Amigos do Brasil
Amigos do Brasil! Pois
há disso? Há. Houve e há estrangeiros que se apaixonam das nossas coisas, vêm
estudá-las e de volta às suas terras dão-se ao sentimentalismo de querer bem ao
país onde a primavera e o estado de sítio são eternos.
O saudoso e recém
falecido J. C. Branner, reitor da Universidade de Stanford, estudou na mocidade
a nossa geologia e de regresso, até o fim da vida, conservou-se um amigo do
Brasil. Quando publiquei meu primeiro livro recebi dele uma carta que conservo
como prêmio. Discutia a “geringonça”, ou gíria como dizemos hoje, e falava
disso com a segurança do homem de ciência para o qual tudo quanto representa
criação tem valor.
Na Alemanha tivemos
sempre inúmeros amigos, a partir do grande Martius. Hoje também os temos e um
deles é o Dr. Frederico Sommer, que se empenha em verter e lá publicar os
livros mais característicos da nossa literatura.
Até na França, tão de si
própria, temos amigos. Mr. Le Gentil dedica-se a estudos brasileiros e em
companhia de M. Gahisto, Martinenche e outros mantém na Revue de l’Amerique Latine uma seção dedicada
amorosamente ao Brasil. Não contentes, criaram na Sorbonne um centro de estudos
brasileiros e cuidam agora de constituir uma biblioteca de livros brasileiros.
Tudo isto sem subvenções, à custa de enormes esforços e ao arrepio da nossa
muçulmana indiferença. (Aviso aos autores de livros: essa biblioteca da
Sorbonne aceita com grande prazer e pede a remessa de obras nacionais para lá,
sobretudo as científicas. Endereço: Mr. Le Gentil, Centro de estudos
portugueses, Sorbonne, Paris).
Outro, de nome menos
conhecido entre nós, é Mr. Jean Turiau. Já residiu no Brasil, conhece as nossas
coisas e as rememora com saudades. O Brasil é uma coisa deliciosa vista assim
de longe. Um meu amigo, grande patriota, dizia sempre:
— Meu ideal é a
diplomacia. Viver do Brasil mas longe dele, de modo a sentir sempre doces
saudades da pátria, que delícia!
Mas Turiau quer bem a
isto aqui e gostos não se discutem. Trabalha em traduções e vai tornando
conhecida em França a nossa esfarrapada literatura. Na última carta que me
escreveu lamenta-se da sua situação de funcionário público, como toda gente em
França, situação que lhe não permite adquirir obras sobre o Brasil. E chora por
uma Rondônia, por uma História do Brasil, de Rocha Pombo, trop chère... (Aviso aos srs. Roquette Pinto e a Rocha
Pombo: não percam a oportunidade de um tal leitor. Nada há mais raro e que mais
honre a um escritor do que um bom leitor).
A interpenetração
literária é o que há de mais profícuo na aproximação dos povos. Só ela suprime
as muralhas que a estupidez dos governos ergue. Só ela demonstra que somos
todos irmãos no mundo, com as mesmas vísceras, os mesmos defeitos, os mesmos
ideais. Se a França tornou-se amada entre nós a ponto de bombardear Damasco e
esmagar Abd-el-Krim sem que isso nos arrepie as fibras da indignação, deve-o
aos senhores Perrault, Lafontaine, Hugo, Maupassant, Taine, Anatole e quantos
mais nos trouxeram para aqui esta sensação da irmandade do homem. Se a Alemanha
não se gozou de idênticas simpatias é que víamos os atos de violência dos seus
homens de governo e não havia dentro de nós, para atenuar-lhes a repercussão, o
coxim de veludo da literatura alemã bem absorvida como temos a francesa.
Grande serviço, pois,
prestam aos povos esses homens beneméritos que trabalham na difusão da
literatura alheia em seus próprios países. Estão a preparar os preciosos coxins
de veludo, amortecedores dos choques. Criam a compreensão e a tolerância.
Demonstram, com a exibição de documentos humanos, que somos iguais, todos
filhos do mesmo macaco que rachou a cabeça ao cair do pau.
Mas o nosso descaso é
imenso. Nenhuma livraria do Rio, por exemplo, tem à venda essa revista da
América Latina. Por quê? Não há procura. Estupidificados pelo estado de sítio
crônico, parece que um desalento nos ganhou a todos, um desânimo de tudo,
indiferença de chim.
Se alguma coisa valesse alguma coisa nesta terra: eis a frase com que um
jornalista traduz tal estado d’alma. Frase horrível, reflexo do desespero do
desânimo, e, no entanto, lógica, sempre que um povo perde a sua liberdade e
tomba no boçalismo da escravidão.
Mas tudo passa. Depois
da noite vem o dia. Depois da Idade Média vêm os 89. Tolice é desesperar.
Esperemos, e enquanto esperamos não contaminemos com o nosso desalento de
escravos os abnegados pioneiros das nossas letras em França. É noite? Não
importa. Também de noite se trabalha e não há trabalho mais abençoado do que o
que se faz dentro da noite para apressar a vinda do dia claro. E é trabalhar
para um dia melhor meter mãos à obra da difusão literária.
Os morcegos passam e os
livros ficam.
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In: Na Antevéspera
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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