9/10/2018

História do Brasil: As Regências (Ensaio), de Rocha Pombo


As Regências

AS REGÊNCIAS TRINAS

Tornado público o ato de abdicação, impunham-se no momento medidas de urgência no sentido de assegurar a ordem. Tinham, os liberais moderados, grande responsabilidade naqueles acontecimentos e cumpria-lhes, agora, reagir, energicamente contra as facções desvairadas.

Haviam começado na véspera as suas sessões preparatórias as Câmaras, convocadas no dia 3 para "logo que houvesse na capital o indispensável número de representantes".

Pela manhã de 7 de abril, reuniram-se no paço do Senado sessenta e dois membros da Assembleia Geral (26 senadores e 36 deputados). Não constituindo poder deliberativo, formaram um conselho de notáveis, e procederam à eleição de uma Regência Provisória, que assumiu o governo em nome do Imperador menor.

Ficou essa Regência composta do Marquês de Caravelas, senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e Francisco de Lima e Silva.

O primeiro ato dessa Regência foi reintegrar o ministério que D. Pedro havia demitido no dia 5 de abril.

No dia 8 publicou a Assembleia Geral um manifesto, dirigido à nação, dando-lhe conta do que se fizera, e pedindo-lhe que confiasse no governo provisório que se constituíra em nome do soberano infante, e que governaria até que a Assembleia elegesse a Regência Permanente.

A cidade passou alguns dias em festa, como desafogada de longa e penosíssima angústia.

Dali a algumas semanas, dizia a Regência, ao instalar a Assembleia Geral, a 3 de maio, que o 7 de abril ficaria em nossa história como um dia faustosíssimo para o Brasil, pelo heroísmo de seus filhos, pelo triunfo da liberdade constitucional, e derrota dos inimigos da Independência, glória e nacionalidade brasileira!

2 - Esta Regência Provisória teve a mais nítida compreensão das suas funções naquele grave momento. Cuidou logo de acentuar o espírito daquela revolução, volvendo vistas para as províncias e mudando em todas
elas a situação no sentido liberal.

Tratava-se, de reorganizar a nação; e isso ia fazer-se no meio das maiores complicações que em todo o país perturbaram a ação do novo governo. 

O primeiro trabalho que se impunha era o de normalizar a situação política, fazendo funcionar a Assembleia Legislativa e constituindo uma Regência Permanente, nos termos da lei fundamental.

Instalaram-se as Câmaras no dia 3 de maio, no meio de gerais esperanças, lendo um dos membros da Regência, o Marquês de Caravelas, a Fala do Trono, dando conta dos últimos acontecimentos, e com muitos encômios ao civismo dos brasileiros. "O 7 de abril — dizia a Regência — será um dia para sempre memorável nos fastos do Brasil: ele removeu os embaraços que a prepotência, a intriga e a ignorância muitas vezes opunham às vossas sábias deliberações em benefícios da Pátria; ele fez luzir a aurora da nossa felicidade. As províncias de São Paulo e de Minas Gerais receberam e aplaudiram com transportes de júbilo e entusiasmo as notícias do triunfo da liberdade. É de esperar que as comunicações que se enviaram às outras províncias tenham nelas iguais resultados, mesmo na Bahia, onde os primeiros acontecimentos da corte, nos infaustos dias de março, fazendo a mais funesta impressão, haviam demasiadamente inflamado os ânimos de alguns patriotas, levando-os a fazer requisições exageradas, e a praticar atos indiscretos, que toda a prudência das autoridades não tinha ainda bem podido remediar".

3 - Na sessão do dia seguinte elegeu-se a comissão (de três membros) que devia formular o projeto de lei regulando o exercício da Regência.

Apresentado no dia 9, longamente discutido e aceito, foi o projeto enviado à câmara vitalícia, onde não levou muito tempo.

No dia 17 de junho, reunia-se no paço do Senado a Assembleia Geral, e elegia para a Regência Permanente o mesmo general Francisco de Lima e Silva e os deputados José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz.

Estava dado o primeiro passo no caminho da paz. Que andava esta, no entanto, ainda muito longe, mal se suspeitaria das excelentes disposições com que a parte mais ponderada e sadia da população ia recebendo esses atos.

Dolorosos iam ser os dias em que os grandes homens daquela fase da nossa história tinham de por a provas o seu imenso valor.

Compreendendo a situação que se havia criado, tanto no Rio, como nas províncias, mantiveram-se os dois poderes — a Legislatura e a Regência — harmônicos e unidos no firme propósito de opor seguro paradeiro ao espírito de indisciplina, e de conter as audácias da anarquia que andava latente, quando já não lavrava em todo o país.

Desde as primeiras sessões, tratou a Assembleia, de acordo com o governo, de votar medidas de rigor tendentes a garantir a ordem. Entre essas medidas excepcionais, figuram as da lei de 5 de junho, proibindo ajuntamentos à noite nas ruas e praças; cassando a fiança nos casos de flagrante delito, mesmo em crimes policiais; e atribuindo ao governo a faculdade de suspender os juízes de paz que se mostrassem negligentes ou prevaricadores. Criaram-se também as guardas municipais, formadas de cidadãos que pudessem ser eleitores, e sob a autoridade dos juízes de paz.

4 - Tinha esta milícia a seu cargo a ronda noturna da cidade, velando pelo sossego geral; e nela se alistaram homens dos mais distintos de todas as classes — médicos, engenheiros, advogados, e até membros do corpo legislativo e oficiais superiores do exército.

Pela sua parte, foi a Câmara Municipal da Corte, solícita e incansável em cooperar com a polícia na manutenção da ordem, decretando posturas provisórias sobre a venda de armas, sobre o jogo em casas públicas, sobre a inspeção de transeuntes à noite etc...

Logo depois (em agosto) criou-se a Guarda Nacional, extinguindo-se os antigos corpos de milícias, as ordenanças e as guardas municipais. Enquanto se exercia assim, diretamente, a ação dos poderes públicos, formava a opinião sensata ao lado da autoridade, como se se combinasse um movimento geral de impulsos para salvar a nação. Tanto na corte como nas províncias fundaram-se clubes e sociedades patrióticas, que tomavam o encargo de defender as instituições, e de prestar em todo o terreno mão
forte aos poderes constitucionais.

Ao mesmo tempo, tomava forte incremento a imprensa moderada, saindo para a arena da controvérsia política e da discussão os homens de mais experiência, a rebater com extremo vigor aos excessos dos jornais oposicionistas.

Por aqueles dias, a ânsia da publicidade, a volúpia do escândalo, o desbragamento das paixões, não tinham limites: só a coragem dos defensores da lei e da ordem podia neutralizar-lhes os excessos.

5 - É nas angústias de semelhante situação que se apuram bem nitidamente as grandes reservas de valor moral que trazia em si aquela geração gloriosa. Dir-se-ia que é pelas proporções dos perigos que se andava medindo o que de energia e esforço guardava a nação para o momento mais grave da sua história.

Não era, no entanto, só na corte que havia necessidade de reprimir a   indisciplina e o vício do motim.

Por todo o país lavrava o mesmo espírito de anarquia.

Parece mesmo que para os fins de 1831 (de setembro por diante) se havia tramado um vasto plano de perturbar todas as províncias, preparando assim terreno para alguma solução imprevista. De algumas delas recebiam-se mesmo, desde muito, avisos e denúncias de movimentos que deviam explodir.

No Pará, instigada por uma das facções que traziam, havia mais de dez anos, a terra em tumultos, a tropa depõe e remete para a corte o presidente da província, ficando Belém completamente entregue à insânia do partido vitorioso.

No Maranhão, populares e soldados, reunidos na praça pública, fazem exigências e impõem medidas violentas contra a facção imperialista, e principalmente contra os portugueses. Cedeu o presidente; mas não pôde contemporizar com os sediciosos sem conformar-se com a disposição do comandante das armas. Ainda assim, saindo da capital, foram os rebeldes convulsionar todo o interior.

6 - Na Paraíba, o povo, com apoio da tropa, depõe o comandante das armas e outros oficiais militares, acusando-os de contrários ao regime constitucional.

Em Pernambuco, já se havia deposto o comandante das armas. Na noite de 14 para 15 de setembro, revoltam-se os soldados do 14ª de infantaria; e tendo logo o apoio de toda a guarnição, tomam conta da cidade. No dia 16, porém, uma legião patriótica de estudantes, milicianos e alguns cidadãos, conseguem bater a soldadesca insurgida, sendo presos e remetidos para Fernando de Noronha mais de 800, e tendo sido mortos, em combate, para mais de 300. Dois meses depois, subleva-se outra vez uma parte da tropa, unida a muitos paisanos, fazendo as usuais exigências contra os inimigos do Brasil... que, já se sabe, eram os portugueses, a quem se atribuía o descaminho de D. Pedro. Auxiliado por voluntários e guardas municipais, conseguiu afinal, o governo, subjugar os rebeldes.

Essas desordens na província complicavam ainda mais a situação da Regência.

Era preciso ir atendendo a toda parte com os parcos meios de ação de que dispunha, e preocupada como vivia com as condições em que se encontra a própria corte.

Para mais atormentá-la, uma das mais graves consequências imediatas do mal que lavra por todo o país, era a perturbação da economia geral refletindo-se nas finanças públicas.

Só mesmo a coragem daqueles homens é que poderia resistir a uma crise tão dolorosa.

7 - De todas as províncias onde reina a discórdia, a mais convulsionada era a do Ceará.

Vivia na vila do Jardim, desde que por lá chegara a notícia da abdicação, um antigo coronel de milícias (Joaquim Pinto Madeira) conhecido pelo seu ostentoso aferro à pessoa e à política do ex-Imperador; e famoso em toda a província, desde o tempo em que ali exercera despótico domínio.

Era por isso mesmo profundamente odiado dos liberais cearenses.

Dispondo ainda de algum prestígio, reuniu Madeira, um bando de inconscientes, e marchou para a vila do Crato, onde levantou o grito de rebelião (a 2 de janeiro de 1832).

Ali "restabeleceu as autoridades e empregados que tinham sido destituídos: prendeu os adversários que lhe caíram sob as mãos, e fez do Crato a sede de um governo próprio, que em seguida compreendeu toda a região chamada Cariri".

Foi mandado contra ele o general Pedro Labatut. À frente de 3.000 homens, ofereceu Madeira combate às forças legais perto de Icó, sendo, porém, desbaratado. Vendo que as suas forças se reduzem, e sentindo-se "perseguido tenazmente por seus inimigos resolveu entregar-se". Remetido para Pernambuco, onde embarcou com destino à corte, suspendeu-se-lhe de repente a viagem sob qualquer pretexto. Começou, então, a vagar "de prisão em prisão, de navio para navio; até que foi entregue ao rancor dos inimigos constituídos em juízes".

Julgado pelo júri da vila do Crato, foi condenado à morte.

Em vão apelou para o júri da capital, como lhe facultava o Código do Processo: foi fuzilado na manhã de 28 de novembro.

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