Rubem Alves: "Picolépolis"
Picolépolis, muito mais do que uma narração alegórica, é um espelho que há muito vem refletindo a realidade do ensino superior no Brasil.
Picolépolis, muito mais do que uma narração alegórica, é um espelho que há muito vem refletindo a realidade do ensino superior no Brasil.
Durante muito tempo, “chupar um picolé”, isto é, ter
um curso superior, era prerrogativa quase que exclusiva da classe socialmente
mais favorecida de nossa sociedade; um privilégio que a elite brasileira
ostentava com grande galhardia. Os pobres contentavam-se com os
“cachorros-quentes”, ou seja, o ensino médio, os cursos técnicos e
profissionalizantes etc.
É bem verdade que sempre houve universidades públicas,
as quais ofereceram e oferecem “picolés” gratuitamente. Todavia, são exatamente
estes os picolés preferidos dos ricos. “Picolés brancos”, que podemos
exemplificar com os cursos mais cobiçados, por exemplo, o curso de Medicina,
cabem apenas ao “paladar” dos filhos desses ricos. Mesmo os “picolés vermelhos,
amarelos, verdes” etc. (metaforicamente os cursos menos concorridos), ainda
estes, na universidade pública, eram (e ainda são) “saboreados” principalmente
pelos que tinham ou têm condições de pagar por eles, uma vez que, na disputa no
vestibular, estão mais preparados, afinal sempre estudaram em boas escolas
desde a infância.
Sabedores dessa demanda, muitos empresários entraram
no “mercado de picolés”, buscando assim ampliar ainda mais os seus lucros.
Dessa forma o ensino transformou-se em verdadeira mercadoria, em negócio
grandemente vantajoso, ou como escreveu Rubem Alves: “um mercado maravilhoso, inesgotável… com infinitas possibilidades”.
Em cada esquina há uma “fabrica de picolés”, que os oferecem em variadas cores,
ininterruptamente. São cursos para todos os gostos, no horário mais flexível e
com os preços mais variados.
Contudo, não obstante o número de “fábricas de
picolés” ter aumentando consideravelmente e, apesar de haver picolés em quantidade
inesgotável, ainda assim milhares de pessoas permanecem sem condições de
adquiri-los. E o pior, mesmo os que, a custo de muito esforço e economia,
conseguem “comprar tais picolés”, após “saboreá-los”, ficam com o “palito” na
mão sem saber o que fazer com ele.
São milhares de diplomas entregues anualmente no país,
os quais, na sua maior parte, apenas servirão como mero símbolo de status. Com
o tempo se transformarão em “picolés” para as traças ou permanecerão protegidos
numa moldura empoeirada, como uma espécie de “honra ao mérito”. Apenas isso. Os
“picolés” são tantos que o mercado já há muito está saturado deles. Como consequência
disso, gente formada em Direito, Engenharia, Economia, Jornalismo, Letras,
Pedagogia etc., acaba trabalhando em restaurantes, comércio ambulante,
supermercados, padarias etc. Tais pessoas, embora estejam em posse das
“chaves”, não conseguem “portas” para abri-las. Têm o diploma de curso
superior, mas estão impossibilitadas de ascenderem financeiramente com eles.
Não sabem o que fazer com eles. Como afirmou o autor de “Picolépolis”: “As chaves que as universidades a faculdades
produzem só são boas se abrem as portas de trabalho”. Do contrário,
completaria eu, terão eles a mesma
utilidade de um "aparelho para desentortar bananas".
É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2005.
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