5/12/2021

Uma história curta (Conto), de Fernandes Pinheiro Júnior


Uma história curta 

Formosa e pura como a lâmpada das noites, quando se ostenta garbosa e radiante, cândida e singela como as ideias e canções da sertaneja era a simpática Cecília. 

A sua loura cabeça jamais aninhara, por um segundo sequer, um pensamento malicioso. 

Os seus olhos castanhos, mas fulgurantes, jamais tinham volvido um olhar que não fosse de compaixão ou de amizade sincera. 

Os seus descorados lábios nunca haviam proferido uma só palavra que fizesse-lhe vir o rubor ás faces, ou que ofendesse quem quer que seja. 

Era inocente enfim como as endechas que por clara noite de lua desprende o sabiá, balouçando-se ramos da palmeira. 

*** 

Um dia, visitando ela uma família de seu conhecimento, encontrou um sujeito, que, prático nas seduções das salas, soube conquistar-lhe o coração. 

Palinuro incauto, deixou-se ela seduzir pelos harmoniosos cantos da sereia. 

Criança inexperiente, deixou-se arrebatar pelo fingido choro do crocodilo e chegou ao seu alcance. 

A sua ingenuidade não deixou-a dissimular ao seu extremoso pai o que sentia por esse homem: pouco a pouco foi traindo o seu sentimento. 

Mas profunda decepção a aguardava; neste não encontrou a animação que ingenuamente supunha encontrar. 

Disse-lhe ele: — Esquece esse homem, Cecília, que é indigno do teu afeto: um bêbado, jogador e libertino não pode ser teu esposo. 

Nesse dia chorou muito a pobre moça: o primeiro amor que germinara em seu coração, mal brotara, tinha morrido. 

O dia seguinte passou ela triste; no terceiro já sorriu-se e no quarto enfim mostrou-se alegre. Tinha-se esquecido. 

Feliz simplicidade.

*** 

Não muito tempo depois de novo apaixonou-se Cecília. 

Um moço pobre, honesto e laborioso, não com fingidas falas, mas pelo seu modo lhano e prazenteiro, e pela sua conversação agradável, soubera granjear-lhe simpatia. 

Dentro em pouco, dirigiu-se ele ao pai de Cecília e pediu-a em casamento. 

Depois de consultada a vontade dela, teve o pretendente resposta satisfatória. 

Motivos imprevistos fizeram realizar-se o enlace matrimonial três meses depois. Hoje Cecília tem três filhos; vive feliz e um só dissabor ainda não obumbrou o azul do céu da sua existência. 

O que seria dela se tivesse desobedecido à vontade do seu pai? 

Sabê-lo-emos indagando qual era a existência da esposa do primeiro namorado de Cecília. 

*** 

Pelo que acima dissemos já vêm os leitores que ele tinha caído nos laços do Himeneu. 

Mas o que ainda não sabem é que quando fazia declarações amorosas á angélica Cecília, já tinha pedido a mão da sua atual esposa. 

Não o amor, porém a certeza que tinha de que a moça, por morte dum seu parente, viria a herdar uns quatro ou cinco contos de reis, fê-lo dar esse passo, cuja qualificação não ouso emitir. 

Foi bem sucedido, que poucos dias depois do seu consórcio, viu-se de posse da fortuna que ambicionara. 

Quando porem Cecília casou-se, já desse dinheiro não existia um real; em extravagâncias ele o tinha já consumido.

Vítima dos seus desatinos e da sua brutalidade, sofria muito a sua malfadada esposa. 

Desde que perante Deus jurara amizade perpetua a esse homem brutal e infame, a sua vida tornara-se um martírio. 

Quantas e quantas vezes, no auge da dor, não implorava, com lágrimas nos olhos, que a morte tivesse compaixão de si! 

Quantas! 

Desgraçadamente para ela ainda vive, bem que com feições cadavéricas e com o inferno n’alma. 

Deus se amerceie dela!


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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2021)

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