Depreendo, pelas cartas que recebo, haver forte interesse por detalhes sobre a
vida de D. Amélia, a ascendência da formosíssima Imperatriz, a vida dela no
Brasil, os filhos que teve, o seu fim. Nada mais fácil do que satisfazer essas
curiosidades. Aí vão, sem mais delongas, minudências a respeito da loura e fascinante
Beauharnais, que sucedeu à D. Leopoldina no trono brasileiro.
Comecemos por dizer que D. Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Leuchtemberg era filha do príncipe Eugênio de Beauharnais e da princesa Augusta de Leuchtemberg, filha do Rei da Baviera. Quem era o príncipe Eugênio?
EUGÊNIO DE BEAUHARNAIS
Alexandre de Beauharnais, visconde de Beauharnais, general de brigada, deputado ao parlamento de França, casara-se na Martinica, onde nascera, com essa famosa, perturbante créole Josefina (nascida Josefina Tascher de la Pagerie) que mais tarde teria, no mundo, papel tão estridente e alto. Acusado, em 89, de ter contribuído para a capitulação de Mayence, foi o general Alexandre condenado à forca pelo tribunal revolucionário. Executaram-no e confiscaram-lhe os bens.
Do seu casamento, porém, nasceram dois filhos: Eugênio e Hortênsia. Todo o mundo sabe a reviravolta miraculosa que ocorreu na vida romanesca da família Beauharnais: Napoleão Bonaparte casou-se com a viúva Josefina. Do imprevisto consórcio adveio para aquela pequena família a boa fortuna mais atordoante, mais fantástica, de que há lembrança na história moderna.
Napoleão, guindado às culminâncias de soberano máximo, distribuiu a amigos e parentes dignidades supremas. Para com Eugênio, o enteado, teve o Imperador ternuras desmarcadas. Levou-o na campanha da Itália. Fê-lo seu ajudante de campo na invasão do Egito. Nomeou-o general. Obrigou, por um senatus-consultus, a que o parlamento o reconhecesse como Príncipe de França. Concedeu-lhe a honra de arquichanceler do Império. Galardoou-o, depois da coroação, com o cargo altíssimo de Vice-Rei da Itália. Enfim, como prova de estima única, reconheceu a Eugênio, publicamente, solenemente, como seu filho adotivo e, portanto, sucessor eventual à coroa de França. Impossível liberalidades maiores. Eugênio Beauharnais teve tudo.
O CASAMENTO DE EUGÊNIO
Napoleão, que o amava com carinhos leais, não se contentou em fazê-lo culminar na vida pública: timbrou em arranjar-lhe casamento à altura dos seus títulos.
Eis porque, por ordem imperial, a diplomacia francesa negociou e ajustou as núpcias de Eugênio de Beauharnais com a princesa Augusta de Leuchtemberg, filha do Rei da Baviera.
Napoleão pôs extremos terníssimos nesse casamento. Diz A. Levy, no seu Napoléon Intime:
"A toda força, queria o Imperador que a esposa de Eugenio fosse feliz. Nesse intuito, elle, o homem tão rispido em questões de assiduidade no trabalho, elle mesmo põe-se a derogar os seus principios. E escreve a Eugenio:
"Mon fils, vous travaillez trop, votre vie est trop monotone. Cela est bon pour moi. Mais vous avez une jeune femme; que n'allez vous pas au théatre une seule fois par semaine en grande loge"?
O
casal foi feliz. Um filho ia aparecer logo... Napoleão, mal soube que a
princesa Augusta estava grávida, escreveu-lhe afetuosa carta, muito paternal, pedindo
que lhe desse um homem:
"Ma fille! Ménagez-vous dans votre état
actuel. Et tachez, surtout, de ne pas nous donner une fille..."
Apesar do pedido de Napoleão, lá apareceu, com grande desapontamento dos pais, loura meninazinha gordanchuda. Puseram-lhe o nome de Amélia Augusta.
Bonaparte, para consolar a mãe, escreveu a Eugênio, caçoando, do seu próprio punho:
— Auguste est-elle fachée de n'avoir pas eu un garçon? Dites-lui que, lorsqu'on commence par une fille, l'on a au moins douze enfants...
Não se entristecesse a princesa Augusta! Aquela pequenina criatura ia ter curioso destino: ela é quem deveria ser, um dia, a segunda imperatriz do Brasil.
D. PEDRO E D. AMÉLIA
Anda por aí, já muito sabida, a história do casamento de D. Amélia. Barbacena partiu como negociador. Metternich intrigou. D. Pedro levou inúmeras tábuas. Certo dia — uff! — o Pedra Branca, então ministro em Paris, conseguiu da princesa Augusta que consentisse no casamento da filha Amélia com o Imperador do Brasil. Apalavrou-se, ajustou-se, casou-se. Tudo num relâmpago!
Afinal, a 16 de outubro de 1829, a princesa Amélia, acompanhada de seu irmão, o Príncipe Augusto, desembarcou no Rio de Janeiro. Houve, no desembarque, pequenina cena sofrivelmente ridícula. Pelo menos, na época, cena muitíssimo comentada.
No arsenal de marinha, tirado a oito, faiscava o coche dourado do Paço. Deviam os esposos — D. Pedro, com a sua casaca verde, D. Amélia, com a grinalda de rendas — meter-se na linda carruagem para irem receber, na capela imperial, as bênçãos nupciais. Barbacena, porém, ao saltar da galeota, curvou-se diante de D. Pedro:
— Senhor! A princesa Augusta, mãe de Sua Majestade a Imperatriz D. Amélia, pediu-me, ainda em Munique, que só entregasse a V. Majestade a imperial esposa depois das bênçãos da igreja...
— A que vem isso, Marquês?
— É que, Majestade, tendo eu me comprometido a respeitar esse desejo da princesa-mãe, peço permissão a V. Majestade para, sozinho, acompanhar a nossa Imperatriz no coche nupcial.
D. Pedro, desapontado:
— Nesse caso, Marquês, entre!
Apontou-lhe o coche. Barbacena entrou. Sentou-se ao lado da esposa imperial. Assim, sem ser o padrinho, sem ser nada, Barbacena partiu flamante, alvo de todos os olhares, pela cidade afora, levando gloriosamente a Imperatriz para a igreja.
D. Pedro, o marido, esse veio atrás, murcho...
O ENXOVAL
Conta Mello Moraes:
"Tres dias depois da chegada da Imperatriz, a 19 de Outubro, dia de S. Pedro, houve beija-mão geral. Á tarde formou a tropa e fez as continencias do estilo. Á noite, foram Suas Magestades ao theatro assistir a um espectaculo de gala. No dia seguinte, pela manhan, partiram ambos para S. Christovam. Ahi abriram-se as malas da Imperatriz".
"O enxoval que trouxe a princeza Amelia foi bom. Mas estava muy longe do que trouxe para o Brasil a archiduqueza da Austria, D. Leopoldina".
"A princeza Amelia trouxe muytos brilhantes, sendo uns que lhe deu a sua mãe, outros que se compraram em Inglaterra por ordem do Imperador. Tambem se disse que foi para Londres, do thesouro nacional, boa porção de pedras para se fazerem mimos, sendo incumbido dessa missão o Marquez de Barbacena. O Imperador mandou a D. Amelia a magnifica medalha que foi da ex-Imperatriz D. Leopoldina, a afogadeira, assim como um carissimo pingente de brilhantes. Só os brincos custaram em Londres sessenta contos de réis"!
D. AMÉLIA NO PAÇO
Sigamos, para evocar a vida de D. Amélia no Brasil, as minúcias que nos fornece aquele curioso bisbilhoteiro das intimidades de S. Cristóvão:
"A Imperatriz D. Amelia estudava as maneiras de captivar o marido; e isto ella conseguio bem, reduzindo-o francamente á escravidão".
"D. Amelia tratou de pôr D. Pedro em sitio, para não ouvir sinão o que ella lhe dissesse e o que lhe aconselhasse Barbacena. Começou prohibindo accesso até ao Imperador daquelles mesmos que, desde a infancia, tinham liberdade de entrar nos seus proprios aposentos. Para fallar-lhe era preciso esperar horas e horas".
Os novos criados do Imperador tratavam a todos com má cara. A Imperatriz não queria que o marido fosse servido pelos antigos camaristas e guarda-roupas. E dizia "que se vexava de ver homens de fardas tão bordadas servindo o Imperador...."
"Fez passar o serviço para os criados particulares. Mas o fim disso era outro: era separar o marido da gente com que tinha vivido até então".
DONA AMÉLIA E AS SENHORAS
"Senhoras que, pela sua posição na corte e até damas, que estavam acostumadas desde o tempo do Rei, a irem ao Paço todas as vezes que queriam, ficavam agora esperando na ante camara até que se lhes quizessem apparecer, ou, quando não, lhes mandavam agradecer a visita. Algumas distinctas senhoras foram mal recebidas pelo Imperador e pela Imperatriz. D. Pedro nem lhes fallava. Limitava-se a dar-lhes a mão a beijar com a viseira carregada. D. Amelia limitava-se a simples cumprimento de cabeça. Chegou o rigor no Paço de S. Christovam a serem os porteiros da canna os que determinavam se podiam, ou não, entrar as pessoas que desejavam cumprimentar a Suas Magestades".
"Espalhou-se a noticia de que a senhora que quizesse saudar a Imperatriz havia de escrever a uma tal baroneza, que veiu de Munich em companhia de D. Amelia, pedindo-lhe dia e hora para ter essa honra. Só depois de dois e tres días é que tinha então a resposta desejada de poder cumprimentar a difficil Imperatriz do Brasil".
A MARQUESA DE AGUIAR
"A tal baroneza que viera de Munich era quem pegava na cauda da Imperatriz em dias de gala. Ás vezes, por mera condescendencia, a baroneza chamava a nobilissima Marqueza de Aguiar, viuva de D. Fermando, Marquez de Aguiar e vice Rei do Brasil. A Marqueza, senhora illustre, camareira-mor, dizia, com magua, quando a baroneza a convidava:
— Dé cá esse mantéo, que em outros tempos me era leve, mas hoje me é tão pesado de carregar. Eu lhe ajudarei...
E pegava na cauda".
PROTOCOLO SEVERISSIMO
Mello Moraes é francamente hostil a D. Amélia. As suas antipatias para com a Imperatriz ressaltam muito frisantes do seu depoimento. No entanto, para se fazer justiça, é preciso considerar melhor as coisas. A Beauharnais vinha de cortes faustosas, protocolares. Encontrou aqui um Paço desordenado. Paço onde toda a gente entrava. Onde o Imperador recebia sem o menor estilo. Tudo simples, chão. Quis D. Amélia dar a isto o ar de grande corte. Quis fazer valer, regiamente, a personalidade do Imperador. Para isso, mandou pôr em execução protocolos severíssimos, a que os fidalguinhos da época não estavam habituados. Encheu o Paço de criados estrangeiros. Trouxe da Baviera as suas açafatas, as suas retretas, os seus mestres-de-cerimônia, os seus cabeleireiros as suas damas, o seu confessor. Como não entendia o português, determinou que em S. Cristóvão só se falasse francês.
Daí, dessas medidas, do rigor da etiqueta, nasceu decerto essa evidente má vontade dos contemporâneos para com aquela voluntariosa bonecazinha imperial, que governou o Brasil durante dois anos. D. Amélia, está claro, podia ser mais singela. Não o foi. Pretendeu, no Riozinho emosquitado do tempo, dar-se a complicações de majestade altíssima. Daí a sua impopularidade. Nem lhe perdoaram que, como boa francesa e, portanto, como dona-de-casa de mãos agarradas. D. Amélia tomasse contas severas das despesas da cozinha.
Lá comentavam, sem perder detalhe:
"Sendo ella tão moça, se intromettia nas coisas mais ridicullas do Paço, até nas despesas da ucharia. Causava admiração que essa senhora tão fina, e tão criança, se occupasse de ninharias proprias de gente de baixa condição social".
D. AMÉLIA E JOSÉ BONIFÁCIO
José Bonifácio voltara do exílio. Vivia na sua chácara de Botafogo, arredado dos homens, longe da política. D. Amélia, ao chegar, teve notícia do velho eminente que ali vivia, solitário. Quis conhecê-lo.
O Patriarca, um dia, apresentou-se no Paço. D. Pedro, em pessoa, conduziu o austero Andrada aos aposentos da Imperatriz. Aí, entre os soberanos e o paulista, desenrolou-se curiosa, chocante cena.
José Bonifácio, num discurso pequeno, mas muito vivo, de cores muito carregadas, pintou à Beauharnais o estado do Brasil. Pintou a completa separação do povo e do governo. As iras da opinião pública. Os desacertos do trono. As facilidades de D. Pedro. Mil coisas! O Imperador não gostou. Interrompeu azedamente o ex-ministro:
— "Senhor Andrada! Vossa Exa. está desarrazoando. Isso são disparates"...
José Bonifácio, com autoridade:
— "Não me interrompa, senhor! Deixe-me dizer a verdade, porque ella interessa a Vossa Magestade e a seus filhos"!
E continuou o discurso.
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Um projeto de:
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.
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