7/11/2019

Ainda o segundo tempo (História), de Monteiro Lobato



Ainda o segundo tempo
– Havia na Grécia, disse dona Benta no serão seguinte, uma passagem muito estreita, ou desfiladeiro, conhecido como as Termópilas. Dum lado era o mar; doutro, a escarpa duma montanha. Por ali os persas tinham de passar na sua marcha rumo a Atenas.
Termo, vovó disse Pedrinho, significa...
– Quente. Águas termais, águas quentes. Termópilas queria dizer passagem quente, porque de fato havia por ali umas fontes de água quente. Mas os gregos acharam que em vez de esperar o ataque dos persas muito melhor seria atacá-los na passagem das Termópilas, onde um homem era capaz de fazer frente a muitos. E Leônidas, o rei de Esparta, foi escolhido para defender o desfiladeiro. Leônidas era um espartano digno de nome que tinha, porque Leônidas quer dizer igual ao leão. Tomou o comando de sete mil soldados bem escolhidos, entre os quais trezentos espartanos daqueles tinham aprendido a não se renderem nunca. Mas era uma loucura jamais vista escorar tamanho exército com sete mil homens apenas.
Quando Xerxes percebeu que Leônidas estava ocupando as Termópilas com aquele punhadinho de homens, riu-se, e mandou-lhe intimação para entregar-se. "Venha buscar-nos", foi a lacônica resposta de Leônidas. Logo depois travou-se a luta, e durante dois dias os gregos sustentaram as suas posições, impedindo o avanço dos persas. Mas houve traição. Alguém foi contar a Xerxes que naquela montanha havia passagem secreta dando para a retaguarda de Leônidas, de modo que se os persas entrassem por lá os gregos seriam apanhados pelas costas.
Quando Leônidas soube que os persas tinham descoberto a passagem secreta e vinham vindo, compreendeu que tudo estava perdido. Falou aos seus homens. Contou o que se passava; disse que quem quisesse retirar-se poderia fazê-lo e que quem ficasse tinha de contar com a morte.
– E retiraram-se muitos? Perguntou Pedrinho, ansioso.
– Seis mil. Ficaram apenas mil, entre os quais trezentos espartanos. "Nós recebemos ordem de defender esta passagem", foi a lacônica resposta que deram ao general.
Leônidas e seus mil homens lutaram nas Termópilas até o fim, morrendo todos, um por um.
Depois que os persas atravessaram o desfiladeiro, a cidade de Atenas ficou em má situação, porque nada podia impedir o ataque. Era absurdo resistir, dada a desproporção entre atacados e atacantes. Os atenienses correram a consultar o Oráculo de Delfos.
O Oráculo respondeu que a cidade de Atenas estava condenada a ser destruída, mas que os atenienses seriam salvos por muralhas de madeira.
– Que queria dizer com isso? Perguntou Pedrinho.
– Essa mesma pergunta acudiu a todos os atenienses. O Oráculo falava sempre dum modo enigmático, que exigia interpretação. Dessas vez Termístocles traduziu a seu jeito a resposta, dizendo que tais muralhas de madeira significavam navios da esquadra, e convidou o povo a abrigar-se em barcos ancorados na baía de Salamina. Os atenienses aceitaram o convite; abandonaram a cidade e meteram-se a bordo.
Quando os persas entraram em Atenas, só viram por lá casas vazias. Puseram-lhes fogo e depois marcharam para Salamina, onde a esquadra persa, ajudada pelas forças de terra, iria varrer dos mares os navios gregos. Para gozar esse espetáculo, Xerxes mandou erguer um trono no alto dum morro, donde se descortinava toda a baía.
A tal baía de Salamina assemelhava-se muito ao desfiladeiro de das Termópilas; era uma faixa d'água ou como um trecho de rio – e essa semelhança deu a Temistocles uma ideia. Fingindo-se traidor, com aquele que nas Termópilas havia revelado a passagem secreta, mandou dizer a Xerxes que se a esquadra persa fosse dividida em duas partes, ficando uma num extremo e outra no outro extremo da baía, os gregos, encurralados, nada poderiam fazer.
– E Xerxes caiu na esparrela...
– Como um patinho. Acreditou na nova "traição" e dividiu a esquadra em duas partes. Isso foi ótimo para os gregos, que com todos os seus navios puderam atacar cada metade por sua vez, e ainda, por meio de hábil manobra, conseguiram fazer que as duas metades da esquadra persa se chocassem, com perda de muitos navios.
O resultado final foi a completa derrota dos persas no mar, e a necessidade em que ficou o exército de terra de retirar-se para a Pérsia pelo caminho mais curto.
– Estou imaginando o acesso de raiva que havia de ter Xerxes no seu trono, lá no alto do morro! disse a menina.
– E eu, os pulos de alegria de Temístocles! disse Pedrinho. Esse chefe acertou em todos os pontos – até na decifração da fala misteriosa do Oráculo. Era um danado!
A consequência da admiração do menino pelo chefe grego foi bezerro da vaca mocha, nascido na véspera, passar a chamar-se Temístocles e não Gaveta, como queria a boneca. Gaveta! Aquela Emília tinha cada uma...

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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)

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