As cinco pucelas
Quando Machado de Assis,
nas Memórias de Brás Cubas, põe o
herói a rabiscar, alheiadamente, sem consciência do que fazia, um verso da
Eneida — arma virumque cano, traçou
com a mestria incomparável do seu gênio um breve estudo da ideia fixa que se
trai por tabela, como diz o povo.
Brás Cubas pensava em
Virgília; Virgília trouxe Virgílio; Virgílio lembrou a Eneida — e a mão vadia
foi repetindo no papel ocasional o único verso que esse personagem podia saber
da Eneida, o primeiro, como todos nós conhecemos de Camões o — As armas e
barões assinalados.
Não há quem por
experiência não conheça isso do lápis escrever a esmo cem vezes, à margem dum
jornal ou nas mesas dos cafés, o arma
virumque que nos trai o pensamento enquanto conversamos sobre mil coisas
diversas. Ou então é mentalmente que repetimos uma mesma palavra, ou trauteamos
uma mesma ária, as quais insistem, voltam, teimam como moscas de verão por mais
que mudemos o rumo ao pensamento.
A quem escreve em
jornais sucede o mesmo. Temas há que insistem, e botam as orelhas de fora mesmo
quando o articulista aborda assuntos que nem de longe a eles se relacionam. O
remédio é desabafar, como o remédio para o apetite é comer.
O meu amigo Silva anda
doente de uma ideia fixa, e em tudo que escreve ou fala — escreva sobre
finanças ou fale do pivetismo do Brasil na Liga das Nações — trai-se
escandalosamente. Amigo das mulheres, o problema que o corrói é o seguinte:
qual a primeira mulher que veio ao Brasil?
Já consultou os
compêndios de história e já foi à fonte das histórias, os historiadores.
Consultou Rocha Pombo, o mestre que alia o saber à gentileza. Já consultou
Capistrano e João Ribeiro.
Mas tanto histórias como
historiadores o deixaram na mesma. E Silva definha. É um pálido Édipo que na
Avenida em cada mulher que passa vê uma esfinge a la garçonne, murmurando, como a tebana:
— Decifra-me ou
devoro-te: qual foi a primeira?
Do que há escrito,
apurou na obra de Jean de Lery — Histoire
d’une voyage à la Terre du Brésil, que na expedição de Bois le Comte
vieram, a bordo do “Rosée”, cinco frescas rosas de França, acaudilhadas por uma
venerável folha de tinhorão.
Diz Lery que embarcaram cinc jeunes filles avec une femme pour les
gouverner, qui furent les premières femmes françaises menées en la terre du
Brésil.
Chegadas que foram, e
alojadas no forte de Coligny, logo se casaram duas delas com dois mancebos,
criados de Vilegaignon — isso a 3 de abril de 1557, vinte e seis dias após à
chegada — e estou que esperaram muito!
Realizaram-se os enlaces
por ocasião da prédica religiosa que todas as noites se fazia no fórum, e Lery
menciona o fato “não só porque foram os primeiros casamentos à moda cristã
celebrados no Brasil”, como ainda para frisar o assombro dos convidados
selvagens diante de mulheres... vestidas.
Nunca se tinha visto
semelhante coisa na paradisíaca América, e a impressão foi positivamente de
escândalo.
As desnudas índias, que
acompanhavam seus desnudos maridos, retiraram-se da festa vexadíssimas,
corridas de vergonha, à visão de colegas louras que assim tão despejadamente se
revelavam só com o rosto, pescoço e braços nus! E ao regressarem para suas
aldeias, com grande alvoroço contaram às outras o caso inaudito, provocando os
mais desencontrados comentários.
— Vestidas! Imaginem...
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In: Na Antevéspera
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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