei e a rainha tinham saído, deitou os olhos para o ninho, e viu dentro uns cinco ou seis passarinhos.

— Então, isto é que é palácio? — exclamou o urso. — Vocês não são filhos do rei, mas sim uns bichos muito feios!...

— Não somos filhos do rei! Ah! não somos! Pois deixa estar que o pagarás, assim que nosso pai voltar!

— O lobo e o urso, ouvindo aquelas palavras, começaram a correr e foram se meter na toca.

Os passarinhos continuaram a gritar e a fazer algazarra.

Quando os pais voltaram, disseram-lhes que o urso lhes havia chamado feios e que não eram filhos do rei.

— Não comeremos um só bocadinho do que vosmecês nos trazem, enquanto o urso não for castigado.

— Deixem estar, que isso não tardará — respondeu o pai.

E voando com a mulher até a toca do urso gritou:

— Grande resmungão, por que é que feste insultar meus filhos? Há de sair cara a brincadeira, porque de hoje em diante a guerra está declarada entre nós.

O urso, no dia seguinte, chamou em seu socorro todos os quadrúpedes.

A carriça reuniu tudo quanto voa, não só as aves pequenas e as grandes, como os insetos com asas.

Na véspera da grande batalha, a carriça enviou espiões, para saber quem era o general do exército inimigo; o mosquito era o mais esperto de todos. Voou até o bosque, onde os inimigos se reuniam, escondendo-se debaixo de uma folha e ouviu o urso dizer:

— Comadre raposa, tens fama de esperta e ladina, serás tu o general.

— Com muito gosto — respondeu a raposa.

— Mas, qual será o sinal por que havemos de nos guiar?  

— Ouçam: tenho a cauda, como sabem, muito grande e felpuda; pois bem: enquanto eu a conservar suspensa, vocês caminhem para a frente, é sinal de que as coisas vão correndo razoavelmente. Mas, se a abaixar, quer dizer que a história não cheira bem, e, então, pernas para que vos quero, é tratar cada um de se pôr ao fresco!

Era o que o mosquito queria ouvir. Daí a pouco a carriça sabia tudo.

Apenas rompeu a aurora, todos os bichos correram para o campo de batalha, e iam tão depressa, que a terra tremia. A carriça, apareceu também nos ares, voando com o seu exército, que zumbia a meter medo.

— Maribondo: pousa na cauda da raposa, e espeta-lhe o ferrão com toda a força!...

O maribondo assim fez. A primeira ferroada, a raposa estremeceu, mas não baixou a cauda; à segunda, baixou-a um pouquinho; à terceira não pode mais; meteu-a entre as pernas, e desatou a fugir, a gemer e a gritar com a dor. Os animais, assim que viram o general fugir, largaram também a correr, sem haver quem pudesse contê-los. Quem ganhou a batalha foi, pois, a carriça.

O rei e a rainha das aves voaram logo para o ninho, e gritaram de longe  para os filhinhos:

— Vencemos! vencemos! toca a beber e a comer com alegria!

— Não, senhor, não comeremos, nem beberemos, enquanto o urso não viver a pedir perdão do que nos disse.

A carriça foi ter com o urso e disse-lhe:

— Sabes que mais velho resmungão? Tens de vir comigo pedir desculpa a meus filhos do que lhes disseste. Se não vens, e já, depois não te queixes!

O urso foi muito humilde, e de rastos pedir desculpas aos filhos da carriça, que deram nesse dia um grande banquete a todas as aves.

 

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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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