5/28/2017

A respeito de "A bico de pena" de Coelho Neto


"A bico de pena" — Coelho Neto

Escrito em 1904 por Walfrido. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica  de Iba Mendes (2017)

De Coelho Neto, que digo eu? A bico de pena, que o Chardron editou lindamente, é ainda do esteta do Sertão, do cerebral da Conquista. Quero dizer que aquele estranho, aquele mole engranzador de frases inermes, de frases mudas do Pendjab desapareceu. É isso a bem da sua obra primacial, da sua rutilante arte. Aquela multifária e estonteada estroinice que produziu uma meia dúzia de livros maus, nefastos, prejudiciais da reputação de um admirável artista, deu o lugar ao trabalho sério, pensado, forte e magnífico com que Coelho Neto, assim, lançou, facilmente, aos perversos e descrentes da sua força, a prova do seu talento, do seu poder de criação, porque das suas rebrilhantes faculdades de estilo ninguém se mexeu a duvidar. Da sua livraria, feita com sacrifício de paciência, de calma, de tempo, de responsabilidade, a minha sensação foi de mágoa, de dor mordente. Não obstante, eu tive sempre juízo para ver, nesse esforço de inutilidade, a feroz utilidade de ganhar, de pegar o pão, que, de fato, meus senhores, só se pega com dinheiro que, por seu lado, não espera "o malvado" pela consumação da glória... Desse feitio, se explica o que ele fez, aliás, com prodígio, e isso, que foi efêmero não esbarra, afinal, um triunfo. Coelho Neto, com uma das suas resplandecentes páginas, desvela o artista, sabendo pensar e sabendo dizer. Noutro tempo, eu diria ou, antes, eu disse da sua produção literária, o que, em Portugal, se gritou do general Latino: um estilo à procura de assunto. É que eu cheguei a conhecer o nosso escritor, na época em que se espatifava. Depois, sem o desânimo de que eu poderia, com razão, ser presa, tentei a leitura de outros livros, até que, ao Sertão, me convenci do artista, da sua capacidade, do seu espírito. Hoje, porém, Coelho Neto é límpido, sem complexidades sublimes, sem angústias angustiantes, é o mestre que eu antevia e surpreendia em páginas que se apagavam escondidas, vencidas pela frouxidão da fancaria, pelo despejo da tonteria. Nesse livro, que noticio, a leitura é um regalo, as crônicas que o enchem, que o avolumam, são lindas. O estilo é simples, simplesmente belo; exala a mesma doce beleza do Mistério do Natal, que, agora, eu venho a ler, todas as manhãs, em assunções de fé. O preciosismo vocabular, que já me seduziu também, passou. Os assuntos são vivos, interessam, e são até da mais árida prática.
Leiam os Lavradores, a extraordinária, a penetrante lavra do Paradoxo Contemporâneo, e pela delicadeza, e pela sugestiva bondade da fôrma, as Árvores, Ney, Romance triste, etc. Neto é um artista porque sabe pensar, atingiu a uma situação ideal em arte: ser superiormente elegante, sendo superiormente correto. No Brasil, isso é avis rara.

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