O Rouxinol e a Rosa, de Oscar Wilde
Tradução: Sylvia
Patrícia. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
"Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas" — exclamou o jovem Estudante — "mas em todo o meu jardim não há nenhuma rosa vermelha."
"Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas" — exclamou o jovem Estudante — "mas em todo o meu jardim não há nenhuma rosa vermelha."
Do seu ninho de verde
carvalho ouviu-o o Rouxinol, e olhou-o através da folhagem e se espantou.
"Nenhuma rosa
vermelha em todo o meu jardim", exclamou o Estudante, e seus belos olhos se
encheram de lágrimas. "Ah, como a felicidade depende de pequenas coisas!
Li tudo quanto escreveram os sábios, e são meus todos os segredos da filosofia:
no entanto, por causa de uma rosa vermelha, desventurada é toda a minha
vida."
"Eis enfim um
verdadeiro apaixonado", disse o Rouxinol. "Noite após noite eu o
cantei, embora não o conhecesse; noite após noite narrei às estrelas a sua
história, e agora o vejo. Sua cabeleira é sombria qual a flor do jacinto, e
seus lábios são vermelhos qual a rosa de seu desejo; mas a paixão tornou-lhe o
rosto semelhante ao pálido marfim e o desgosto marcou-lhe a fronte."
"O Príncipe dá
um baile amanhã à noite", murmurou o jovem Estudante, e meu amor estará
presente. Se eu lhe levar uma rosa vermelha, ela dançará comigo até pela
madrugada. Se eu lhe levar uma rosa vermelha, eu a terei nos braços e ela
reclinará a cabeça sobre o meu ombro, e minha mão apertará a sua mão. Mas não
há rosas vermelhas no meu jardim, e assim ficarei sentado sozinho e ela
passará diante de mim. Ela não me dará nenhuma atenção e o meu coração se partirá."
"Eis realmente
um verdadeiro apaixonado", diz o Rouxinol. "O que eu canto, ele
sofre; o que para mim é alegria, para ele é dor. Por certo, o Amor é
maravilhoso. É mais precioso que as esmeraldas e mais caro do que as finas
opalas. Nem pérolas, nem rubis podem comprá-lo, não é exposto nos mercados. Os
negociantes não podem adquiri-lo e também não pode ser pesado na
balança."
"Os músicos
estarão sentados em sua galeria", diz o jovem Estudante, "e tocarão
sobre seus instrumentos de cordas, e meu amor dançará ao som da harpa e do
violino. Ela dançará tão levemente que seus pés não tocarão o chão, e os
cortesãos de alegres roupagens hão de rodeá-la. Mas comigo ela não dançará,
porque eu não tenho uma rosa vermelha para dar-lhe" — e ele atirou-se no
gramado e ocultou o rosto nas mãos e chorou.
— "Por que chora
ele?", indagou o pequeno Lagarto verde, passando rápido ao seu lado, o
rabinho para o ar.
— "Por que, com
efeito?", disse uma Borboleta que revoava perto de um raio.
— "Sim, por
quê?", murmurou a Margarida à sua vizinha, numa voz baixa e doce.
— "Ele chora por
uma rosa vermelha", disse o Rouxinol.
— "Por uma rosa
vermelha?", exclamaram todos — "que coisa ridícula!"
E o pequeno Lagarto
que era ligeiramente cínico, riu alto.
Mas o Rouxinol
compreendia o segredo da dor do Estudante, e permaneceu silencioso no
carvalho, e pensou no mistério do Amor.
De repente, estendeu
suas asas escuras a fim de voar, e rumou para os ares. Atravessou o bosque
qual uma sombra, e qual uma sombra revoou sobre o jardim.
No meio do gramado
erguia-se uma bela roseira, e logo que ele a viu foi pousar sobre um galho.
— "Dá-me uma rosa
vermelha!" exclamou, "e eu te cantarei a minha mais linda
canção."
Mas a Árvore sacudiu
a cabeça.
— "Minhas rosas
são brancas", respondeu; "brancas como a espuma do mar e mais
brancas do que a neve sobre a montanha. Mas vai procurar minha irmã que cresce
junto ao velho quadrante solitário, e talvez ela te dê o que desejas."
Voou o Rouxinol
para a Roseira que crescia junto ao velho quadrante solitário.
— "Dá-me uma
rosa vermelha", exclamou, "e eu te cantarei a minha mais doce
canção."
Mas a Árvore sacudiu
a cabeça.
— "Minhas rosas
são amarelas", respondeu ela, "amarelas qual a cabeleira da sereia
sentada sobre o trono de âmbar, e mais amarelas do que o asfódelo que floresce
no prado antes que os ceifadores venham com suas foices. Mas vai procurar minha
irmã que cresce sob a janela do Estudante e talvez ela te dê o que
desejas."
E o Rouxinol voou
para a Roseira que crescia sob a janela do Estudante.
— "Dá-me uma
rosa vermelha", exclamou, "e eu te cantarei a minha mais doce
canção."
Mas a Árvore sacudiu
a cabeça.
"Minhas rosas
são vermelhas", respondeu, "vermelhas como os pés da pomba, e mais
vermelhas do que os grandes leques que se agitam sem cessar na caverna do
Oceano. Mas o inverno gelou-me as veias, e o granizo murchou meus botões e a
tempestade quebrou-me os galhos, e não terei rosas todo este ano."
— "Uma única
rosa vermelha é tudo quanto eu desejo", exclamou o Rouxinol, "uma
única rosa vermelha! Não há um meio pelo qual a possa obter?"
— "Há um
meio", respondeu a Árvore, "mas é tão terrível que nem ouso
dizê-lo."
— "Dize-o",
tornou o Rouxinol, "não tenho medo."
— "Se desejas uma rosa vermelha", disse a Árvore, "deves criá-la com música ao luar e tingi-la do sangue de teu próprio coração. Deves cantar para mim com teu coração espetado num dos meus espinhos. Toda a noite deves cantar para mim, e o espinho deve penetrar-te o coração, e o sangue de tua vida deve correr em minhas veias e tornar o meu sangue."
— "Se desejas uma rosa vermelha", disse a Árvore, "deves criá-la com música ao luar e tingi-la do sangue de teu próprio coração. Deves cantar para mim com teu coração espetado num dos meus espinhos. Toda a noite deves cantar para mim, e o espinho deve penetrar-te o coração, e o sangue de tua vida deve correr em minhas veias e tornar o meu sangue."
— "A morte é um
grande preço a pagar por uma rosa vermelha", exclamou o Rouxinol, "e
a vida a todos é cara. É agradável permanecer no verde bosque e olhar o Sol em
sua carruagem de ouro e à Lua em sua carruagem de pérola. Doce é o perfume da
roseira silvestre e doces são as campânulas que se ocultam no vale, e a relva que
ondula sobre a colina. No entanto o Amor é melhor do que a Vida, e o que é o
coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?"
Estendeu pois suas
asas escuras e elevou o voo rumando os ares. Qual uma sombra passou sobre o
jardim, e qual uma sombra revoou sobre o bosque.
O jovem Estudante estava
ainda estendido sobre a relva, onde ele o tinha deixado, e as lágrimas não
haviam ainda secado em seus belos olhos.
— "Sê
feliz", gritou o Rouxinol, "sê feliz; terás a rosa vermelha. Eu a
criarei com música do luar, e a tingirei do sangue de meu próprio coração.
Tudo quanto em troca te peço, é que sejas um verdadeiro amoroso, porque o Amor
é mais sábio do que a Filosofia, embora seja esta sábia, e mais forte do que o
Poder, embora este seja forte. Cor de flama são suas asas, e colorido qual a
flama é o seu corpo. Açucarados qual o mel são os seus lábios, e seu hálito
assemelha-se ao incenso."
O Estudante olhou da
relva onde estava deitado, e escutou, mas não pôde compreender o que lhe dizia
o Rouxinol, porque ele sabia apenas as coisas que estão escritas nos livros.
Mas o Carvalho
compreendeu, e se sentiu triste, porque muito amava o pequeno Rouxinol que
havia construído o ninho entre seus galhos.
"Canta-me uma
última canção", murmurou ele, "porque hei de me sentir bem sozinho
quando partires."
O Rouxinol cantou,
pois, para o Carvalho, e sua voz era como a água espalhando-se, cheia de
bolhas, numa jarra de prata.
Quando terminou a sua
canção, o Estudante levantou-se e tirou do bolso, um caderninho e um
lápis.
"Ele tem
forma", disse consigo deixando o bosque, "isto não se pode negar;
mas terá sentimento? Receio que não. É aliás, como todos os artistas, todo
estilo, sem nem uma sinceridade. Não se sacrificaria por outrem. Pensa apenas
em sua música, e todo mundo sabe que as artes são egoístas. No entanto, é
preciso admitir que ele possui belas notas na voz. Que pena que elas coisa
alguma signifiquem, que não façam nenhum bem prático." E ele entrou em seu
quarto, e deitou-se na rústica cama, e se pôs a pensar em seu amor, e
depois de algum tempo adormeceu.
E quando a Lua
brilhou nos céus, o Rouxinol voou para a Roseira, e apoiou seu peito contra o
espinho. Toda a noite ele cantou com o peito espetado contra o espinho, e a fria Lua
cristalina inclinou-se e escutou-o. Toda a noite ele cantou, e o espinho foi
penetrando mais e mais em seu peito, e assim expandiu-se o sangue de sua vida.
Ele cantou primeiro o
nascimento do amor no coração de um rapaz e de uma adolescente. E no mais alto
galho da Roseira floriu, pétala por pétala, uma maravilhosa rosa, à medida que
uma canção seguia outra canção.
Era pálida a
princípio, qual a bruma que se espalha sobre o rio, — pálida como os pés da
manhã, e prateada como as asas da aurora. Assim como a sombra de uma rosa num
espelho de prata, assim como a sombra de uma rosa num tanque, era a rosa que
floria no mais alto galho da Árvore.
Mas a Árvore gritou
ao Rouxinol que se apoiasse com mais força sobre o espinho, e mais sonora ainda
tornou-se a canção. E de novo a Árvore gritou:
"Apoia-te mais
fortemente ainda, pequeno Rouxinol, ou chegará o dia sem que a rosa esteja
terminada."
Com mais força
apoiou-se o Rouxinol; mais sonoro tornou-se o gorjeio, porque ele cantava o
nascimento da paixão no coração de um homem e de uma virgem.
Um delicado rubor
tingiu as folhas da rosa, qual o rubor no rosto do noivo quando beija os lábios
da noiva. Mas o espinho não havia atingido ainda o coração do pássaro, de modo
que o coração da rosa permaneceu branco, pois só o sangue vital de um rouxinol
pode empurpurar o coração de uma rosa.
E a Árvore gritou ao
Rouxinol que se apoiasse com mais força contra o espinho. "Mais força,
pequeno Rouxinol", gritou a Árvore, "ou chegará o dia antes que a
rosa esteja terminada."
O Rouxinol apoiou-se
com mais força contra o espinho, e o espinho tocou-lhe o coração, e
dilacerou-o um brutal estremecimento de dor. Amarga, amarga era a dor, e cada
vez mais selvagem tornou-se a sua canção, porque ele cantava o Amor que se
completa pela Morte, o Amor que não morre na campa.
E a rosa maravilhosa
tornou-se purpurina, qual o róseo do céu oriental. Purpúrea era a cercadura
das pétalas, e purpúreo qual um rubi era o coração.
Mas tornou-se débil a
voz do Rouxinol, e suas asinhas se puseram a bater, e uma película cobriu-lhe
os olhos. Cada vez mais fraco era o seu gorjeio, na garganta sentia ele
qualquer coisa que o sufocava.
Exalou então uma
derradeira melodia. Ouviu-o a Lua branca, e se esqueceu da aurora, e se
demorou no céu. Ouviu-o a rosa vermelha, e de êxtases toda ela estremeceu, e
abriu suas pétalas ao ar frio da manhã. Levou-o o Eco até a sua caverna
violeta, lá nas montanhas, e arrancou a seus sonhos os pastores adormecidos.
Ondulou até aos caniços do rio, que levaram ao mar a mensagem.
"Vê! Vê!",
gritou a Árvore, "a rosa está agora terminada"; mas o Rouxinol não
deu resposta, porque jazia morto na alta relva, o espinho em seu coração.
E ao meio-dia o
Estudante abriu a janela e olhou para fora.
"Oh! que sorte
extraordinária", exclamou, "eis uma rosa vermelha! Jamais vi uma
rosa igual em toda a minha vida. É tão bela que por certo tem um nome
latino." E ele se debruçou e colheu-a.
Então pôs o chapéu e
correu à casa do Professor, a rosa na mão.
A filha do Professor estava sentada junto à porta, enrolando seda azul em torno de uma bobina, seu
cãozinho estava deitado a seus pés.
"Você disse que
dançaria comigo se eu lho trouxesse uma rosa vermelha", exclamou o
Estudante. "Aqui tem a mais vermelha rosa do mundo. Você a trará esta
noite sobre o coração, e enquanto juntos dançarmos ela há de dizer-lhe o quanto
a amo".
Mas a moça franziu a
sobrancelha.
"Receio que ela
não vá bem com o meu vestido", respondeu, "e aliás o sobrinho do
Chanceler enviou-me joias verdadeiras, é sabido que as joias custam mais caro
do que as flores".
"Como você é
ingrata", disse colérico o Estudante. E atirou a rosa à rua, onde ela
caiu na sarjeta e onde a roda de uma carrocinha passou por cima dela.
"Ingrata?",
retorquiu a moça. Você é que é muito grosseiro. E afinal de contas, quem é
você? Nada mais que um estudante. Acho mesmo que nem tem fivelas de prata nos
sapatos, como o sobrinho do Chanceler." E levantando-se da cadeira,
entrou em casa.
"Que coisa tola
é o Amor", disse o Estudante afastando-se. "O Amor não possui nem a
metade da utilidade da Lógica, porque ele nada prova, fala todo o tempo de
coisas que não acontecem, e faz crer em coisas que não são verdadeiras. Em
verdade, o Amor não é prático, e como em nossa época tudo consiste em ser
prático, voltarei para a Filosofia, e estudarei a Metafísica."
Voltou pois para o seu quarto,
tomou um grosso volume empoeirado e se pôs a ler.
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