1/19/2020

Luís Delfino - Obra "Atlante Esmagado"



A DOMADORA DE FERAS

I
A tua mão pequenina,
Onde cabe um mundo, eu sei,
Bem sei a gente imagina
Um mundo na mão de um rei,

Foi ao lôbrego escondrilho,
Em que rugia um leão;
Cegou-o: tanto era o brilho,
Que te escorria da mão.

E lhos passaste nas crinas
Fulvas, coroando a cerviz,
Os dedos das mãos divinas,
Os lírios de hastes gentis.

Como talharam Ariana
Montada num tigre audaz,
Superior à força humana,
Sobre o rei dos animais,

Com tanta graça subiste,
Graça, que à fera se impôs,
Que o leão, que estava triste,
Julguei-o alegre depois.

Eu ia de lado, vendo
O teu gracejo infantil,
Que tornava o leão horrendo
Tão manso que era imbecil.

Depois deixaste-o e vieste
Sentar-te junto de nós:
Mas no teu rosto celeste
Rugia um gesto feroz.

Tinhas as langues brancuras,
E as vagas inquietações
Da estrela em noites escuras,
Do mar à voz dos tufões.

E de umas altas esferas
Tu dizias com desdém:
— Meu gosto é domar as feras:
Faz-te fera, e depois vem.

Cresce, enraiva-te, salteia,
Vem depois, te hei de mostrar
Como em ter um grão de areia
Cai despedaçado o mar.

Com o movimento mais brando
De um dedo da minha mão,
Se quero, vê, quando eu ando,
Levo após mim um leão. —

Eu disse, ouvindo-a: — Deveras?
Pois só a brutos quer bem?
É domadora de feras?
Pois vou ser fera também.—

II
(Leão domado)

Quando eu tiver nos meus olhos,
Tiver no meu coração,
O que o mar tem nos escolhos,
E tem no seio o vulcão:

O que tem a tempestade
Nos relâmpagos sutis,
E a audácia, a argúcia, a crueldade
Das águias contra os reptis:

Quando indomado percorra
Arneiro, espaço, areais,
Quem me dirá que não corra?
Quem diz ao vento: — onde vais?

Como aí vai longe o deserto!...
Oh! que infinita amplidão!...
Ruge? — É o furacão decerto.
Brame? — É decerto o leão.

0s seus rugidos atrozes,
As suas cóleras pois
Têm o horror das mesmas vozes,
Têm um só grito ambos dois.

Sacode as asas o vento,
As crinas ergue o leão,
Luxuoso, rubro, opulento,
Terrível, como eles são.

Que vulcão flamante lhe arde
Dentro da órbita audaz!...
Tornar um leão cobarde!...
Quem pois é disso capaz?

És tu, mulher? — E tu podes
Fazer aos teus pés cair
Esse colosso de Rodes,
Sem também nos fazer rir?

Levar a mão à cratera.
E dizer: — para, — ao vulcão:
E, domadora de fera,
Fazer o mesmo ao leão?...

Tu podes tudo decerto:
Tu tens um condão fatal:
Mas... o leão do deserto
Dono e rei de todo o areal,

Domá-lo? vencê-lo? é crível?
Não... não o acredito eu:
Antes julgo mais possível
Fazer, como Prometeu:

Subir de qualquer maneira
Ao céu, a que já tens jus,
Trazer pela cabeleira
Um astro, sangrando luz.

A mim, não. — Guardo os audazes
Gestos de um rei secular:
Tu és a fonte no oásis,
No oásis o meu palmar:

E sob a umbela das matas,
Que Deus só fez para nós,
Rio em que mergulho as patas,
Que tem reflexos de sóis:

Pela extensão do deserto
És raríssimo nopal,
A cuja sombra coberto
Repousa o fero animal;

És a viração macia,
Que nos suaviza o calor;
A flor, que o aroma irradia,
E a graça da amada flor.

Guardo a minha liberdade,
Minha opulência de rei:
Do que é meu, da imensidade
Nem os limites eu sei.

Jamais contei as estrelas,
Os meus tesouros reais,
Quando me agarro, e vou vê-las
Na juba dos vendavais.

E já sentia-me irado,
Raspava as unhas no chão;
Seu belo corpo rasgado
Era a presa do leão.

Que carne branca tremia
Nas minhas garras fatais;
Que áurea luz de sol lambia
Nessas feridas mortais,

Que eu riscava no alabastro
Do seu corpo encantador:
Eu cria comer um astro,
E unhas no próprio sol pôr...

Chupava as datas frementes,
Vendo a púrpura luzir:
Passava a língua entre os dentes,
Grunhia, que era o meu rir...

Ou ódio, ou amor profundo,
No meu banquete de rei,
Quisera dizer ao mundo:
— Que sol na garra apanhei!

E esta, e outras quimeras
Inchavam-me o coração!
A domadora de feras
Ria-se; — e a um gesto da mão,

Ligeiro, doce, invisível,
Prendia-me; e a sua voz
À multidão, impassível,
Mostrava o leão feroz.

III
(Montada sobre uma estrela)

Oh! não desdenhes do leão domado,
Que por teus pés dormita,
Que deixou seu deserto abandonado:
Porque viver, morrer, — sendo ao teu lado,
É-lhe suprema dita.

Como o africano furacão pudera
Levantar-me violento,
E livre e solto por mais alta esfera
Dizer: — quem há que dome a altiva fera,
Quem há que dome o vento:

Quem há que amolgue o mar, quando o golpeia
A raiva da procela,
E o raio fulvo as clinas lhe incendeia,
E a vaga cresce, e espuma, e cospe à areia
Tudo o que anda por ela?

Eu sou o mar indômito, dormindo,
Como o leão domado,
À luz que vem dos olhos teus sorrindo,
E ao sol do rosto teu, ao sol mais lindo,
Que em céus haja brilhado.

Eu sou, podes dizer, a horrenda fera...
E pudeste contê-la
Num dos olhares teus, que amor só gera:
Ariana montava uma pantera,
Montas tu uma estrela.

Porque tudo tua mão amolda, e imprime,
Ó domadora enorme,
O que há de grande, e belo, e de sublime;
E a fera, e a estrela, e a maldição, e o crime
Calcado aos teus pés, dorme.

Enches o céu de luz, como as auroras,
E, como as primaveras,
Tudo o que tocas com teu dedo enfloras,
E tens aos pés dois astros como esporas,
Domadora de feras.



SOL ACORRENTADO

Não é um leão indômito: imagina
Minha alma um sol no espaço,
Que se equilibra, gira, anda, ilumina,
Que de lá desce à tua mão divina,
E acompanha-te a passo:

A teus olhos, esplêndidas argolas,
Em fio, que a teu grado
Colhes agora, agora desenrolas,
Vai minha alma, que te ama, e não consolas,
Um astro acorrentado...


MONÓLITOS

Rolam sem luz, estrelas desmaiadas,
Pobres princesas no aflitivo exílio,
Já sem as sombras que projeta o cílio
Franjado e grande as faces desbotadas.

De larva imunda esquálidas falenas
Destoucadas de frescas primaveras,
Têm o morno desdém das bestas-feras,
Que nem já os grilhões mordem apenas.

Descem dos lábios, pelas gastas linhas
Do rosto, uns risos, que parecem antes
As sombras mortas dos sorrisos de antes,
Quando elas tinham corte e eram rainhas.

Passaram, como em violento atrito
Entre as rodas de ferro da desgraça,
Assim como desfeito em voltas passa
Entre o ferro, que talha, o monólito.

O que é cada falena impura agora,
Sem luz nos olhos, sem pudor na fronte?
Sol que passou a linha do horizonte,
Pobre cadáver de formosa aurora.

Não as desprezem, não. — Foram pedaços
De mármore gentil esperdiçados,
Podendo ser em deuses trabalhados,
Ou para catedrais, ou régios paços,

Mas que o capricho do escultor numa hora
Fez hidras, fez leões, e fez serpentes,
E soltou-os esplêndidos, frementes
Sobre o mundo, que as beija, e que as devora.

Tu, austero filósofo, o que queres?
Não vês que o mundo as faz e as repudia?
E o sol, que te acalenta, as alumia,
E Deus quer bem as crianças e as mulheres?

Nasceram dóceis, virginais e belas:
A miséria do berço as pôs em terra,
As asas no seu lodo aperta, encerra...
Ai! pudessem fugir... iriam nelas.

Lodo por lodo, o lodo mais brilhante,
Cheio de aroma embriagador e festas,
De noites mornas e amorosas sestas,
Longas ânsias de amor em breve instante;

Nas taças cheias de licor que embriaga,
E adormece a razão e o amor acorda,
Que em doidos sonhos de prazer transborda,
E com mãos de cetim nossa alma afaga:

Deixaram aí as asas penduradas,
De infindas bacanais na louca cena:
Aí foram perdendo pena e pena,
E o rico véu das ilusões douradas.

Morrei bem cedo, ó mortas formosuras:
Morrei... morrei bem cedo: — entre os destroços
De vosso corpo surgirão os ossos
Brancos, bem como os das Vestais mais puras.

Deus, que perdoa os hórridos delitos,
Talvez vos dê no céu novos altares,
Vós, que andais pela terra e ides milhares
Esmigalhadas, como monólitos...


DEAE IRRITABILIS MANUS

Não vês naquela mão a irritabilidade
De um pássaro gentil, nervoso e fugitivo?
Recua, e voa, e foge à possibilidade
De tocá-lo de leve um dedo convulsivo.

Como se encrespa um lago e as águas amarrota
A pontinha de uma asa ali passando acaso,
Fica a gente a cismar, e fundamente nota
Que crispações verá naquele humano vaso...

O que se passa em todo aquele ser convulso?
Que estrelas encherão o abismo de sua alma?
Quem poderá tomar-lhe o rebater do pulso?
Quem pode atravessar sua aparente calma?

Descer de todo o ser à profundeza imensa,
Ir do espírito ao fundo, — oceano que ressona, —
E ver o que ele sente, e sofre, e goza, e pensa:
Trazer do fundo mar qualquer coral à tona...

Qualquer coral, que mostre o que em si vive e sente,
Qualquer coral, que traga à luz o seu segredo,
E diga, quando quero a mão tocar somente,
Se acaso aquilo é ódio, ou amor, ou tédio, ou medo?!...



NOTURNO

That fools rush where angels fear to tread.

Pope

Per amica silentia lunae...

VIRGÍLIO — ENEIDA

I
Era à beira do mar um louco. — A vaga
Ia após vaga escabelada e a plaga
Desciam rindo ou rorejando em pranto
Glauco, em nudez, ao olhar da lua, enquanto
Num verde aflar, num sonolento esforço,
Cianótico o mar, rugoso o dorso,
O dorso azul de escamas prateadas,
Nelas metia as patas de elefante.
Ouvia-se, ao fugirem do gigante,
O rumor das pequenas gargalhadas,
Que iam a rir nas verdejantes bocas,
Quando umas a saltar sobre outras, loucas!
Como um bando de virgens tresmalhadas,
Esfuziavam de volta à branca areia,
Só para ter o delicioso gozo
De ver o velho, em cólera e espumante,
Vir de novo e de novo atrás voltar...
E estava à praia luminosa cheia
Desse vago rumor que anda ao luar.

II
E era à beira do mar, e só. — As ondas
Já muito quietas, tímidas, redondas,
De largos pingos de ouro salpicadas,
Como fímbrias sutis, arrendilhadas,
De um manto enorme, real, desenroladas
Na nua praia branca e solitária,
Que se arqueia na curva graciosa
De dois braços, que querem recebê-las,
De um deus qualquer, que molda a mente vária;
Cosia o manto azul milhão de estrelas,
Que no contínuo e tépido balanço
Vão como cisnes de ouro ali de manso...
Cobre o mar fina espuma de um tecido
Fabricado em teares holandeses;
E estava assim tão belo e bem vestido
Como costuma estar bem poucas vezes.

III
E era à beira do mar, e só!... Ao longe
Em cada teso ajoelhava um monge.
No palor baço e turvo que a envolvia,
Ao sul e ao norte, a crespa serrania
Recortava o seu dorso colossal.
Os rochedos desnus dos altos cimos,
Como pedaços de cristal polido,
Refletem ao luar as mil facetas,
Num véu de gaza fina amortecido.
Iam brincar os raios dos planetas
Nas arestas de um mísero palhal,
E as tornavam de longe, sobre os mares,
Como as brunidas torres seculares
De uma marmórea habitação real...
Névoa impalpável, úmida, ligeira
Acariciava a natureza inteira,
Hausto largo de um beijo virginal...

IV
E era à beira do mar, e só. — A lua
Em leito mole reclinada e nua,
Calma viúva, inerte e solitária,
Quase estagnada como a luz de um poço,
Morbe, como o rumor de uma plegária,
Parecia cismar num noivo moço.
A luz de um poço... um poço no deserto,
Que inda está longe e está-se a ver tão perto...
E um poço azul num céu azul cavado,
Céu, cuja curva doce lado a lado
Dessa abóbada imensa o espaço ampara:
E a luz fluida de um poço em todo o espaço
Devera envenenar e a quem provara
Dera ainda mais sede e mais cansaço...
Lua, filha da dor e da saudade,
Serás viúva em toda a eternidade...
Tu irás só por todo o teu caminho,
Nenhum beijo de amor, nenhum carinho;
Cheio de sonhos teu aflito peito,
Sem companheiro em teu divino leito!...
E o que é pior, sem mesmo uma esperança...
Dize, viúva do amor, a dor não cansa?...

V
E era à beira do mar, e só... — Findara
O mês de março: o outono, que começa,
Respirava uma límpida bafagem,
Raro incenso cercando a luz de uma ara;
E nessa hora da noite azul, e nessa
Exalação suave, que a envolvia,
Serena, calma, voluptuosa, e doce,
Enamorando a sua própria imagem,
Se desatava a esplêndida baía
Como se a própria Guanabara fosse
Que do fundo do mar ali surgia.
As brancas velas túmidas, inchadas
Pelas noturnas, frígidas rajadas,
Como lâminas de aço embaciado,
Iam cortando o ar a punhaladas,
Por um braço invisível manejadas.
Eis um drama da noite recitado
No palco azul da vaga luzidia.
Como um lago de forma circular,
Até aos pés dos Órgãos a baía
Se estende, como um céu que vai quebrar.
As ilhas que lhe dormem pelo seio,
Cheias de luz, pousando sem receio,
Parecem aves de ouro a ressonar.
Nas montanhas mais próximas, banhadas
De luz mais branca, e nessas afastadas,
Em fundo mais escuro e vaporoso,
Como um bando de pombas em repouso,
Ou também como grandes mariposas,
Aqui e ali, mais longe, abaixo e acima,
Encolhidas no flanco as largas asas,
No dormir a sonhar das grandes coisas,
Que um raio acorda e que uma voz anima,
Entre flocos de luz as níveas casas
Riem pra o céu profundo as telhas de ouro.
Era uma velha revestida em monge
O Pão de Açúcar, que se via ao longe,
Velha indiana de pedra, sem cocar,
Cuja cabeça nua ao luar brilha,
Glaucamente inclinada e olhando o mar:
Parece inda chorar a linda filha,
E sobre a prata líquida, que cobre
A cova sua, como lapa enorme,
Sentinela avançada, que não dorme,
Recurva o busto amorenado e nobre.
Além o oceano majestoso para:
Aquém, no manto escuro de granito,
Há séculos que chora a Guanabara,
Muda e inda soltando um mudo grito.
Os outeiros ao pé, seu leito outrora,
De veludos de relva estão cobertos,
Dos seus lençóis esplêndidos desertos;
E onde a fria nudeza alpestre mora
Foram tálamos régios e opulentos,
Cujas cobertas de esmeralda fina,
Sob as tendas do céu à chuva e aos ventos,
Uma e uma esfizeram-se em ruína.
E os criptogamos, epitáfios lentos
Que o tempo escreve, o tempo a ler ensina.

VI
E era à beira do mar, e só. — De tudo
Isso era parte um louco... um louco e mudo!
Ele estava no céu, no mar, na lua,
Nas encostas da serra, onde flutua
Dentro, no meio do matal maciço,
Sempre cheiroso, e em flor, e sempre em viço,
Um clarão lirial pelas abertas,
Como um bando de Dríades em dança,
Que numa volta espalma-se e descansa
Em posições fantásticas, incertas:
Aqui e ali na imagem vaporosa
Que a luz da noite vagamente aviva,
E que de roupas mal cosidas veste,
Como falange esplêndida e celeste,
Que os deuses deixam vir dos seus Olimpos,
Por caminhos do céu, de nuvens limpos,
Nas virações, nos barcos, nas ilhotas,
Junto, na praia, ao longe, nas remotas
Colinas e nos mil rumores vagos,
Nos vergéis, que andam rindo ao pé dos lagos,
E florem sempre, perfumando os ares,
Da natureza em rútilos altares,
Que sustentam o que grande e etéreo há na arte,
O louco estava em tudo e em toda parte,
Como de tudo um átomo esquecido.
Mas dentro em tudo, em tudo enfim metido.
Ele cria que tudo — céus e estrelas,
Quantas vê, quantas há, sem poder vê-las.
Ele e o vento, onda e mar, acesos lumes,
Vozes, rumores, músicas, perfumes,
A noite, e toda aquela claridade,
Num pasmo só, num único desejo.
Tudo esperava estranha divindade,
Obra feita de amor e luz de um beijo,
Que a vida remoldara num festejo
Tão longo como a mesma eternidade...
Velha história de amor, que é sempre nova,
Que anda sempre a oscilar do berço à cova.

VII
E era à beira do mar... Ela não vinha!
Espumava-lhe aos pés a alga marinha!
E o mar macio, lânguido, domado,
Dos clarões do luar incendiado,
Menos água, que os olhos seus, continha.
Ele sentia o vago inquietamento,
Que atinge a noite em todo o firmamento,
Que tem o mar, com que soluça o vento,
Com que para o seu fim tudo caminha;
Sobrava-lhe o infinito do desejo:
Cada rumor lhe parecia um beijo,
E essa sombra de um beijo inda o sustinha,
Fluida ambrosia enchendo uma cratera,
Em que ia, segurando as duas asas,
Beber o céu, os sóis e a primavera.
Talvez, porém, na palidez serena
Do seu rosto suave e doentio,
A sua alcova límpida e pequena
Iluminava, se escondendo ao frio.
Nas ondas loiras dos cabelos dela
Depor quisera todo o firmamento,
À branca fronte o olhar de uma gazela,
Astros em roda, em giro sonolento!
Sonho de amor, que se prateia à lua,
Que abre de noite como o cacto expande,
Que das Quimeras entre os sóis flutua,
E que é, como albatroz, em azuis só grande!...

VIII
Quando o dia voltar, trazendo aos ombros,
Como um rochedo de ouro o sol polido,
Nos cinábrios do esplêndido vestido,
Toda envolvendo-a um flavo pó de escombros,
Escondendo esta noite e o luar brando,
Onde estará o louco desnoitado?
Por onde ele andara peregrinando?
Em que deserto ele refaz seu sonho?
Em que vórtice novo irá levado,
Vórtice novo, feio, atro, medonho?
E esta noite tão lânguida e serena,
Pelo beijo de um deus qualquer sagrada,
Que entre frouxos de luz se morre, e é pena!
Quem a terá nos seios seus guardada?
Acres brisas da noite, ó doce alento,
Em que o ar do seu peito se mistura,
Ide mexer-lhe o branco cortinado,
E roçar, quase a medo, a fronte pura
Dessa angélica e suave criatura,
Já que o não pode o mísero e coitado!...
Em que musgo se aninha uma ventura!...
Noite... noite de amor, como hás passado?
Mas ficaria o teu reflexo puro,
Para lembrança eterna do futuro,
Nalgum canto do céu iluminado?
Quem saber pode a triste história a fundo
Dos loucos sonhadores deste mundo?!...

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