Wenceslau e Bonifácio,
encontraram-se uma vez na estrada. Moradores ambos na mesma aldeia,
conhecendo-se desde muitos anos, porque a fortuna não lhes sorria, iam em busca
de sorte mais propícia. O primeiro guiava um burro carregado de fazendas, que
ia vender de vila em vila, e Bonifácio, pobre, caminhava sozinho, arrastando
grosso cacete.
Propuseram-se seguir viagem juntos,
e começaram a jornadear, conversando sobre as dificuldades de vida com que
lutavam, lastimando se o segundo, como sendo tão trabalhador, acordando sempre
muito cedo, mourejando incansavelmente, nunca saía da miséria.
— Mais vale quem Deus ajuda, do que
quem cedo madruga... — disse sentenciosamente Venceslau.
— Qual! — retorquiu o outro. — Mais
vale quem cedo madruga. Deus não se mete cá nos negócios da gente!
— Longo tempo discutiram, enquanto
caminhavam.
Nenhum se convencia da opinião
contrária, e para que aquilo se não prolongasse, apostaram. Colheriam a opinião
da primeira meia dúzia de pessoas que encontrassem, perdendo Venceslau o burro
e as mercadorias, se a maioria não fosse da sua opinião.
Um por um, foram consultados seis
homens com quem sucessivamente toparam. Bonifácio era quem fazia a pergunta, e
como indagava com a voz arrogante, manejando o grosso cacete, eram todos da sua
opinião mais vale quem cedo madruga, do que quem Deus ajuda.
Em vista disso, Venceslau, perdendo
a aposta, não teve remédio senão entregar o animal e as fazendas ao
companheiro, que seguiu satisfeitíssimo, separando-se dele.
Mas nem por isso desanimou, embora
se sentisse triste, lembrando-se que perdera o fruto de anos de trabalho e
economia.
Ao anoitecer, morto de fadiga,
deitou-se sobre uma grande pedra, que havia no meio do caminho, dentro de uma
sorte de gruta natural. Achava-se dormindo tranquilamente, quando ouviu um
grande barulho de passos e vozes que discutiam.
Receou que se tratasse de numerosa
quadrilha de ladrões e deixou-se ficar imóvel, sustendo a respiração.
Prestando ouvidos, distinguiu o que
se dizia. Era um conclave de demônios, que ali se reuniam todas as noites, em
assembleia, para tratarem de negócios e discutirem.
— Por que razão será que a cidade
de Santanópolis está flagelada por uma terrível seca? — indagou um deles. — Não
há meio de aparecer água, em parte alguma, por mais que os engenheiros estudem
e trabalhem.
— Fui eu quem encantou a cidade — respondeu
o capaz dos diabos. — Para aparecer, basta que uma pessoa bata com um martelo
na pedra que existe na montanha, e logo jorrará uma fonte abundantíssima.
Ninguém sabe porém, o segredo, e Santanópolis continuará a ser vitimada.
— E porque é que a filha do rei
está doente, quase a morrer? Todos os médicos têm sido chamados e nenhum deles
atina com a moléstia. O soberano está desesperado...
— Ora! Os médicos são uns
ignorantes de marca maior — retorquiu o príncipe das trevas. — A jovem princesa
tem uma solitária. Se a mergulharem dentro de uma tina de leite, a bicha atraída
pelo cheiro, sairá e ela ficará completamente restabelecida.
Venceslau ouviu tudo. Durante muito
tempo os demônios continuaram a confabular, mas nada mais disseram de
interessante.
Pela manhã, assim que rompeu a
aurora, os diabos fugiram. Venceslau levantou-se, e dirigiu-se para
Santanópolis.
Aí chegando, certificou-se da seca,
e dirigindo-se aos engenheiros do governo, propôs-lhes abastecer a cidade,
dentro de cinco minutos se lhe dessem grande quantia.
Aceita a proposta, fez retirar
todos os operários, bateu com o martelo na pedra, e a água correu.
A cidade estava de luto. Reinava o desespero,
porque a jovem princesa, amada por todos, boa, meiga, virtuosa e pura,
agonizava. O soberano havia prometido todas as honras e grande fortuna, a quem
a salvasse.
Venceslau apresentou-se, fingiu que
examinava a enferma, e declarou que estava com solitária. Mandou vir leite, com
que encheu uma banheira, e nela mergulhou a moça.
Atraída pelo cheiro, a solitária
começou a sair — mais de vinte metros tinha a bicha. Desde logo a princesa
voltou à vida, e sentiu-se bem disposta, jantando com devorador apetite.
O rei, agradecido, concedeu ao
aldeão carta de nobreza, e deu-lhe imensos tesouros.
Voltava ele para a sua aldeia, rico
e feliz, quando se encontrou com Bonifácio. O companheiro estava em estado deplorável,
abatido, prostrado, na mais completa miséria.
Fora atacado por bandidos, que lhe
roubaram tudo quanto possuía e não conseguiu achar trabalho em parte alguma.
Mas não se achava curado ainda, e repetiu:
— Mais vale quem cedo madruga, do
que quem Deus ajuda.
Venceslau contou-lhe as suas
felicidades, e ele resolveu ir pernoitar na gruta de pedra, esperando ouvir a
conversa dos demônios.
Achava-se instalado, quando
chegaram os diabos. Antes de começarem a assembleia, disse o chefe:
— Acho bom examinarmos se haverá
por acaso algum indiscreto, ouvindo-nos. Em Santanópolis já há água, e a filha
do rei está curada. Com certeza foi alguém que ouviu a nossa conversa, na
última reunião.
O desgraçado não pode fugir.
Os demônios, encontrando-o,
moeram-no de pancadas; e o pobre aldeão, agonizando, exclamou, a expirar:
— Ah! Venceslau tinha razão! Mais
vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga!...
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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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