7/15/2019

A força da ironia (Crônica), de Sylvio Floreal



A força da ironia

Na arte da palavra escrita, quando se quer arrastar alguém à via pública da amargura ou colocá-lo na berlinda do deboche ou do ridículo, basta apelar para o poder acutilante e corrosivo da ironia.

Para reduzir ao silêncio a mais perfeita mediocridade e a mais completa criatura entalhada no papelão da vaidade, não se conhece outra arma mais adequada, aguda, verrumante e incisiva do que ela.

O escritor que tiver a ventura de possuir o estilete lampejante da ironia, é temido, admirado e odiado ao mesmo tempo. Temido e odiado por todos os míseros que são a personificação do ridículo, da mediocridade e da mais crassa canalhice e que, independentemente da vontade do criador e do resto da humanidade, vivem a diminuir, a amesquinhar, a malbaratar com a sua presença os valores da vida e da beleza do universo.

Sobre o lombo destes desgraçados é que a seta da ironia penetra gostosamente! E é admirado pelos homens de vida limpa que sabem viver com uma certa elegância moral e conduta irreprochável.

Destes, a ironia se desvia como uma esferazinha de borracha e vai bater adiante, onde os medíocres e enfatuados formam a muralha cinzenta do ridículo.

Os que discrepam da boa conduta e, no seio da coletividade, claudicam das normas gerais da existência e dos hábitos comuns, vegetam numa tortura constante e numa inquietação perene, porque sabem que no momento fatal em que defrontarem um esgrimista da ironia, estão perdidos para o resto da existência.

Por isso é que os grandes manejadores dessa arma ocupam, na galeria literária de todos os tempos, um lugar proeminente.

E séculos e séculos de humano ridículo engendram número suficiente de ironistas que vão à margem dos costumes, dos vícios e das virtudes anotando, analisando tudo com a sua pena ferina.

Desgraçado do povo que não contar em seu seio com alguns desses homens! Alguém já disse que os escritores que brandem a ironia são maléficos; mas se eles não existissem veríamos a humanidade reproduzir torpemente o grande dilúvio da era jurássica, com a diferença de que naquela época todos pareceram sob a inundação de enormes volumes de água, e agora morreríamos cristianissimamente sob o dilúvio do ridículo!


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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.

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