A existência da Inquisição está diretamente relacionada com a figura do herege e da heresia. Todos os esforços empreendidos pela Igreja Católica mediante o Tribunal da Inquisição, não tinha outro objetivo senão o aniquilamento da heresia e a eliminação do herege. Conclui-se, portanto, que sem hereges e heresias, não haveria inquisição.
Faz-se necessário ressaltar, porém, que muito antes da Inquisição ser oficialmente estabelecida, a Igreja já se manifestava de várias formas contra a heresia. Em cada diocese existia um tribunal eclesiástico e os prelados que fiscalizavam as paróquias em busca de hereges, levando-os a julgamentos. Em muitos casos, era solicitada a colaboração do braço secular. A intervenção do papa se dava de forma indireta, mediante os concílios e através de correspondências. No terceiro concílio de Latrão, por exemplo, Alexandre III decretou que era necessário combater firmemente os hereges, confiscar-lhes os bens e reduzi-los à servidão. Todavia, todo o empenho da igreja nesse sentido não foi suficiente para impedir a proliferação de tais “heresias” por toda a Europa, fugindo dessa forma do controle dos bispos locais. Isso, contudo, não dirime o fato de a Inquisição, como uma instituição jurídica e religiosa, ter sido a mais drástica medida da Igreja Católica contra os chamados hereges.
Mas, afinal, quem a Igreja
considerava um herege?
Vejamos a definição do Manual dos Inquisidores, escrito pelo
dominicano Nicolau Eymerich, em 1376: “Conclui-se
que herege é quem se apega intransigentemente ao erro, pertinácia essa cuja
expressão é a recusa de abjurar” (p.38). O erro, segundo os inquisidores,
pode ser sintetizado num único ponto: discordância
ou contestação das verdades estabelecidas pela Igreja. Dessa forma, os
excomungados, os opositores da Igreja, os que contestam sua autoridade, os que
cometem erros na interpretação dos livros canônicos, os quem criam uma seita ou
os que aderem a uma já existente, os que tiverem opiniões divergentes às da
Igreja, os que não aceitam suas doutrinas e sacramentos e todos os que dividam
da fé cristã são igualmente hereges, estando portanto sujeitos às todas as
penas estabelecidas pelo Tribunal do Santo Ofício.
O Manual dos Inquisidores (Directorium
Inquisitorum) enumera vários tipos de hereges. São termos construídos com a
única finalidade de “justificar” a superioridade da doutrina católica em
detrimento de todas as demais crenças. Vejamos alguns:
HEREGES MANIFESTOS: “...os que pregam publicamente contra a fé
católica, os que seguem ou defendem o ensinamento dos primeiros, e os que,
demonstrando convicção da heresia diante de seus bispos, confessaram seus
próprios erros e foram condenados como hereges”.
HEREGES DISFARÇADOS: “…são aqueles cujas palavras e comportamento
não manifestam seu apego intransigente à heresia”.
HEREGES NEGATIVOS: “…são aqueles que, convencidos de alguma
heresia por testemunhas dignas de fé diante do juiz, não querem ou não podem se
desapegar dela e, sem confessarem o crime, continuam firmes em suas negações,
confessando em palavras a fé católica e proclamando sua rejeição à perversidade
herética”.
HEREGES AFIRMATIVOS: “…os que estão intelectualmente errados
quanto à fé e que manifestam, tanto através da palavra como através da ação, o
apego da sua vontade ao erro mental”.
HEREGES IMPENITENTES: “…aqueles que, interpelado pelos juízes,
convencidos de erro contra a fé, intimados a confessarem e a abjurar, mesmo
assim não querem aceitar e preferem se agarrar obstinadamente aos seus erros”.
HEREGES PENITENTES: “…os que, depois de aderirem intelectual e
afetivamente à heresia, caírem em si, tiverem piedade de si próprios, ouviram a
voz da sabedoria e, abjurando dos seus erros e procedimento, aceitaram as penas
aplicadas pelo bispo ou pelo inquisidor”.
HEREGES RELAPSOS: “…os que, abjurando da heresia e tornando-se
por isto penitentes, reincidem na heresia”.
Na concepção do Manual dos Inquisidores, o herege pode
ser representado basicamente pelos seguintes grupos:
OS JUDEUS - Ser judeu
significava ser um assassino de Cristo. E os assassinos, especialmente naquela
época, não deveriam viver. Eram condenados por heresia, inclusive contra o
próprio judaísmo: “Os judeus acusados de
cometer heresia contra a própria fé serão, então, condenados. São estas as
razões que levaram os Papas Gregório XI e Inocêncio III a mandar para a
fogueira livros judaicos que continham várias heresias e erros contra o judaísmo
e a castigar quem as divulgasse e ensinasse.
OS CRISTÃOS-NOVOS - A
situação dos cristãos-novos foi talvez a mais dramática e contraditória. Mesmo
os que declaravam sua fé incondicional aos dogmas da Igreja, ainda esses se
tornaram vítimas de seus “irmãos na fé”. É verdade que muitos apenas
sustentavam o rótulo de cristão, praticando às escondidas os rituais de sua
antiga religião, porém, uma massa enorme deles, fiéis à fé católica, sofreu,
tal quais os demais hereges, as mesmas e terríveis penas da Inquisição: “…os cristãos que aderem ao judaísmo e os
judeus que, convertidos ao cristianismo, retornam, depois de algum tempo, à
execrável seita judaica, são hereges e devem ser vistos como tais. Tanto uns
quanto outros renegaram a fé cristã assumida através do batismo. Se querem
renunciar ao rito judaico sem renunciar ao judaísmo nem fazer penitência, serão
perseguidos como hereges impenitentes pelos bispos e inquisidores, que o
entregarão para serem queimados”.
Para descobrir um herege,
utilizavam-se de determinados “truques”. No caso de um rejudaizante, o truque consistia no seguinte: “Vão raramente à igreja, frequentam a comunidade judia. Fazem amizade
com judeus e evitam o contato com cristãos. Nas festas judias, comem com
judeus. Não comem carne de porco. Às sextas-feiras, comem carne. Guardam o
sábado. E, escondidamente, trabalham em suas casas nos dias de festa”.
É importante salientar que
as mesmas penas dadas aos cristãos convertidos ao judaísmo, eram também
aplicadas aos cristãos convertidos ao islamismo: “A situação dos cristãos que aderirem ao islamismo ou dos sarracenos,
que depois de se converterem ao cristianismo, retornam ao islamismo, e dos
sarracenos que, de uma maneira ou de outra, facilitaram essa passagem, é
absolutamente idêntica à situação dos judeus e rejudaizantes examinada no item
anterior: idêntica a gravidade do fato, idênticas as penas”.
OS PROTESTANTES - Embora a
perseguição inquisitorial contra os protestantes tenha se desenvolvido de forma
sistemática somente durante as décadas de 1540 e de 1550, foi igualmente
implacável e cruel. Inúmeros grupos protestantes de toda a Europa foram
cruelmente massacrados. Não obstante acreditarem na Bíblia, em Deus, em Jesus Cristo e na
Trindade, não aceitavam o poder central do papa nem as penitências para se
receber perdão, conforme pregava a Igreja Católica. Ressalte-se, porém, que os
protestantes também foram implacáveis perseguidores de hereges, principalmente
das “bruxas e feiticeiras”. Paradoxalmente foram tachados como tais, sendo muitos
levados à fogueira pela “Igreja-Mãe”.
AS BRUXAS E AS FEITICEIRAS
- Acusadas por quase todos os tipos de males da época, as chamadas bruxas e
feiticeiras foram também vítimas da implacável perseguição religiosa da
Inquisição. Serviam elas como “bodes expiatórios” sobre os quais se lançam as
culpas da alma. A loucura do cavalo, as pragas nas plantações, as catástrofes
naturais e muitos outros malfeitos, não necessitavam de explicações, pois foram
elas, as bruxas que, com a ajuda do Diabo, disseminavam todas essas desgraças
sobre os inocentes cristãos.
Havia também um “truque”
específico para se descobrir um “adorador do diabo” ou uma bruxa: “Em geral, devido ao efeito das visões, das
aparições e das conversas com os espíritos do mal, têm uma expressão maliciosa
e o olhar dissimulado. Põem-se a adivinhar o futuro, mesmo as coisas que
dependem somente da vontade de Deus ou dos homens. A maioria faz alquimia ou
astrologia. Se levarem ao inquisidor alguém acusado de necromancia, e se o
inquisidor perceber que é astrólogo, alquimista ou adivinho, terá um indício
certo: todos os adivinhos são, manifesta ou secretamente, adoradores do diabo.
Os astrólogos também, e os alquimistas idem, pois quando não conseguem os seus
fins, pedem conselho ao diabo, suplicando-lhe e invocando-o. E, se suplicam,
veneram, evidentemente”.
OS INTELECTUAIS - Para os
inquisidores, havia duas condições para que alguém pudesse ser qualificado de
herege. A primeira dizia respeito à fé; a segunda relacionava-se com o
intelecto. Tudo o que a Igreja decretou como verdade, seja no âmbito da fé ou
da razão, deveria ser aceito como tal. Portanto, se a Igreja afirmava que o Sol
gira em torno da Terra, e não o contrário, devia-se então acreditar sem
reservas que essa era a pura expressão da “verdade”. Todos conhecem o caso do
cientista italiano Galileu Galilei que, por apoiar a teoria de Copérnico de que
o Sol (e não a terra) constitui-se o centro do nosso sistema planetário, foi
preso pela Inquisição, tendo de negar suas convicções, visto que iam estas de
encontro às da soberana Igreja, a “legítima” representante de Deus na Terra.
Por declarar a Bíblia como a única regra de fé, John Wyclif e seus principais
seguidores foram todos destruídos. O mesmo aconteceu com João Huss que, havendo
comparecido ao Concílio de Constança para justificar-se sob o ponto de vista
doutrinário, foi considerado herético e executado, não obstante possuir um
salvo-conduto dado pelo imperador germânico.
A perseguição aos
intelectuais, bem como a destruição dos livros considerados profanos,
prosseguiu durante todo o período da Inquisição. Ameaçado pela propagação de
ideais heréticos nas Índias, o rei Felipe III, escreveu aos líderes das
colônias, em 1609, a
seguinte ordem: “Tendo em vista que os
piratas heréticos, por ocasião dos assaltos e dos resgates, tiveram certos
contatos nos portos das Índias, muito perigosos para a pureza com a qual os
nossos vassalos creem e se mantêm na Santa Fé Católica, que em razão dos livros
heréticos e das proposições que eles expandem entre as populações ignorantes,
nós ordenamos aos governadores, tribunais, e pedimos aos arcebispos e bispos
das Índias que cuidem de recolher todos os livros que os heréticos tenham
introduzido ou venham a introduzir nessas regiões”.
Por fim, tomando como base
os ensinamentos de Cristo e dos apóstolos, pode-se concluir sem nenhuma
“heresia” (e aqui na há juízo de valor) que a igreja Católica, mediante a
Inquisição, maculou um dos mais importantes mandamentos do cristianismo: “Ouvistes que foi dito: Amarás a teu
próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai
pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt. 5:43,44). / “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e aborrece a
seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode
amar a Deus, a quem não viu?” (1 Jo. 4:20). O teólogo Leonardo Boff, no prefácio do Manual dos
Inquisidores, afirma que: “A Inquisição nada tem a ver
com Cristo, nem com o seu Evangelho. Se tem a ver, é contra eles… Pois a Igreja
como comunidade dos professantes procura manter viva a memória de Jesus, do seu
sonho, da irradiação do seu Espírito, na profunda alegria de sermos todos
filhos e filhas de Deus e por isso irmãos e irmãs de toda humana criatura e de
cada ser do universo… A “Santa” Inquisição é expressão de um componente
neurótico-obsessivo do corpo clerical e cristaliza a dimensão de pecado que
existe nas relações internas da Igreja…”.
É Isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2004.
São Paulo, 2004.
Se não houvesse a inquisicao, o mundo hoje, estaria entregue às trevas! Falsos profetas, religiões hereticas, ganância, tudo destruído, que a Santa Igreja construiu com o sangue dos mártires. Bendita, Inquisicao.
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