5/29/2017

Gonçalves Dias: “I - Juca Pirama"



Gonçalves Dias: “I - Juca Pirama"

O poema desenvolvido em dez cantos, tendo como tema central o drama vivido pelo último descendente da tribo tupi.
É sabido que o índio teve papel relevante no romantismo brasileiro. Sabe-se ainda que esse mesmo índio, dentro da vertente romântica, possui atributos de perfeição, um ser idealizado, cujo comportamento seria reflexo do modelo ideal da “nobre civilização” branca. Na Europa essa idealização deu-se através da mitificação dos heróis da Idade Média, tida como uma época de glórias, período pelo qual se formaram as grandes nações. Por não ter havido “Idade Média” no Brasil, elegeu-se o índio para exercer a função de um nobre e ostentoso cavaleiro. De acordo com o ensaísta Eugênio Gomes, é especificamente no poema I - Juca Pirama que o índio perde a sua “selvatiqueza”. Afirma ele: “...é atribuído à tribos dos Timbiras um sentimento que eles não tiveram jamais: a compaixão”.
O título, obviamente de origem indígena, em tupi-guarani significa “aquele que há de morrer”. Típico herói romantizado, perfeito e sem mácula, que melhor representa os sentimentos do leitor burguês no período da escola romântica brasileira.
I - Juca Pirama é o último descendente da tribo tupi. Sabe-se que havia no Brasil inúmeras tribos indígenas, o próprio poema fala da tribo dos Timbiras. Sendo assim, por qual razão Gonçalves Dias elegeu especificamente um guerreiro da tribo tupi? O que havia de tão especial nessa tribo em detrimento de tantas outras?
Para os historiadores, houve basicamente dois ramos da linhagem indígena: os tapuias (os que primeiro passaram os Andes e subiram pelo interior) e os tupis (os que subiram pelo litoral). Dos povos indígenas que aqui se estabeleceram, os tupis, por esforço próprio, foram os únicos que culturalmente se mantiveram com extremo vigor. Dessa forma, na visão romântica, os tipis seriam os legítimos representantes da tradição secular dos índios brasileiros. Ainda hoje, nacionalistas extremados, pessoas do tipo “Policarpo Quaresma”, vê na cultura tupi, a lídima representante da cultura brasileira.
CANTO I:
Apresenta e descreve a tribo dos timbiras.

“... Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão”.
Os índios aqui são retratados como seres fortes, soberanos da imensa terra brasileira; são os verdadeiros senhores deste imenso rincão, os quais reinam majestosa e livremente sobre o solo que lhes pertenciam legitimamente.
“São rudes, severos, sedentos de glória.
[...]
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Os timbiras pertenciam a uma tribo em que o canibalismo era praticado ritualmente. Eles não sacrificavam o inimigo por gula. Os rituais de sacrifício não significavam para os índios sacrílegos banquetes, mas cerimônias de culto. Trincava a carne do inimigo como se fizesse um desagravo, e uma honra à tribo desagravada. É o que se poderia chamar de “antropofagia heroica”, que se distingue da antropofagia religiosa ou doméstica, essa muito comum entre os índios tapuias.
“No centro da taba se estende um terreiro,
onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora.
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz”.
A tribo senhora é exatamente a tribo dos timbiras que se preparava para praticar o ritual canibalístico. O índio infeliz é I - Juca Pirama, que fora feito prisioneiro por essa mesma tribo. Nesse espaço de tempo, os velhos índios recordavam os grandes feitos do passado.
“Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil;

O narrador utiliza o adjetivo nobre para definir o prisioneiro. Apresenta-o como um guerreiro especial, que descende com a mesma nobreza de uma tribo especial. É relevante notar que, ao narrar a cerimônia de preparação do sacrifício, o poeta incorpora inúmeros elementos da cultura indígena, tais como: derrubar o teto da prisão do índio; convidar as tribos vizinhas para a cerimônia; adornar a maça (arma) com penas; raspar a cabeça do prisioneiro etc.
“Por casos de guerra caiu prisioneiro”
A causa da prisão do guerreiro tupi foi exatamente a guerra. O tupi vivia para a guerra. Tinha da sua força e da sua coragem profundo orgulho, associado a uma verdadeira paixão de glória. Vencer um inimigo era a maior ufania de um guerreiro tupi.
“Afeitas ao rito da bárbara usança”.
Aqui o poeta revela que as mulheres da tribo estavam acostumadas ao ritual de sacrifício do inimigo.
CANTO II:
Aqui o narrador revela a festa canibalística dos timbiras e a aflição do guerreiro tupi que logo seria sacrificado.
“Em fundos vasos d’alvacenta argila
ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
reina o festim.
O ritual está sendo preparado conforme os costumes das tribos. Segue-se “religiosamente” os costumes dos antepassados. Observa-se aqui uma mudança na métrica dos versos, realçando o evento que pretende consumar. A antropofagia praticada pelos índios existia como consequência dos excessos de bravura e de vingança vividos por eles. As cerimônias confundiam-se com as celebrações da guerra.
“O prisioneiro, cuja morte anseiam,
sentado está...
I - Juca Pirama aguarda o momento pelo qual será sacrificado. Não fosse o fato de seu velho pai ser cego e doente, haveria por parte do guerreiro aceitação do ritual com a naturalidade que era própria das tribos.
“Que temes, ó guerreiro?”
Não era comum entre os índios o fato de um guerreiro temer a morte. Tal atitude entre eles era considerada um ato de covardia e não podia ser tolerada.
CANTO III:
Apresentação do último remanescente tupi: I - Juca Pirama:
“Dize-nos quem és, teus feitos canta,
ou se mais te apraz, defende-te”
Antes de ser executado cerimonialmente, o guerreiro é convidado a entoar o seu canto de morte, o que ele faz no IV canto.
CANTO IV:
I - Juca Pirama, aprisionado pelos timbiras, declara o seu canto de morte e pede ao cacique dessa tribo que o deixe ir para cuidar do seu pai que padece enfermidades (Só o narrador fora preso, o pai ficara distante).
“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci”.
Apresentação do narrador épico. Como se trata de uma experiência essencialmente pessoal e familiar, emocionada e dolorida, pode-se esperar também por um clima trágico e lírico.
“Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte...
Existiram tribos que, em lutas contra os brancos e os próprios índios, extinguiram-se. Aqui, o narrador é um remanescente tupi, tribo que, como muitas outras foram exterminadas pelos brancos, ou mais exatamente pelos portugueses e espanhóis.
“Aos golpes do inimigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
acerbo desgosto
Comigo sofri”.
É interessante notar aqui um certo “preâmbulo narrativo” qualificando o narrador, que se refere diretamente a decadência final dos tupis.
“Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos...
Somente a partir desta estrofe é que se tem início realmente a história. “Mesquinhos” nesse contexto tem o sentido de “fracos” ou “abandonados”.
“O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Note-se o pequeno número de sílabas. Narrativa elaborada com esse tipo de metro era algo bastante comum na épica popular da Península Ibérica: a isso se chamava romance, que, nesse caso, era um tipo de poesia narrativa de inspiração heróica e popularesca.
“Deixai-me viver!”
Atitude desse tipo não condizia com a honra de verdadeiro guerreiro, por esse motivo, os que o aprisionara viram nesta súplica um sentimento de temor e covardia.
 “Guerreiros, não coro
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
Também sei morrer”.
Para os inimigos que o preparava ao sacrifício ritual, o herói - ao chorar - mostrava fraqueza (não parecia um guerreiro tupi, senão um tupiniquim). Dessa forma, o guerreiro a ser sacrificado não era digno das galas da morte como “I - JUCA PIRAMA”.
ANTO V:
Ao escutarem o canto de morte do guerreiro tupi, os timbiras entendem ser tal atitude uma demonstração de covardia, e dessa forma o desqualifica (como já fora citado) para tão nobre morte.
“És livre; parte!”
Os timbiras então o liberta, e imediatamente o guerreiro tupi corre para o seio do pai.
CANTO VI:
O filho encontra-se com o pai que, ao pressentir o cheiro de tinta que os timbiras costumavam utilizar para rituais de sacrifício, desconfia do filho, pelo que ambos resolvem partirem para a tribo dos timbiras, na tentativa de provar aos tais que os tupis são honrados e corajosos guerreiros.
CANTO VII:
Sob alegação de que os tupis são fracos, o chefe dos timbiras não quer aceitar a consumação do ritual em que se provaria a honra dos tupis.
CANTO VIII:
O pai maldiz o suposto filho covarde.
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros
Implorando cruéis forasteiros
Seres presa de vis Aimorés”.
Nos quatro primeiros versos, ver-se a estranheza do pai. Como poderia seu filho chorar, se era um bravo e destemido guerreiro? Nos quatro versos seguintes começa a admoestação ao filho “maldito”.
“Um amigo não tenhas piedoso
Que a teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e flecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra.
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és”.
A maldição paterna reúne o conjunto de tudo aquilo que significava horror para os selvagens, especialmente a transformação da natureza em punição e solidão.
CANTO IX:
Enraivecido o guerreiro tupi lança o seu grito de guerra e derrota valentemente a todos em nome de sua honra.
“ - Basta! clama o chefe dos Timbiras,
Basta, guerreiro ilustre! assaz lutaste...
CANTO X:
O velho (o narrador) rende-se frente ao poder tupi e diz a célebre frase: “Meninos, eu vi!”.
A DIGNIDADE DA TRIBO TUPI FORA, ENFIM, PRESERVADA!

É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2004
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