Jorge Amado: "Jubiabá"
“Jubiabá”, assim como outros romances do escritor baiano Jorge Amado, apresenta inúmeros traços que levam ao mesmo horizonte temático. Tal qual em “Capitães da Areia”, por exemplo, encontramos em “Jubiabá” a questão racial, a superstição popular, a sexualidade, a injustiça social, entre muitos outros pontos análogos, todos eles norteados pela visão socialista do autor, que, embora tenha abandonado posteriormente o comunismo, sempre demonstrou afinidade ideológica com os conceitos marxistas. Tal fato fica bem evidenciado em ambos os romances, especialmente na luta dos trabalhadores por melhorias de vida, que se dá pelo mecanismo da greve. Tanto Antônio Balduíno, em “Jubiabá”, quanto Pedro Bala, em “Capitães da Areia”, são contagiados pelo “clamor dos oprimidos”, tornando-se ambos atuantes grevistas:
“Jubiabá”, assim como outros romances do escritor baiano Jorge Amado, apresenta inúmeros traços que levam ao mesmo horizonte temático. Tal qual em “Capitães da Areia”, por exemplo, encontramos em “Jubiabá” a questão racial, a superstição popular, a sexualidade, a injustiça social, entre muitos outros pontos análogos, todos eles norteados pela visão socialista do autor, que, embora tenha abandonado posteriormente o comunismo, sempre demonstrou afinidade ideológica com os conceitos marxistas. Tal fato fica bem evidenciado em ambos os romances, especialmente na luta dos trabalhadores por melhorias de vida, que se dá pelo mecanismo da greve. Tanto Antônio Balduíno, em “Jubiabá”, quanto Pedro Bala, em “Capitães da Areia”, são contagiados pelo “clamor dos oprimidos”, tornando-se ambos atuantes grevistas:
JUBIABÁ: “- Meu povo,
vocês não sabe nada... Eu tou pensando na minha cabeça que vocês não sabe
nada... Vocês precisam ver a greve, ir a greve. Negro faz greve, não é mais
escravo. Que adianta negro rezar, negro vir cantar para Oxossi? Os ricos manda
fechar a festa de Oxossi. Uma vez os polícias fecharam a festa de Oxalá quando
ele era Oxolufã, o velho. E pai Jubiabá foi com eles, foi pra cadeia. Vocês se
lembram, sim. O que é que negro pode fazer? Negro não pode fazer nada, nem
dançar para santo. Pois vocês não sabem de nada. Negro faz greve, pára tudo,
pára guindastes, pára bonde, cadê luz? Só tem as estrelas. Negro é a luz, é os
bondes. Negro e branco pobre, tudo é escravo, mas tem tudo na mão. É só não
querer, não é mais escravo. Meu povo, vamos pra greve que a greve é corno um
colar. Tudo junto é mesmo bonito. Cai uma conta, as outras caem também. Gente,
vamos pra lá” (“Jubiabá”).
CAPITÃES DE
AREIA: “Anos depois os jornais de classe, pequenos jornais, dos quais vários
não tinham existência legal e se imprimiam em tipografias clandestinas, jornais
que circulavam nas fábricas, passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de
fifós, publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o camarada
Pedro Bala, que estava perseguido pela policia de cinco estados como
organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso
inimigo da ordem estabelecida”.
A personagem Jubiabá, o respeitado pai-de-santo do
Morro do Capa Negra, que dá nome ao romance, encarna a figura de um “pai
bondoso”, para o qual recorrem os filhos quando necessitam de ajuda, quando
estão doentes ou quando são desprezados pela sociedade. Embora muitas vezes
perseguido por sua crença religiosa, o velho carimbamba jamais abandonou a
defesa de seus ideais de liberdade:
"Foi no dia
do enterro da velha Luísa que Jubiabá para distraí-lo contou, na volta do
cemitério, a história de Zumbi dos Palmares.
— O nome
daquela rua é Zumbi dos Palmares, não é?
— É, sim
senhor...
— Você não
sabe quem foi Zumbi?
— Eu não. —
Balduíno vinha triste, pensando mais uma vez em fugir e a princípio prestou
pouca atenção à história, apesar de ser Jubiabá quem estava contando:
— Isso foi a
um mundão de tempo... No tempo da escravidão do negro...
Zumbi dos
Palmares era um negro escravo. Negro escravo apanhava muito... Zumbi também
apanhava. Mas lá na terra que ele tinha nascido ele não apanhava. Porque lá
negro não era escravo, negro era livre, negro vivia no mato trabalhando e
dançando.
— E por que
vinham pra cá? — Balduíno já estava interessado...
— Os brancos
iam lá buscar negro. Enganavam negro que era tolo, que nunca tinha visto branco
e não sabia da maldade dele. Branco não tinha mais olho da piedade. Branco só
queria dinheiro e pegava negro pra ser escravo. Trazia negro e dava em negro
com chicote. Foi assim com Zumbi dos Palmares. Mas ele era um negro valente e
sabia mais que os outros. Um dia fugiu, juntou um bando de negro e ficou livre
que nem na terra dele. Aí foi fugindo mais negro e indo pra junto de Zumbi. Foi
ficando uma cidade grande de negros. E os negros começaram a se vingar dos
brancos. Então os brancos mandaram soldados pra matar os negros fugidos. Mas
soldado não se aguentava com os negros. Foi mais soldado. E os negros deram nos
soldados.
Antonio
Balduíno tinha os olhos abertos e tremia de entusiasmo.
— Aí foi um
mundão de soldados mil vezes maior que o número de negros. Mas os negros não
queriam mais ser escravos e quando viu que perdiam, Zumbi pra não apanhar mais
de homem branco se jogou de uni morro abaixo. E os negros todos se jogaram
também... Zumbi dos Palmares era um negro valente e bom. Se naquele tempo
tivesse vinte igual a ele, negro não tinha sido escravo."
A lembrança do grande líder Zumbi dos Palmares, o
negro valente que não se submeteu ao julgo do branco, transforma-se no sonho de
liberdade de Antônio Balduíno. Zumbi é o seu grande herói: “A estrela que é Zumbi dos Palmares brilha no
céu claro. Um estudante certa vez se riu do negro Antonio Balduíno e disse que
aquela estrela não era estrela, era o planeta Vênus. Mas ele ri do estudante
porque sabe que aquela estrela é Zumbi dos Palmares, negro valente que morreu
para não ser escravo, é Zumbi que brilha no céu e vê o negro Antonio Balduíno
lutando para que Gustavinho não seja escravo.” Ele até fez um ABC para o
grande vulto histórico dos Palmares:
“Há muito tempo
que ele não fazia um samba. Também, nas plantações de fumo, ele não tinha tempo
para nada. Porém, agora, mal voltara para a Bahia, fizera dois sambas que até
no rádio tinham sido cantados e, mais do que isso, fizera o ABC de Zumbi dos
Palmares, onde cantava a vida que imaginava para o seu herói. Pelo seu ABC
nascera na África, brigara com leões matara tigres e, um dia, enganado pelos
brancos, entrou num navio que o trouxe escravo para as plantações de fumo. Mas
ele não gostava de apanhar, fugiu, lutou junto com outros negros, matou muitos
soldados e para não se deixar prender se jogou e uma montanha abaixo:
“África onde eu vi a luz
eu me alembro de ti
vivia solto, caçando
comendo fruta e cuscuz.
....................................
....................................
....................................
Palmares onde eu briguei
Lutei contra a escravidão
Mil polícias aqui veio
e nenhuma não voltou.
....................................
....................................
....................................
Zumbi dos Palmares então
do morro abaixo se jogou
dizendo: meu povo, adeus, vou morrer
porque escravo eu não sou”.
eu me alembro de ti
vivia solto, caçando
comendo fruta e cuscuz.
....................................
....................................
....................................
Palmares onde eu briguei
Lutei contra a escravidão
Mil polícias aqui veio
e nenhuma não voltou.
....................................
....................................
....................................
Zumbi dos Palmares então
do morro abaixo se jogou
dizendo: meu povo, adeus, vou morrer
porque escravo eu não sou”.
A pobreza, como consequência de uma política que
segrega, oprime e que só faz elevar a desigualdade social, norteia toda a obra.
O Morro do Capa Negra é a síntese de um ambiente de segregação social, o
“Alfavela” que contrasta com o “Alphaville”:
“A vida do Morro
do Capa Negro era difícil e dura. Aqueles homens todos trabalhavam muito,
alguns no cais, carregando e descarregando navios, ou conduzindo malas de
viajantes, outros em fábricas distantes e em ofícios pobres: sapateiro,
alfaiate, barbeiro. Negras vendiam arroz-doce, munguzá, sarapatel, acarajé, nas
ruas tortuosas da cidade, negras lavavam roupa, negras eram cozinheiras em
casas ricas dos bairros chiques. Muitos dos garotos trabalhavam também. Eram
engraxates, levavam recados, vendiam jornais. Alguns iam para casas bonitas e
eram crias de famílias de dinheiro. Os mais se estendiam pelas ladeiras do
morro em brigas, correrias, brincadeiras. Esses eram os mais novinhos. Já
sabiam do seu destino desde cedo: cresceriam e iriam para o cais onde ficavam
curvos sob o peso dos sacos cheios de cacau, ou ganhariam a vida nas fábricas
enormes. E não se revoltavam porque desde há muitos anos vinha sendo assim: os
meninos das ruas bonitas e arborizadas iam ser médicos, advogados, engenheiros,
comerciantes, homens ricos. E eles iam ser criados destes homens. Para isto é
que existia o morro e os moradores do morro. Coisa que o negrinho Antonio
Balduíno aprendeu desde cedo no exemplo diário dos maiores. Como nas casas
ricas tinha a tradição do tio, pai ou avô, engenheiro célebre, discursador de
sucesso, político sagaz, no morro onde morava tanto negro, tanto mulato, havia
a tradição da escravidão ao senhor branco e rico. E essa era a única tradição.
Porque a da liberdade nas florestas da África já a haviam esquecido e raros a
recordavam, e esses raros eram exterminados ou perseguidos. No morro só Jubiabá”.
O mundo divide-se entre os pobres e os ricos, os que
sofrem e os que gozam. Sempre foi assim:
- Pobre tem
que sofrer... Uns nasce para gozar: são os ricos. Outros para sofrer: são os
pobres. Isso é assim desde o princípio do mundo.
- Pobre é tão
infeliz que quando merda der dinheiro, cu de pobre aperta...”
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2012.
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