O segundo tempo
– Estou
imaginando a cara desse Dario! disse Pedrinho. Apanhou de dez a zero...
– Realmente,
meu filho. Ele, o soberano do maior império do mundo, derrotado por um
punhadinho de gregos! Mas, não! A coisa não ficaria assim! O rei persa iria
formar nova esquadra e novo exército – uma esquadra como jamais existiu outra e
um exército de encher de assombro a todos e levar de vencida quantas Grécias
surgissem. Dario jurou e rejurou e bufou como um tigre logrado por uma raposa.
E vários anos passou a preparar o grande exército. Nisto, morreu.
– Morreu com
certeza de raiva recolhida, observou a menina.
– Seja do
que for, morreu e foi substituído pelo seu filho Xerxes, que do pai herdara não
só o trono como também o ódio aos gregos e a determinação de destruí-los.
Xerxes continuou os grandes preparativos de guerra começamos por Dario.
Mas os
gregos, animados pela vitória, estavam mais do que resolvidos a não se deixarem
bater em hipótese nenhuma, e como tinham a certeza de que os persas voltariam,
preparam-se da melhor maneira.
Por esse
tempo o povo de Atenas vacilava entre dois chefes igualmente grandes. Temístocles
e Aristides. O primeiro queria por prevenção se construísse uma esquadra para a
próxima guerra, e Aristides era de parecer contrário. A luta pegou fogo entre
os partidos dos dois candidatos, mas como o partido de Temístocles se tornasse
maior, Aristides acabou no ostracismo, apesar da sua grande fama de homem
perfeito. Chamavam-lhe Aristides o Justo.
No dia da
votação um homem que não sabia escrever aproximou-se de Aristides com uma casca
de ostra na mão e pediu-lhe que escrevesse nela um nome. "Que nome?"
perguntou Aristides. "Aristides", respondeu o homem. Sem dar-se a
conhecer, o grande ateniense perguntou-lhe: "Por que querer condenar este
homem ao ostracismo? Cometeu ele por acaso alguma falta?" "Oh,
não!" respondeu o eleitor. "Ele não cometeu nenhuma falta, mas..."
e suspirou. "Mas, que?" insistiu Aristides. "Mas estou cansado
de ouvir o povo chamar-lhe sempre o Justo, o Justo..." concluiu o homem.
Aristides
conhecia o caráter dos gregos e portanto não se admirou daquela inconsequência.
Limitou-se a escrever o seu próprio nome na casca de ostra. Concluída a
votação, foi verificado haver na urna o número de votos necessário para a sua
condenação – e Aristides foi para ostracismo.
– Que
grande injustiça! exclamou Pedrinho indignado com os atenienses. Isso é o
cúmulo dos cúmulos!
– E que o
grande acero político! disse dona Benta. O afastamento de Aristides pôs toda a
força do lado de Temístocles, que conseguiu, afinal, impor a sua ideia da
esquadra e mais preparativos para a possível guerra. E Temístocles acertou. A
guerra veio. Dez anos depois da batalha de Maratona os persas reiniciaram a sua
marcha contra a Grécia. Desta vez não com cento e vinte mil homens, mas com
dois milhões.
– Dois
milhões, vovó? exclamou o menino, espantado.
– Parece que
mesmo um pouco meio muito, como diz o compadre Teodorico. Em todo o caso, é
essa a contagem dos historiadores da época. Mas semelhante exército era em
excesso numeroso para vir por mar. Seriam necessárias mais trirremes do que as
havia no mundo inteiro. Por isso Xerxes determinou que a marcha fosse por
terra, embora mesmo por terra houvesse um bocadinho d'água a separá-lo dos
gregos: o estreito que hoje se chama Dardanelos e naquele tempos se chamava
Helesponto.
– De que
largura era esse estreito, vovó?
– Apenas um
quilômetro e meio.
– E Xerxes
passou?
– Quase.
Xerxes construiu uma ponte de barcos, isto é, foi colocando barcos um encostado
ao outro até alcançar o lado grego; depois estendeu por cima um tabuado como de
ponte. Mas assim que concluiu a obra, uma tremenda tempestade sobreveio e
arrasou tudo.
A fúria de
Xerxes foi tamanha que pegou de um chicote e pôs-se a surrar o mar como se o
mar fosse um de seus escravos. Em seguida mandou fazer uma nova ponte. Desta
vez não houve tempestade e o exército pôde avançar. Sete dias e sete noites
levou passando, em massa cerrada. A esquadra, que era enorme, o seguiu. Quando
as forças alcançaram a terra da Grécia...
Dona Benta
teve de parar nesse ponto. O visconde, que desde o seu "renascimento"
não dissera ainda uma só palavra, tinha dado um grito. Correram todos. Que foi?
Que não foi? "Foi Emília, eu vi" disse tia Nastácia aparecendo da
cozinha, com a colher de pau na mão. "A malvada deu em cima dele com um
tal ostracismo. Não sei o que é, mas deve doer muito..."
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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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