6/30/2019

O Trovador (Conto), de Francisca Júlia



O Trovador 
(Balada escandinava)

— Que é que ouves à porta, ó pajem loiro?
— Rei, é um velho de barbas brancas e cabelos longos, que empunha um instrumento de cordas, de que tira celestes harmonias e músicas sonoras.
— Faze-o entrar, lindo pajem, e dize-lhe que venha cantar sob meu trono, na presença dos meus vassalos, as melancolias de sua alma.
"Viva, poderoso rei! em tuas mãos está o cetro de ouro diante do qual se curvam os cortesãos e todos os validos do reino; ao teu mando os exércitos se movem, como servos submissos, obedientes, aos caprichos do teu desejo.
Saúde, nobres senhores! em vossos peitos se ostentam condecorações de honra e medalhas de valor, adquiridas no serviço do rei ou ganhas nos campos da batalha. Urrah, formosas damas! vós inflamais os peitos dos jovens e despertais em suas almas as mais estranhas aspirações de glória.
Eu sou um pobre velho, curvo ao peso doa anos, experimentado nas lides da miséria, que anda pelo mundo despertando nos corações alheios as amarguras adormecidas".
— Canta, trovador.
O velho fechou os olhos e entoou um canto triste, arrancado ao fundo de sua alma. Os homens abaixaram a cabeça para esconder as lágrimas que lhes subiram aos olhos; as moças tremeram á vibração do instrumento e choraram ao eco das suas notas.
O rei, a quem o canto era dirigido, levou aos olhos a ponta do manto, enxugou uma lágrima sentida e disse:
— Velho, desde que subi ao trono sobre o qual se sentaram meus antepassados ilustres, acostumei-me a assistir às dores de outrem de olhos enxutos e coração fechado. Na guerra vi meus amigos e companheiros de infância cair crivados de balas ou rasgados pelas lanças. A fonte do meu pranto está seca. Mas tu, velho, após tantos anos de odiosa indiferença, conseguiste, com as harmonias do teu canto, umedecer a rugosidade das minhas pálpebras com algumas gotas de saudosa lágrima. Toma esta barra de ouro; é mais pesada que o bastão a que te animas.
— Obrigado, bom rei! Agradeço o teu ouro. Quero apenas um pouco de alimento para matar a minha fome e um copo de água fresca para saciar a minha sede.
— Servos, dai ao velho o resto do meu banquete.
O trovador sacia-se nas iguarias reais.
— Obrigado, bom rei! Que a lágrima que derramaste te faça lembrar do trovador humilde. Dá-me agora a liberdade; quero sair, para continuar no silêncio da noite, sob o fulgor das estrelas, minhas tristezas interrompidas.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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