Padre Antônio Vieira: "Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda"
O “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda” insere-se no contexto histórico da monopolização do comércio açucareiro pelos ibéricos, e o início da concorrência européia, especificamente, pelos holandeses. Ao organizar a Companhia das Índias Orientais, a Holanda aparelhava-se para enfrentar a concorrência de Portugal e Espanha que, em 1580, uniram-se formando a União Peninsular sob o domínio dos Habsburgos. O Sermão, portanto, foi escrito no último ano da dominação espanhola, ou seja, em 1640.
O “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda” insere-se no contexto histórico da monopolização do comércio açucareiro pelos ibéricos, e o início da concorrência européia, especificamente, pelos holandeses. Ao organizar a Companhia das Índias Orientais, a Holanda aparelhava-se para enfrentar a concorrência de Portugal e Espanha que, em 1580, uniram-se formando a União Peninsular sob o domínio dos Habsburgos. O Sermão, portanto, foi escrito no último ano da dominação espanhola, ou seja, em 1640.
Em 1624 houve a primeira tentativa de invasão por
parte dos holandeses na Bahia, contudo, um ano após foram vencidos pelos
portugueses. Em 1630, os holandeses empreenderam um novo esforço e conquistam
Pernambuco.
Em 1640, pela segunda vez, os holandeses tentaram
penetrar na Bahia. Foi em meio à grande alvoroço, e a uma iminente invasão dos
‘‘hereges’’ que o Padre Antônio Vieira pregou, na Igreja de Nossa Senhora da
Ajuda (nome bastante sugestivo para a ocasião) este belíssimo sermão, do qual
se segue esta breve análise.
De início o Sermão
faz alusão a um trecho dos Salmos da
Bíblia, em que o autor, pressionado pelas circunstâncias, muito mais que
clamar, ‘‘exige’’ de Deus um livramento imediato: ‘‘Desperta! Por que dormes, Senhor... Levanta-te em nosso auxílio, e
resgata-nos por amor das tuas misericórdias’’. Vieira utiliza a mesma
passagem bíblica para fazer um paralelo à situação enfrentada pelos portugueses
com a invasão holandesa.
Prosseguindo o Sermão,
Vieira menciona outra passagem das Escrituras, na qual se faz menção às
vitórias conquistadas pelos hebreus no passado, como a Conquista de Canaã e a
libertação da escravidão egípcia: ‘‘Ó
Deus, nós ouvimos com os nossos ouvidos, e nossos pais nos têm contado os
feitos que realizastes em seus dias, nos tempos da antiguidade’’. Vieira
elabora assim um confronto entre o texto bíblico e os grandes feitos ou às
proezas e conquistas dos portugueses, das quais o Brasil é uma consequência.
Ele atribui a Deus todas as vitórias de Portugal, o que remete a uma comparação
com as conquistas que os antigos israelitas empreenderam para se estabelecerem
na Terra Prometida: ‘‘Vossa mão foi a que
venceu e sujeitou tantas nações bárbaras, belicosas e indômitas, e as despojou
do domínio de suas próprias terras... e estendeu em todas as partes do mundo,
na África, na Ásia, na América’’. Desta forma, é possível deduzir que, na
visão de Vieira, foi Deus quem colaborou o tempo todo com os portugueses e, por
conseguinte, foi Ele (Deus) quem auxiliou Portugal a expulsarem os mouros da
Península Ibérica; foi Ele quem contribuiu para que Portugal conquistasse
Ceuta, a Ilha de Madeira, Açores, Cabo Bojador, Guiné, Calicute... e o Brasil
‘‘a miserável província do Brasil’’.
E se foi Deus quem os ajudou, então é perfeitamente justificável a expulsão dos
‘‘nativos indômitos’’, a sujeição das ‘‘nações bárbaras’’ e o despojo do
domínio de suas próprias terras. É a ideia de que Deus ofereceu Portugal ao
mundo, para que esse concedesse ao mundo o próprio Deus. Deste modo, a
colonização é justificada como sendo a vontade de Deus, pois estariam assim
levando ‘‘a verdadeira’’ religião “aos
bárbaros e ingênuos indígenas, ao negro e ignorante etíope desprovido de
conhecimento”.
Coteja os portugueses com Israel, quando em
peregrinação no deserto, e utiliza, para exemplificar a situação de seu povo, outra
passagem bíblica na qual os israelitas questiona os desígnios de Deus,
afirmando ser melhor ter permanecido como escravos no Egito a morrerem pelos
próprios egípcios no avassalador deserto: ‘‘Dirão
que, cautelosamente e à falsa fé, nos trouxestes a este deserto, para aqui nos
tirares a vida a todos e nos sepultares’’. E queixando-se perante Deus, declarou
de maneira ousada, que melhor fosse nunca ter conquistado o Brasil para o
próprio Deus a ter que padecer cruelmente nas mãos dos pérfidos, dos
insolentes, dos excomungados e ímpios hereges, como chamava os protestantes,
especificamente os holandeses. E conclui a sua indignação, quase que obrigando
Deus a agir a favor dos portugueses: ‘‘...antes
da execução da sentença repareis bem, Senhor, no que vos pode suceder depois, e
que o consulteis com vosso coração, enquanto é tempo; porque melhor será
arrepender agora que quando o mal passado não tenha remédio’’.
Mais do que questionar a vontade de Deus, Vieira o
ironiza: ‘‘Holanda vos dará os
apostólicos conquistadores que levem pelo mundo os estandartes da cruz?...os
pregadores evangélicos que semeiam nas terras dos bárbaros a doutrina
católica?... defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja
Romana?... Edificará altares?... consagrarás sacerdotes?... ’’
O conceito de supremacia da Igreja católica em relação
às demais religiões, é evidenciado em todo o Sermão. Os portugueses não só detinham o monopólio das terras
brasileiras, como desejavam ardentemente manter o da fé: ‘‘...só a fé romana que professamos, é fé, e só
ela a verdadeira e a vossa’’. Apresenta-se diante de Deus, contrapondo a
excelência da religião católica sobre as religiões protestantes. O ataque aos
holandeses é a reação contra os calvinistas que, por serem protestantes,
colocavam sob suspeitas muitas das doutrinas católicas.
Ante uma iminente invasão dos hereges, dos inimigos da
‘‘verdadeira igreja’’, o Padre Vieira sente-se abandonado por Deus: ‘‘...parece que nos deixastes de todo e nos
lançastes de vós, porque já não ides diante das nossas bandeiras, nem
capitaneais como dantes os nossos exércitos’’. Os portugueses estavam tão
habituados às conquistas, que a ideia de serem vencidos pelos inimigos
significava o abandono por parte de Deus, que os entregou ‘‘às mãos da
crueldade herética’’, ‘‘dos hereges insolentes’’.
É interessante observar que ao se dirigir a Deus,
Vieira não o faz com súplica e deprecações, mas com protestos e repreensões:
‘‘... Em tudo parece, Senhor, que trocais
os estilos da vossa providência e mudais as leis da vossa justiça conosco...’’.
Deus é posto como uma espécie de árbitro da futura contenda entre portugueses e
holandeses. Em muitas situações, volta-se piedosamente atrevido diante de Deus:
‘‘...Parece-vos bem, Senhor, parece-vos
bem isto?’’
Em síntese, o Sermão
pelo bom sucesso das armas de Portugal contra
as de Holanda, é uma espécie de incitação, um convite para que o povo
combata os infiéis holandeses, e discorre sobre os horrores e depredações que
os protestantes fariam caso invadissem a Bahia. Avalia-se, portanto, que o
efeito moral deste Sermão produziu resultados
muito positivos nos ânimos de seus ouvintes. Os holandeses foram expulsos, e a
estrela de Maurício de Nassau, que brilhou durante muitos anos em Pernambuco,
esvaiu-se, e os portugueses mantiveram seu imperialismo.
Venceu, por fim, Deus, a Santa Igreja e os
portugueses.... Venceu Vieira...
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2001.
São Paulo, 2001.
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