8/10/2019

Eça de Queirós, presente do Brasil (Resenha)




Eça de Queirós, presente do Brasil


Mais de uma vez tenho dito que a minha Bahia, não contente em ter dado ao Brasil seus maiores homens, deu, às províncias irmãs, o que lhe sobrou, e não tem sido pouco.

Assim, Rio Branco, o segundo, nascido no Rio, era filho de baiano, ao serviço do país, na Corte. Como Nabuco,  do Conselheiro Nabuco, então juiz em Pernambuco. Como Euclides da Cunha, de baiano, exilado em Cantagalo, província do Rio. Como Joaquim Murtinho, de médico militar baiano, na guarnição de Mato Grosso. Como Olavo Bilac, nascido aqui, porque o pai indo ao Paraguai, deixou a esposa, ambos baianos, à espera, no Rio...

Dádivas da Bahia, e não acabaria tão cedo, se não bastassem esses exemplos, que mostram brasileiros, dos mais notáveis, filhos de baianos, que assim, pela Bahia, presentearam, a irmãs menos favorecidas, ou tão dignas de tais prendas.

Ora, sucede o mesmo a Eça de Queirós, pois o Dr. Teixeira de Queirós, seu pai, natural do Brasil, dessa cidade do Rio de Janeiro, e, no meu modo de dizer, bem pode ser considerado um presente a Portugal... Dádiva generosa, sim, a quem muito a merecia.

Considerando a obra e os sentimentos de Eça de Queirós, a malícia poderia acrescentar que, tal presente, nunca se adaptou ao presenteado, guardando sempre sentimentos "nativistas" da origem...

Não é verdade que a obra de insigne escritor é uma sátira tremenda e aflitiva a esse boníssimo Portugal? Sei bem que há um patriotismo, descontente da realidade, que desejaria melhor, por ser a da Pátria. Eça de Queirós, não se contentou, nunca, com o seu Portugal, chamado insistentemente "uma choldra", porque o queria melhor, incontestavelmente. A cidade e as serras, retratação tardia, é caricatural também, para o bem, como o resto caricatura, para o mal.

Mas, escrevendo principalmente para o Brasil não só os livros, que tinham aqui o maior consumo de leitura e edições esgotadas, como na imprensa, na Gazeta de Noticias, onde lograva uma divulgação enorme de jornal, e jornal literário, pois que esse periódico foi, nesse tempo, de Ferreira de Araújo, Capistrano de Abreu, Machado de Assis, Olavo Bilac.... o órgão periódico das letras nacionais. Eça de Queirós maltratava "patrioticamente" a Portugal, incitando aquele nosso vezeiro nativismo nacional, que, ainda hoje, se não sempre, vive a fazer a Independência, pois não crê ainda na de 1822.

Além disto há mais... O seu português é, como ele disse do "brasileiro", português com açúcar... Não que não soubesse o outro, o português, de lei, terso e castiço, com que escreveu o Defunto ou aquela novela da Torre de Santa Irineia, embrechada na Ilustre Casa de Ramires... Sabia-o, sim, mas, à natureza, lhe era mais amável, o português adocicado, aqui e ali um galicismo, esquecido de Junot, a fazer amabilidades aos nossos nativos, que ainda não perdoaram a Portugal os seus dias, dias coloniais que perduram...

Eça de Queirós foi um presente brasileiro, mas dessas dádivas, que a gente não escolhe ao gosto do donatário, senão ao gosto do próprio doador...Filho de Brasileiro, ele continuou, parece, pela obra e pela língua, um Brasileiro em Portugal...

Acontece que teve gênio e que tanto o celebra a mãe-pátria, com a qual gracejou humoristicamente, como a pátria-avó à qual fez rir, nem sempre com amenidade...  Mas não é que tudo se perdoa, ao merecimento? Eça de Queirós bem merece de suas duas pátrias.


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AFRÂNIO PEIXOTO
Revista "Ilustração Brasileira", novembro de 1945.
Pesquisa e revisão ortográfica: Iba Mendes (2019)

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