5/03/2025

Os seis companheiros (Conto), de Figueiredo Pimentel


OS SEIS COMPANHEIROS

Venâncio era um homem que tinha muita habilidade para todos os ofícios.

Fez-se soldado e portou-se como um herói. Acabada a guerra, deram-lhe baixa e algum dinheiro, para gastar no caminho e voltar à terra. Como não ficasse contente, jurou consigo que, se encontrasse companheiros, havia de obrigar o rei a lhe dar todos os tesouros do reino.

Caminhou para a floresta, onde viu um homem que acabava de arrancar seis grandes árvores com a mão, como se fossem raminhos de erva.

Perguntou-lhe:

— Queres vir comigo e ser meu criado?

— Pois sim — disse o outro; — mas primeiro preciso levar à minha mãe este feixinho de lenha.

E tomando uma das árvores, atou-a às outras cinco, pôs o molho às costas e foi andando para casa.

Veio depois ter com seu novo amo, que lhe disse:

— Nós dois juntos havemos de levar tudo ao cabo.

Mais adiante encontraram um caçador, de joelhos, a fazer pontaria com a espingarda.

— Para onde estás apontando?  

O outro respondeu-lhe:

— É uma mosca que está pousada a duas léguas daqui, em cima de um ramo de carvalho. Quero ver se lhe acerto com o chumbo no olho esquerdo.

— Vem comigo — disse-lhe o soldado; — nós três juntos havemos de levar tudo ao cabo.

O caçador foi com eles, e encontraram sete moinhos de vento com as velas a girar com muita rapidez. No entanto, não se sentia sopro algum de vento, da direita, nem da esquerda, e nenhuma folha mexia.

O soldado disse:

— Não sei como é que estes moinhos podem andar, se não venta.

Duas léguas mais longe viram um homem em cima de uma árvore; tinha o nariz tapado de um lado e com a outra venta soprava.

— Que diabo estás tu a soprar aí em cima?  

— A duas léguas daqui há sete moinhos de vento; como vê, estou a soprar para os fazer andar à roda.

— Vem comigo. Nós quatro juntos havemos de levar tudo ao cabo.

O homem do sopro desceu da árvore e foi com eles.

Dalí a pedaço, viram um homem que se sustinha em cima de uma perna só; havia despregado a outra, e tinha-a no chão, ao lado.

— Aqui está um homem, que com certeza tem vontade de descansar.

— Sou andarilho, e para não correr demais, despreguei uma das pernas; quando ando com ambas, passo adiante das andorinhas.

— Vem comigo. Nós cinco juntos havemos de levar tudo ao cabo.

Foi com eles, e logo depois encontram um homem que tinha um chapeuzinho posto à banda, mesmo em cima da orelha.

— Há de que desculpar que lhe diga, mas era melhor que endireitasse o chapéu, porque assim parece um palhaço.

— Não se importe que faça tal coisa. Quando ponho o chapéu direito, vem um frio tão grande, que os pássaros gelam no ar e caem mortos no chão.

— Então, vem comigo. Nós seis juntos havemos de levar tudo ao cabo.

Os seis companheiros prosseguiram na jornada e entraram na cidade, onde o rei tinha mandado apregoar que aquele que quisesse apostar com a sua filha quem correria mais, casaria com ela, se ganhasse; mas teria a cabeça cortada, se perdesse.

O soldado apresentou-se, e perguntou se podia dar um homem em seu lugar.

— Não há dúvida — respondeu o soberano, — mas tanto sua vida como a dele, ficarão em penhor, e se perderes, corta-se a cabeça a ambos.

Combinada assim a coisa, deu ordem ao andarilho que enganchasse a outra perna, e tratasse de correr, fazendo a diligência para ganhar a aposta.

Determinou-se que ganharia quem primeiro trouxesse água de um fonte que ficava muito longe dali.

O andarilho e a filha do rei receberam cada qual o seu cântaro, e partiram ao mesmo tempo. Mal a princesa havia dado os primeiros passos, e já ninguém via o corredor, que parecia levado pelo vento. Breve chegou à fonte, encheu o cântaro e voltou para trás.

Em meio do caminho sentiu-se cansado, pôs o cântaro no chão e deitou-se, tendo o cuidado de pôr debaixo da cabeça uma caveira de cavalo, que por ali achou, para com a dureza do travesseiro, não poder dormir.

No entanto, a princesa que corria bem, chegou à fonte, e tinha-se apressado a voltar, depois de haver enchido o cântaro.

Deu com o andarilho a dormir.

— Bom! — disse ela consigo, muito contente, — tenho o inimigo nas mãos.

Vazou o cântaro do dorminhoco, e continuou.

Tudo estaria perdido, se, por felicidade, o caçador, empoleirado no alto do castelo, não tivesse visto, com os seus olhos penetrantes, aquela cena.

— Não convém que a princesa leve a melhor.

E com um tiro de espingarda quebrou, debaixo da cabeça do andarilho, sem lhe fazer mal, a caveira de cavalo que lhe servia de travesseiro.

O outro, acordando sobressaltado, viu logo que o cântaro estava vazio e que a princesa havia tomado grande distância.

Sem perder o ânimo, voltou à fonte, encheu outra vez o cântaro, e chegou ao fim da carreira com dez minutos de avanço.

— Tive que dar à perna. Em compensação, tudo o que fiz até agora, não se chama correr — disse.

O rei e a filha estavam furiosos por verem que o vencedor era um simples soldado com baixa. Resolveram dar cabo dele, e dos seus camaradas.

O rei disse à filha:

— Já achei um meio: não tenhas receio, que desta não escapam.

Com o pretexto de lhes dar um banquete, fê-los entrar para um quarto com soalho, portas e janelas de ferro. No meio havia uma mesa guarnecida de ricas iguarias.

Quando os viu lá dentro, mandou fechar e aferrolhar as portas.

Deu ordem ao cozinheiro para acender fogo debaixo do quarto, até que o soalho de ferro estivesse em brasa. A ordem foi executada, e os seis camaradas, que estavam à mesa, começaram a sentir calor. A princípio cuidaram que era por estarem a comerem muito depressa. Como o calor aumentasse cada vez mais, quiseram sair e perceberam que as portas e as janelas estavam fechadas.

— Deixem que o rei não leva a sua avante — disse o homem do chapeuzinho. — Vou fazer com que venha um frio tão grande, que o fogo não terá remédio senão recuar.

Pôs o chapéu, e fez tão grande frio, que a comida gelou.

Passadas duas horas, o convencido de que já estavam assados, mandou abrir a porta e veio em pessoa ver o que era feito deles. Achou-os todos seis muito contentes, a dizerem que estimavam muito poder sair, para irem se aquecer, porque ali fazia tanto frio, que até os pratos tinham gelado.

O rei foi ter com o cozinheiro e perguntou-lhe porque não havia executado as suas ordens.

O cozinheiro respondeu-lhe:

— Aqueci até pôr o ferro em brasa. Faça favor de ir ver.

Com efeito, o fogo era muito forte.

Querendo ver-se livre daquela gente importuna, Sua Majestade mandou chamar Venâncio:

— Se queres ceder os teus direitos à mão de minha filha, dar-te-ei todo o ouro que quiseres.

— Aceito de boa vontade, e basta que me dê o ouro que um dos meus criados puder carregar.

O rei ficou contentíssimo. O soldado disse que viria buscá-lo dentro de quinze dias.

Nesse intervalo mandou chamar à pressa todos os alfaiates do reino e contratou-os para lhe fazerem um saco.

Quando o saco ficou pronto, o valentão da companhia, que arrancava as árvores com a mão, pô-lo às costas e apresentou-se em palácio.

O soberano mandou vir um tonel, que seis homens dos mais fortes mal podiam rolar. O valentão agarrou-o e, deitando-o no saco, queixou-se de lhe haverem trazido tão pouco.

Veio sucessivamente todo o tesouro, que foi passando para o saco, sem encher nem ao menos a metade.

— Tragam mais! — gritava o valentão. — Duas migalhas não bastam para fartar um homem.

Trouxeram mais setecentos carros carregados de ouro, de todas as partes do reino, que ele meteu no saco com bois e tudo.

— O melhor — disse ele, — é deitar mão a tudo que puder apanhar, e ir metendo para o saco, até ver se assim posso enchê-lo.

Quando já lá estava tudo, ainda havia lugar, mas disse:

— É preciso por um termo a isso. Pode-se, muito bem, fechar o saco, sem estar cheio.

Dito isso, carregou-o às costas, e foi ter com os seus companheiros.

O rei, vendo que um homem só lhe levava as riquezas, ficou furioso e mandou sair a campo toda a cavalaria, com ordem de correr atrás dos seis companheiros, e lhes tirar o saco.

Pouco depois foram alcançados por dois regimentos.

— Estão presos, entreguem o saco e o ouro, senão morrerão.

— Que é lá isso? — respondeu o que assoprava. — Estamos presos? Esperem um pouco.

E tapando uma das ventas, pôs-se a soprar com a outra sobre os cavaleiros, de modo que os espalhou.

Um velho sargento-mor pediu misericórdia, alegando que tinha nove cicatrizes, e que um valente como ele não merecia ser tratado de maneira tão vergonhosa. O homem do assopro parou um instante, e o sargento caiu ao chão sem se ferir.

— Vai ter com o teu rei, e dize-lhe que ainda que tivesse mandado mais gente contra nós, eu era capaz de fazê-los dançar todos no ar.

Quando o rei soube do caso, disse:

— Deixá-los ir! Aqueles tratantes são feiticeiros.

Os seis companheiros levaram as riquezas, que repartiram entre si.



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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

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