6/03/2019

A raposa e o lobo (Fábula), de Ana de Castro Osório



A raposa e o lobo

Era uma vez uma Raposa... Ora as raposas têm-se na conta de muito espertas.

E todos o creem, dizendo-se até que ninguém as vence em manhas e finuras.

Tinha ela uma ninhada de raposinhos que achava umas formosuras, mesmo umas estampas! — quando afinal, se há animais de mau focinho, são as raposas pequenas, benza-as Deus! Mas era mãe, e as mães só veem perfeições nos seus filhos.

A Raposa tremia de susto quando saía da toca, não fosse lá bicho inimigo dar-lhe cabo da filharada. Noites de sossego nunca mais tivera, e até a caça, que lhe costumava correr tão bem, era feita como que a medo, quase sem proveito.

Ora esta Raposa tinha por compadre um Lobo de boas maneiras e falinhas mansas, que era o terror da região. Com ele vivia em boa harmonia, mas, pelo sim pelo não, vá de não se fiar de todo na sua bondade. Não o dava a mostrar, mas lá de si para si tinha o Lobo na conta — merecida afinal — do pior maroto da vizinhança.

Temendo a Raposa pela vida dos filhos, pensou desviar qualquer ideia sinistra do Lobo com respeito aos seus pobres cachorrinhos. E que havia de imaginar?

Foi procurá-lo e disse-lhe:

— Caro amigo e compadre, sei de uma Cadela que tem uma ninhada de cachorros que estão mesmo a calhar para uma boa merenda para ti.

— Dize lá onde mora, que vou já de caminho. A caça agora não é muita, e eu ando atrasado em paparoca.

— Digo-te onde é, mas com a condição de não comeres os meus filhos.

— Está dito. Não sabia que tinhas agora filhos... Mas fica certa que eu hei de respeitá-los como teus e não lhes tocarei.

Diz-me onde encontrar os cachorros da Cadela e, se vivem perto dos teus, como hei de eu diferençá-los.

— Ora essa! (redarguiu, não pouco escandalizada, a senhora Raposa) como hás de diferençá-los?! Muito facilmente! Onde tu, compadre Lobo, vires uns monstruzinhos muito feios e trombudos, tens certo o banquete que eu te vim cá descobrir. Os meus filhos, esses, são lindos como os amores!...

— Está bem!... Fico-te obrigado, e farei como dizes.

E foi-se o Lobo, todo lépido, em cata dos cachorros, enquanto a Raposa, já tranquila sobre o destino dos filhos, foi também dar o seu giro pelo mato.

De volta ao covil, a comadre Raposa ia matutando na partida que fizera. Orgulhosa da sua obra, esfregava as patas de contente. Que lhe importava a sorte dos filhos da pobre Cadela?! O que queria era salvar os seus! Este egoísmo não é para admirar nos brutos — se há tanta alma cristã que padece do mesmo pecado!

Ao chegar à toca, ficou assombrada não vendo nem rastro dos filhos.

Correu tudo, chamou em altos gritos soluçados, mas nada! Lembrou-se então de ir ao pouso da Cadela saber alguma coisa. Lá estavam os cãezinhos, sãos como uns peros. A mãe, muito contente, dava-lhes o leite a mamar, mas quando a Raposa lhe perguntou se sabia dos seus, respondeu, contristada:

— Não sei, não. Mas olha que por aqui andou o Lobo a rondar. Quando voltei da caça encontrei os meus cachorros cheios de susto.

— Foi o Lobo, não há que ver, que me comeu os filhos! (gemeu a Raposa);

E correu a procurar o Lobo.

— Então que fizeste (clamou ainda a distância), malvado sem coração nem palavra?! Os meus filhos não os encontro, e os da Cadela estão ainda vivos...

— Que fiz? Comi uns cachorros muito feios, de focinhos agudos... Gordos e tenrinhos, lá isso estavam! E os teus lá os deixei como os vi, muito espertalhotes e finos. Dou-te os parabéns, pois que são lindos a valer.

— Pobre de mim, (gritou a Raposa arrepelando-se) que vim meter os meus filhos na boca do Lobo!

E fugiu para a caverna, a esconder a sua dor e a sua vergonha.

Aquela espertalhona levou assim o castigo de querer fazer mal aos outros para se livrar a si de qualquer perigo ou desgraça.




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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)

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