9/15/2019

Coelho Neto e o Carnaval (Resenha)



Coelho Neto e o Carnaval

O Carnaval carioca, de fama mundial, tem merecido dos nossos poetas e escritores algumas páginas de extraordinário fulgor, em que a grande festa da cidade é admiravelmente exaltada.

Dentre os que se ocuparam do nosso Carnaval, merece especial destaque o príncipe dos Prosadores Brasileiros, Henrique Maximiano Coelho Neto, natural do Maranhão, mas que cedo veio para o Rio, onde se identificou plenamente com a alma carioca.

Na sua imensa produção literária, de mais de uma centena de volumes, pois é ele o escritor brasileiro que publicou maior número de livros, muitos são contos, crônicas, conferências e peças teatrais tendo a cidade por cenário ou ocupando-se de temas cariocas. Um de seus livros se intitula, mesmo, "A Capital Federal".

Em toda a sua obra há, assim, magnífico documentário da vida citadina, flagrantes interessantíssimos de cenas, fatos e figuras indispensáveis ao conhecimento da cidade e de seus usos e costumes. Não será exagero dizer ser leitura imprescindível a leitura de Coelho Neto para bem sentir o que foi a vida no Rio, nos últimos tempos do Império e primórdios da República.

Coelho Neto não foi apenas o observador e narrador de tantos fatos importantes, mas, muitas vezes, protagonista desses episódios marcantes da história da cidade e do país. Pertenceu à geração privilegiada que ele tão bem retratou em "A conquista" e no "Fogo fátuo", dando-nos preciosos flagrantes duma época áurea do Rio.

Em "Palestras da tarde", uma delas, realizada no Instituto Nacional de Música, em 1908, nos mostra a antiga cidade, com seus usos e costumes característicos.

Nessa palestra sobre o tema "A antiga cidade", Coelho Neto, na sua prosa fascinante, apresenta múltiplos aspectos desse Carnaval de rua, então predominante, quando a cidade se enchia de mascarados, com as suas grotescas máscaras e fantasias características: os diabos, os dominós, os "velhos", os índios, o "burro", a "Morte", "Pai João"; "Mãe Maria", princesas e baianas. E recorda as luminárias e as músicas nos coretos e o povo todo afluindo ao centro, para apreciar os desfiles tradicionais, sobre o Carnaval de outrora, esse Carnaval que devemos fazer reviver. É a descrição dos préstitos de antigamente. Vejamos:

"Os grandes carros alegóricos, como os que ainda agora rebrilham nas avenidas e provocam polêmicas estéticas, representavam: grutas micantes, marchetadas de malaquita, com águas vítreas despenhando-se por arestas de ouro: caramanchéis floridos; labirintos submarinos, onde brincavam cardumes de nereidas e tritões de escamas fúlgidas; templos de colunas giratórias; nuvens leves de gaze estrelada servindo de supedâneo a deusas; trirremes de proas enfloradas; árvores em cujos galhos balançavam-se redouças; e, dentro de tais construções, os porta-estandartes ou as hetairas reclinadas, mostrando-se ao clarão dos fogos de bengala, lânguidas, correspondendo com beijos aos aplausos frenéticos da multidão em delírio.

E as guardas de honra, os séquitos equestres de ninfas ou de amores, as cavalgadas de amazonas, e as borboletas de asas de escumilha em carrinhos leves, toda a grei de Cítera numa ostentosa exibição de corpos, que não eram inferiores aos de agora, nem na riqueza dos ornamentos, nem na perfeição das formas.

Mas entre o fulgor de um carro alegórico e um esquadrão venusto a gargalhada cascalhava estrondo à passagem de um carro de crítica, comentando um acontecimento do ano, com personagens conhecidas, afeiçoadas em estafermos de porte agigantado, e a troça vivaz, por vezes irreverente, de um sócio gárrulo, a cujo aceno o monstro movia-se, um tanto perro nos engonços, bracejando, espernegando, arrevesando cobras e lagartos ou engolindo, com voracidade, propinas e negociatas.

E durante a passagem das sociedades a Rua do Ouvidor ficava verdadeiramente entupida, com as janelas apinhadas de moças, que esparziam pó de ouro sobre os carros mais belos".

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Correio da Manhã, 2 de fevereiro de 1951.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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