7/11/2019

Alexandre o Grande (História), de Monteiro Lobato



Alexandre o Grande
Depois de tomar fôlego, dona Benta perguntou:
– Que é que você pretende ser quando tiver vinte anos, Pedrinho? O menino ficou atrapalhado. Ele pretendia ser tanta coisa...
– Pois aos vinte anos o nosso Alexandre já era rei.
– Grande milagre, vovó! Eu também seria rei aos vinte anos, se tivesse nascido filho de rei.
– Sim, não há nada demais em ser rei aos vinte anos quando um homem nasce num trono. Mas o que esse reizinho de vinte anos fez é um assombro. Apesar de rei de dois países, a Macedônia e a Grécia, não se contentou. Alexandre queria ser rei do mundo.
Para isso deu andamento àqueles planos de conquistas a Pérsia, fazendo-a pagar a guerra que cento e cinquenta anos antes Dário havia feito aos gregos. E conquistou-a. Alexandre reuniu um excelente exército, atravessou o Helesponto e penetrou na Ásia, onde os persas não conseguiram embraçar-lhe o caminho. Alexandre não saía vencedor de todas as batalhas.
Na sua contínua marcha para a frente, passou por uma cidade onde havia um templo célebre. Sabem por quê? Por causa dum nó.
– Dum nó? Que graça! Exclamou Narizinho. Um nó cego, aposto.
– Um nó cego na verdade, minha filha, impossível de ser desatado. Era o celebre Nó Górdio, do qual um oráculo havia dito que quem o desatasse conquistaria a Pérsia. Quando Alexandre soube do caso, foi examinar o nó e imediatamente viu que era mesmo um nó cego. Puxou, então, da espada e cortou-o pelo meio, de um golpe...
Ahn! Exclamou Pedrinho. Só agora compreendo porque as pessoas que resolvem uma situação encrencada dizem: "cortei o nó górdio!"
– Pois é isso mesmo. Usamos tal expressão por causa do que Alexandre fez há vinte e três séculos. Mas o nosso Alexandre que não era de brincadeiras, realizou a predição do oráculo: conquistou a Pérsia. De lá marchou para o Egito, quem pertencia à Pérsia, e também o conquistou. Para comemorar a vitória ergueu uma cidade perto da boca do Nilo e deu-lhe um nome derivado do seu – Alexandria. Nessa cidade que iria torna-se uma das mais importantes do mundo, fundou a mais célebre biblioteca dos tempos antigos.
– Como eram os livros?
– Escritos a mão, em tiras de papiro emendadinhas, formando rolos. Essa biblioteca foi acumulando tudo o que a humanidade havia escrito até aquela data e chegou a ter meio milhão de obras. Se séculos mais tarde não fosse queimada pelo sultão Omar, seria hoje a mais preciosa e importante biblioteca do mundo.
– Por que esse indecentíssimo Omar destruiu uma coisa tão preciosa, vovó? perguntou o menino, revoltado.
– Por puro espírito de fanatismo, meu filho. Omar que era um fanático da religião Maomé, mandou incendiar a preciosa biblioteca porque: "Ou os seus livros dizem o mesmo que o Corão, e nesse caso são inúteis, ou dizem o contrário, e nesse caso devem ser destruídos." O Corão é o livro sagrados dos maometanos, como para os cristãos é a Bíblia.
– Imbecil! Não era lá que havia o tal farol?
– Sim. Nessa mesma cidade de Alexandre foi erguido esse monumento notabilíssimo. O farol, o gigantesco farol cuja luz alcançava muitos quilômetros longe. Foi levantado na ilha de Faros – de cujo nome veio a palavra farol. Era uma torre de mais de trinta andares, coisa colossal numa época de construções de um e dois andares apenas.
Mas Alexandre não ficou á espera de que a biblioteca se enchesse de livros e a torre de Faros se erguesse ao trigésimo andar. Deu ordens para que tudo se fizesse e tocou para a frente. Alexandre não podia parar. Ardia por conquistar novas terras, ver novas caras, novas coisas – e esqueceu-se completamente de sua Macedônia. Em vez de voltar para lá, ao menos a fim de matar as saudades, marchou para diante e foi conquistando todos os países que encontrou, até a Índia.
– Que homem "mais que os outros" era Alexandre, vovó! observou a menina. Desde meninote...
– Realmente. Alexandre era único e tinha o bicho carpinteiro no corpo. Não podia parar. Começou a ser rei aos vinte anos e desde aí até a morte jamais esquentou lugar. Morreu com trinta e três anos apenas – a idade de Cristo – e já era chamado de Alexandre o Grande. Havia se tornado senhor de todo o mundo – pelo menos de todo o mundo então conhecido e habitado por povos civilizados. Só não se lembrou da Itália ou não teve tempo de conquistá-la. Mas naquele tempo a Itália não passava de uma porção de cidades pouco povoadas e sem nenhuma importância.
Quando Alexandre viu que nada mais restava que valesse a pena vencer, dizem que chorou...
– E como não tinha mais mundo para conquistar resolveu morrer, não é?
– Mais ou menos. Não vendo inimigos pela frente contra os quais lançasse o seu exército, Alexandre resolveu voltar para a Grécia; mas com muita preguiça, lentamente, parando pelo caminho para gozar a vida em festas. E assim alcançou a cidade de Babilônia, que já não era nem sombra do que havia sido nos tempos da grandeza. Lá morreu repentinamente durante um banquete, no ano 323 a.C.
Este Alexandre deveu muito e muito a Aristóteles. Foi Aristóteles quem lhe ensinou a ser um grande homem. Nas suas conquistas prestava grandes benefícios aos povos dominados. Ensinava-lhes a língua grega, de modo que pudessem cultivar o espírito lendo os únicos livros de valor existentes na época, os livros gregos; ensinava-lhes os esportes atléticos praticados em Olímpia; ensinava-lhes as artes – a pintura, a escultura, a música. Sua preocupação era melhorar a cultura dos vencidos. Podemos até dizer que com seus livros ninguém ensinou mais aos homens do que Aristóteles e com sua espada ninguém ensinou mais aos povos que seu discípulo Alexandre.
Alexandre casou-se com uma rapariga persa de grande beleza, chamada Roxana, e morreu antes de lhe nascer o único filho, de modo que a chefia do império coube aos seus generais.
– Aos quais?
– "O mais capaz que governe", tinha sido a recomendação de Alexandre. "Lutem entre si e vejam qual o mais forte. Esse deverá ser meu sucessor". Os generais lutaram entre si, mas a vitória empatou entre quatro. Em vista disso o império de Alexandre foi dividido em quatro, cabendo cada parte a um deles.
Destes generais só um realmente tinha qualidades de chefe, ou rei – um chamado Ptolomeu. Governou o Egito sob nome de Ptolomeu I e governou bem, formando uma dinastia, isto é, fazendo que seus filhos governassem depois dele. Os outros generais não souberam conservar os reinos recebidos, de modo que depois de alguns anos nada mais restava do grande império de Alexandre.
– Tal qual um balãozinho de elástico que a gente assopra, e ele enche e enche até que – paf! estoura e não fica coisa nenhuma, observou Pedrinho filosoficamente.

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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019

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