O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos
fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a
quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e
amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos
fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a
quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que
esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos
frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaiece na messe o rumor da
quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e
esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos
amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos
fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio
esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios
amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos
flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os!
Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e
amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos
flóreos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da
quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contatos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos
fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crótalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E
essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo
isso esmorece!
No meu quarto uma luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos
flóreos fenos...
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O SIMBOLISMO
Os “mistérios” da realidade não podem ser explicados
pelo positivismo ou pelo materialismo: ela (a realidade) não é descrita, mas
sugerida. A obra total (l’art pour l’art)
deve resistir ao desenvolvimento da técnica. Como afirmou Walter Benjamin: “Os ritos de consagração com que a arte é
celebrada são o contrapeso da dispersão que caracteriza a mercadoria”. O
Simbolismo é, grosso modo, uma reação contra o objetivismo que conduziu a
geração realista. O subjetivismo e a introspecção são imprescindíveis ao novo
movimento literário iniciado em Portugal em 1890, com a obra Oaristos, de Eugênio de Castro.
O POETA
Eugênio de Castro é, predominantemente, um “artesão”
de imagens. Na sua concepção, todas as impressões e todos os reflexos do
universo e da própria vida podem ser transformados em Arte. Para ele, as
imagens são vivas, podem sem vistas e sentidas ao mesmo tempo. Embora a
tristeza e o pessimismo sejam observados nos seus sonetos e em outras poesias
de características amorosas, logo são transformados em pérolas. Como afirmou um
desconhecido: “Se sofre, não nos deixa
ver crispações violentas, não nos deixa ouvir gritos estrangulados, nem gemidos
arquejantes. Assistiremos antes a cortejos de imagens melancólicas de onde
apenas se erguem suspiros musicais, acompanhados de atitudes e gestos
majestosamente ou graciosamente escandidos. Não fará da lamentação individual,
da desvendada confissão das lástimas e das fraquezas próprias o fim ou o
interesse capital da sua arte”.
O POEMA
O poema UM SONHO,
embora haja divergência quanto a isto, pode ser considerado uma espécie de síntese da
vertente simbolista. Nele são observadas, se não todas, pelos menos as
principais características dessa escola literária: a tentativa de representação
e captação dos aspectos fluidos, densos e vagos da realidade; é a questão do
significante e do significado.
“O Sol, o celestial girassol, esmorece” dando lugar às
estrelas que “brilham com brilhos sinistros”. Se o Sol é o símbolo do dia, e às
estrelas são o símbolo da noite, há de se concluir que o momento em que ocorre o
sonho é o entardecer. Ainda na primeira estrofe, observa-se a predominância de
termos relacionados às cores, como por exemplo, a cor amarela em: Messe,
enlourece, girassol, sol. O verbo fugir
indica a efemeridade das cantilenas (cantiga suave), e o adjetivo fluidas reforçam essa ideia. Também
aqui é mostrada outra característica do Simbolismo, que é a predileção por
momentos nos quais a luz torna o contorno das coisas menos visível.
A musicalidade é também densa nesse poema. Aliás, não
só nesse, mas em todos os poemas simbolistas, cujo lema é “a música antes de
tudo”. A aliteração, tão comum entre os escritores simbolistas, pode ser
observada com clareza aqui: “Fogem
fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...”. Nota-se também a presença
proposital do eco: “Na messe, que
enlourece, estremece a quermesse...”. É bom ressaltar que, ao fazer uso
desses recursos, o escritor reforça a musicalidade dos versos.
O enfoque espiritualista da mulher, envolvida num
clima de sonho em que predomina o vago, o impreciso e o etéreo, também aparece
nesse poema. A mulher que habita o sonho do poeta é uma flor:
“Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos
fenos...
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor desses floridos feno...”.
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor desses floridos feno...”.
As características essenciais do Simbolismo são,
portanto, parte essencial do poema, tais como: tentativa de aproximar poesia e
música; evocação de elementos litúrgicos; retrato fiel da realidade; presença
do vago, oculto, onírico (do sonho), do concreto e do real; predomínio da
sugestão em vez da nomeação das coisas; e, finalmente, vocabulário relacionado
a nomes de cores e sensações auditivas. Há aqui, o que afirma Bárbara
Spaggiari: “A alma do poeta é como o
espelho em que se reflete a aparência superficial das coisas; a tarefa da
poesia é evocar a realidade, não só reproduzindo-lhe a beleza exterior mas
também captando a trama densa de relações que liga cada parte do universo ao
todo”.
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2001.
São Paulo, 2001.
Parabéns
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