7/27/2019

Eça de Queirós nas palavras de Marquês d’Ávila (Discurso)



Eça de Queirós nas palavras de Marquês d’Ávila

É a segunda vez, depois da morte de Eça de Queirós, que a cidade de Lisboa presta homenagem à obra, ou melhor ao talento deste ilustre escritor.

Lisboa bem pode honrar-se de, em seu nome e no do país inteiro, dilatar até à contemplação dos vindouros, no mármore das suas praças e dos seus jardins, a memória daquele artista, que fez esplender em língua portuguesa o método analítico de Balzac e o estilo naturalista de Stendhal e de Flaubert.

A evolução progressiva na vida de um povo é a melhor afirmação de que este zela a característica da sua raça e a sua comunhão no convívio das nações mais cultas.

A par do desenvolvimento moral e material de uma nação, satisfazendo as exigências, que resultam da expansão prodigiosa das ciências em todo o mundo, acrescentar o vocabulário de um povo e dar forma elegante e sugestiva à sua literatura é um dever de quantos prezam o vigor e a independência de uma nacionalidade.

Camões, criando, ao influxo da Renascença, o formoso idioma, que aperfeiçoou o dos antigos cronistas, mal emancipados dos dialetos castelhanos, tanto fez em proveito da nossa autonomia quanto o tinha feito a espada vitoriosa do Mestre d’Aviz, e o arrojo descobridor dos nossos mareantes.

Se outro mérito não houvesse de ser enaltecido, e muitos outros ilustram o humor e a arte da obra de Eça de Queirós, bastaria o enriquecimento do nosso dicionário para que Portugal lhe recomendasse o nome à admiração dos pósteros.

Os escritores, que mais ilustraram o seu nome e honraram a literatura pátria, devem os seus principais títulos de glória a terem acomodado a sua obra aos progressos do seu tempo e do seu meio, afinando a ideia e a forma pelo modo de ser e de sentir do nosso povo.

Não se confunde com a de Garret, com a de Herculano, com a de Castilho e com a de Camilo, a prosa moderna, graciosa, cheia de surpresas filosóficas e de  neologismos elegantes do ilustre escritor, que hoje celebramos; mas merece também a gratidão da pátria.

Pode haver controvérsia na apreciação das escolas em que se agrupam os nossos mais distintos publicistas; não míngua porém esta luta o valor dos mestres de cada uma delas, que o ocupar tão honrosa magistratura é prova de grandes e excepcionais faculdades.

Honra-se pois a cidade de Lisboa e o país inteiro em celebrar a obra de Eça de Queirós; a sua morte deu vibrações de dor a esta terra, em cujo idioma ele a escreveu e àquelas onde a arte e a crítica mais evolucionam e progridem, e que tão afetuosamente a traduziram.

Ao consagrado escultor Teixeira Lopes e ao grupo de amigos dedicados, que promoveram e realizaram esta celebração,  entre os quais justo é especializar o Conde de Arnoso, meu amigo, são devidos os mais alevantados louvores.

Em nome da cidade de Lisboa, e como presidente da Comissão Administrativa do Município, tenho a subida honra de aceitar e de agradecer o monumento, levantado pela dedicação de amigos à memória de um dos maiores escritores portugueses contemporâneos e que tão cedo foi roubado às letras pátrias.


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MARQUÊS D’ÁVILA
"Discursos",  9 de novembro de 1903.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019).

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