7/11/2019

A coroa de louros (História), de Monteiro Lobato



A coroa de louros
– Os gregos, tanto rapazes como raparigas, continuou dona Benta, gostavam e cultivavam toda sorte de esportes ao ar livre. Naquele tempo não havia futebol, mas havia corrida, o salto, a luta que chamamos romana, o boxe e o lançamento de rodelas, ou pesados discos de ferro.
Periodicamente se realizavam disputas nas diferentes cidades da Grécia, para tirar-se a limpo quais os campeões; mas a grande prova era a que se repetia de quatro em quatro anos na cidade de Olímpia, ao sul da Grécia. Com o tempo esses Jogos Olímpicos se tornaram a coisa mais importante da vida grega, neles entrando em competição os melhores atletas de todas as cidades.
As olimpíadas, isto é, a temporada de jogos em Olímpia, duravam cinco dias. Cinco dias de feriado nacional, porque os jogos eram oferecidos a Zeus ou Júpiter. Vinha gente de todas as cidades assistir às festas, como hoje vem gente de todos os países quando nalgum deles é inaugurada uma exposição universal. Mas só os gregos podiam tomar parte nos jogos – e só os que nunca houvessem cometido crimes, ou infringido qualquer lei.
Tinham enorme importância para os gregos esses jogos. Tanta importância, que se por acaso coincidia estarem em guerra entre si ao tempo de começar a festa, interrompia-se a luta. Só depois de findos os jogos a guerra continuava.
Que bom sistema!
– Os rapazes gregos, que pretendiam tomar parte nos jogos, treinavam durante quatro anos; e nove meses antes das provas mudavam-se para Olímpia, afim de se aperfeiçoarem nos ginásios ao ar livre, junto ao estádio.
Depois de cinco dias de provas, havia paradas e sacrifícios religiosos aos deuses, aos quais se erguiam estátuas em redor do estádio.
– Que bonito, vovó! exclamou Pedrinho. Estou me simpatizando muito com os gregos. Se tivesse de escolher um país antigo para morar, não queria outro senão a Grécia.
– E tem razão. A Grécia desse período foi um maravilhoso país. O esporte virara verdadeiro culto. Todos tinham de respeitá-lo. Quem trapaceasse numa prova, era posto de lado por toda a vida. Havia o que chamamos hoje de espírito esportivo. Quem ganhava não se vangloriava a quem perdia e não discutia.
– Ahn! exclamou Pedrinho. Agora compreendo o que quer dizer espírito esportivo!... É mão roncar quando ganha nem dar mil explicações, de que perdeu por isto ou por aquilo quando perde.
– Sim, disse Narizinho, mas não faça como os atenienses da festa que sabiam, mas não praticavam. Pratique, como os espartanos...
Aquilo era uma indireta a Pedrinho que na véspera havia dado mil explicações do porquê e como perdera uma corrida apostada no pomar.
– O resultado de tudo, continuou dona Benta, foi não existir maior glória na Grécia do que vencer nos jogos olímpicos. Os vencedores não recebiam prêmios, dinheiro ou coisa que valha, só recebiam uma coroa de louros. Os poetas compunham versos e sua honra e os escultores lhes imortalizavam os corpos em estátuas de mármore.
As competições não consistiam apenas em provas esportivas. Havia-as também de ordem artística: os concursos de música e poesia. Os vencedores desses concursos, em vez de receberem coroas de louro, eram carregados em triunfo pela multidão.
A primeira corrida em Olímpia, registrada pela História, foi 776 anos antes de Cristo – e a partir desse ano começaram os gregos a contar o tempo. De modo que o ano 776 antes de Cristo passou a ser o ano I dos gregos.
– E hoje, vovó, ainda há jogos olímpicos?
– Estes jogos estiveram interrompidos por muitos e muitos séculos, mas há poucos anos atrás, em 1896, recomeçaram, já não em Olímpia, sim em Atenas. Depois ficou assentado que seria cada vez num país diferente, podendo tomar parte neles os atletas de todas as nações do mundo.
– E antigamente quem era que vencia mais jogos, vovó?
– Ah, eram os espartanos! Nesse ponto a vitória de Licurgo fora completa. Os atletas de Esparta faziam verdadeiras coleções de coroas de louros.
(Emília, que ainda estava proibida de falar, cochichou para o visconde: "Imagine que regalo para tia Nastácia se morasse lá! Ela gosta tanto de pôr louro na comida...")

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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)

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