Tomás — o bom mestre-escola da
aldeia, uma ocasião achava-se em aula com os discípulos, que se compraziam em
escutá-lo, porque as suas lições eram ao mesmo tempo agradáveis e instrutivas.
Nesse dia entretinha-os falando
sobre a boa e a má consciência e as vozes secretas do coração.
Quando acabou, disse:
— Qual de vós poderia fazer-me uma
comparação justa sobre o que acabo de explicar?
Um dos discípulos ergueu-se, e
falou:
— Parece-me que posso, mas não sei
se será justa.
— Vejamos, meu filho — replicou com
bondade.
O rapazinho exprimiu-se nos seguintes
termos:
— Comparo a paz da boa consciência
e o desassossego de espírito, ao caminho que segui, em duas ocasiões
diferentes. Quando os soldados inimigos passaram por aqui pela nossa aldeia,
apoderaram-se violentamente de papai, e levaram-no. Mamãe chorava e
desolava-se, e nós também chorávamos. Ela enviou-me à cidade, para saber
notícias. Não o encontrei, e regressei como o coração aflito e amargurado. Foi
por uma noite fria de inverno. O vento gemia, perpassando por entre as elevadas
franças dos altos pinheiros. Eu vinha pensando que talvez nunca mais tornasse a
ver meu bom pai, e não sabia como anunciar a mamãe o triste resultado da
viagem. Essa noite escuríssima e tenebrosa causava-me grande pavor, e o ruído
das folhas secas, levadas em turbilhão pela ventania, fazia-me estremecer.
Imaginava comigo mesmo que assim deve sofrer um homem que tem uma consciência
má.
— Menino! — exclamou o professor. —
Alguém de vós quereria, no meio de uma noite assim terrível, ir procurar seu
pai, não encontrá-lo, e escutar vozes das bestas feras, casadas às vozes do
temporal?!
— Oh! não, não! — balbuciavam os
alunos com arrepio de medo.
O jovem discípulo prosseguiu:
— Outra vez eu seguia o mesmo
caminho, com minha irmã. Voltávamos da cidade e trazíamos muitos presentes bonitos,
para fornecermos à mamãe, no dia de seus anos. Era por uma belíssima noite de
primavera. O céu estava sereno e claro. Fazia um luar esplendido. Por toda a
parte reinava a mais absoluta calma. No silêncio dessa noite formosa e serena,
escutava-se apenas o murmúrio do regato, serpenteando à beira do caminho, e o
canto do rouxinol trinando na mata. Eu e minha irmã caminhávamos tão contentes,
que não podíamos falar. O nosso querido pai veio ao nosso encontro, e eu
pensei: Deve gozar essas mesmas sensações o homem que tem uma boa consciência.
— São justas e muito próprias ambas
as tuas comparações, meu filho! — disse o professor.
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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